metropoles.com

Crônica para uma amiga que se cansou do vazio da sedução virtual

Essas meninas estão a cada dia mais espertas, mais valentes, mais comprometidas com a luta política, e menos dispostas a suportar o vazio

atualizado

Compartilhar notícia

Stephanie Arcas/ Metrópoles
abre-conceicao
1 de 1 abre-conceicao - Foto: Stephanie Arcas/ Metrópoles

Uma amiga, na faixa etária entre 30/40 anos, talentosa, linda, vivendo a vida e querendo viver mais, me pede pra escrever uma crônica sobre o amor – é comigo mesma. Ela me diz que no mundo onde vive está todo mundo feliz da vida – com a quantidade de likes ou mensagens dos crushs, dos atuais, dos ex, dos conhecidos e dos a conhecer. Uma roda-viva de estimulações mútuas nas quais o gozo se realiza apenas como promessa.

É a versão digital da brincadeira do passa-anel, só que o anel não fica na mão de ninguém.

(Foi brincando de passa-anel que descobri o corpo-erótico, o menino-masculino, a menina-feminina, o jogo da sedução. Para quem não conhece, é uma brincadeira dos pré-adolescentes do meu tempo. Meninos e meninas numa roda, de mãos coladas em modo de prece, levemente entreabertas e postas diante do corpo. Alguém no meio da roda tem um anel guardado entre as mãos e vai depositá-lo dentro das mãos-cofrinho de um dos participantes, de modo que ninguém perceba – só os dois, como segredos de namorados. Um terceiro tentará adivinhar com quem está o anel.)

Foi desse modo que eu, e imagino que muitos e muitas da minha geração e de anteriores, conheci o jogo da sedução e descobri a diferença sexual ou, para ser contemporânea, o desejo pelo outro ou pela outra.

O passa-anel dos homens e das mulheres desse terrível tempo é um jogo sem fim, sem segredos, sem vencedor e sem decepções, é um jogo que prefere a excitação imediata, fugaz e vazia à escolha e à frustração. O anel não cai no cofrinho de ninguém, mas todos têm a sensação de que por um breve instante o entreaberto de um tocou o entreaberto do outro. E como ninguém quer correr o risco de ficar com o anel, lidar com o anel, se frustrar com o anel, perder tempo como anel, se apaixonar pelo anel, ser traído pelo anel, sofrer pra caramba com a perda do anel, tudo termina onde começou – na sutil promessa de que o anel um dia pousará docilmente entre as palmas da mão, num movimento delicado, palpitante e secreto, como é o começo do amor.

Dias atrás, vi numa rede social:

 

Essas meninas estão a cada dia mais espertas, mais valentes, mais comprometidas com a luta, e menos dispostas a suportar o vazio do anel que não caiu no cofrinho das mãos postas quase em súplica.

Noutro dia, uma moça compartilhou um texto de jornalismo científico: “A ciência diz que estar bêbado ou apaixonado é basicamente a mesma coisa”.

E comentava: “Tá valendo mais beber msm”.

O cientista aí de cima nunca deve ter se apaixonado porque o amor não nos deixa bêbados, nos deixa alucinados. Nunca provei drogas pesadas, mas imagino sensação semelhante à do LSD, do ópio, da heroína, dos chás alucinógenos dos índios.

 

Deve haver por aí algum estudo científico para medir a diferença entre paixão e amor, outra bobagem de quem nunca sentou na calçada e chorou choro de pedra. Buscar essa diferença é querer mensurar o imensurável. É querer entrar no jogo achando que tem o controle do que vai acontecer, de até onde quer ir.

O amor não é mole, não. Ou como diz Nelson Rodrigues, o amor não deixa sobreviventes. Mas, como diz Guimarães Rosa, na pele de Riobaldo: o amor é a gente querendo achar o que é da gente.

A sensação de o anel tocando a palma da mão vale toda uma vida. Dizem que os alucinógenos produzem uma excitação imediata, fugaz, intensa e, por tudo isso, inesquecível. Quem provou quer repetir a experiência sucessivamente. Só que ela pode ser mortal, como o amor.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?