metropoles.com

Extremista do 300 do Brasil fala sobre QG, treinamento e apoio de deputados

Ao Metrópoles, o baiano “Mito Show” abre o jogo sobre rotina dos ativistas bolsonaristas e conta como foram os dias em que ficou na prisão

atualizado

Compartilhar notícia

Igo Estrela/ Metrópoles
Entrevista com Emerson Rui Barros dos Santos integrante do grupo 300 do Brasil, que foi preso pela polícia Federal.
1 de 1 Entrevista com Emerson Rui Barros dos Santos integrante do grupo 300 do Brasil, que foi preso pela polícia Federal. - Foto: Igo Estrela/ Metrópoles

Um apartamento emprestado dos pais de um amigo dos advogados de Sara Winter, extremista de direita, é o local onde o baiano Emerson Rui Barros dos Santos, 41 anos, integrante do grupo 300 do Brasil, recebeu a reportagem do Metrópoles. Foi a residência do ativista bolsonarista em Brasília (DF) desde que foi preso – e depois solto – como alvo do inquérito que investiga atos antidemocráticos.

Usando tornozeleira eletrônica, Emerson conta que, devido à medida cautelar imposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito, está proibido de se aproximar dos demais membros do 300 do Brasil. Ele foi abrigado pelo casal de idosos e aguarda o reencontro com a família em Salvador (BA), para onde retornou nessa segunda-feira (29/06).

Conhecido como “Mito Show”, Emerson faz parte dos cinco integrantes do 300 que foram retidos por 10 dias pela Polícia Federal (PF) a mando do STF, onde corre o processo sobre os atos contra a democracia. A volta a seu estado natal foi aprovada pela Corte na sexta-feira (26/06), dois dias após a soltura.

O bolsonarista é o compositor do jingle “Força, capitão”, utilizado pelo então candidato Jair Bolsonaro (sem partido) durante a campanha eleitoral, em 2018. Na época, “Mito Show” se candidatou a deputado estadual em Salvador pelo PSL, que era o partido do presidente, e se conheceram. “Eu já era um político sem mandato”, brinca. Emerson também teve contato com Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), ainda em Salvador.

Motivado por um vídeo convocatório de Winter nas redes sociais, “Mito Show” entrou em contato com o 300 do Brasil e fez as malas rumo à capital federal. “Eu ‘subi’ de Salvador, fiz uma economia aqui e outra ali. Tive o conhecimento de que o 300 tinha um suporte, um local de apoio para tomar um banho, tinha uma certa estrutura para a gente estar, então só trouxe meus pertences mesmo”, relata.

O QG do 300

Ao Metrópoles, Emerson compartilhou que, antes da prisão, ele e os demais integrantes ficavam alojados no “QG dos 300”, uma “casa de apoio” dos bolsonaristas, na Vila Planalto. Com a proibição da aproximação entre os membros do grupo, porém, o abrigo foi desmontado e os ativistas passaram a morar com amigos, familiares e simpatizantes.

Segundo ele, o local foi providenciado pela defesa do movimento, e o aluguel e mantimentos eram pagos por meio de doações físicas e da “vaquinha virtual”. Na entrevista, “Mito Show” assegura que o grupo “nunca” recebeu apoio financeiro de parlamentares ou mesmo teve contato com milícias, como é acusado. “Falam isso, é? Não faz sentido”, diz, entre risos.

O QG de dois andares tinha duas suítes grandes (uma para homens e outra para mulheres), uma cozinha, uma área de serviço completa, uma sala e uma varanda “grande”. O local foi aprovado por ser próximo à casa de Sara Winter. Quanto ao transporte, eles se revezavam nos carros particulares dos integrantes brasilienses.

“Nos alternávamos no acampamento. Uns dormiam na casa e outros nas barracas, aí depois trocava. Mas a gente quase não dormia na casa”, conta.

“A gente tinha que se virar lá, cada um fazia aquilo em que era bom. Eu, por exemplo, sou técnico em comunicação visual, então era o responsável pelas faixas e cartazes do grupo. Mas tinha gente que era melhor na cozinha e outros na limpeza, e a gente fazia assim, até para se sentir mais útil, saber que estava ajudando em alguma coisa”, relata.

A rotina

A rotina na casa era: acordar, organizar os pertences pessoais, cumprir os afazeres pelos quais eram responsáveis e seguir rumo à Esplanada. Outros continuavam no local, recebendo doações, fazendo comida ou descansando.

Ao fim do dia, cadeiras de plástico eram colocadas no acampamento e Sara Winter organizava o “treinamento” do grupo, com palestras gravadas de personalidades “inspiradoras da direita”. Entre elas, o guru Olavo de Carvalho era a mais recorrente. “No treinamento, ouvíamos palestras, já que informação nunca é o bastante e precisamos de muita para fazer com mais vontade, ser pé no chão. A própria Sara foi aluna do Olavo e ele era o mais comum de a gente assistir. Todo mundo sabe que a gente ouve muitas informações e conceitos dele”, registra.  Apesar disso, Emerson nega que existisse treinamento físico-preparatório para as manifestações.

Emerson também nega que houvesse qualquer outro local de apoio ao grupo e diz que a chácara de treinamento militar revelada pelo Metrópoles pertencia ao “QG Rural”, outro grupo pró-governo que também ocupou a Esplanada. “Nunca fui lá nem sei te dizer onde fica”, garante.

Também presa pela PF, integrante Erica Viana posta foto no QG
O acampamento

O extremista admite que parlamentares pró-governo frequentavam o acampamento, tais como os deputados Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP) e Sargento Fahur (PSD-PR). De acordo com Emerson, eles apareciam de forma “espontânea” e, eventualmente, fizeram refeições junto aos acampados.

As deputadas Kicis e Zambelli são alvo no inquérito contra as fake news, que corre no STF, acusadas de utilizarem recursos públicos para ampliação da divulgação de postagens contra a oposição e a favor do governo.

Outros presos no inquérito contra os atos antidemocráticos também batiam ponto no QG, como o jornalista Oswaldo Eustáquio, retido na sexta-feira (26/06). “Ele é amigo meu e de todo mundo. Estava sempre por lá”, revela “Mito Show”.

A líder do 300, Sara Winter, também é investigada no mesmo processo e teve um mandado de busca e apreensão realizado pela PF em sua residência, no dia 27 de maio. Na ocasião, ela ameaçou o ministro Alexandre de Moraes e usou as redes para dizer que ia fazer da vida dele um inferno”. Pelo ato, a bolsonarista responde pelos crimes de ameaça, injúria e contra a segurança nacional.

A respeito da denúncia de posse de armas pelos membros acampados, Emerson diz que nenhum integrante tinha posse nem carregou armas de fogo no local. “No ativismo que nós fazemos, não caberia, em nenhum momento, o uso de armas, apesar de nós sofrermos bastante ameaças. Não tinha arma nem a presença de seguranças. A única arma que a gente poderia colocar aqui era dos PMs que faziam policiamento”, argumenta.

“Mito Show” afirma que os bolsonaristas que querem entrar para o 300 passam por uma espécie de triagem, validando as opiniões e comportamentos do novo integrante. Entre as regras, é “proibido fazer parte do 300 quem tem arma ilegal”. “Não combina com a gente”, ressalta.

A prisão 

Ao serem presos pela PF, três rapazes do 300 ficaram na Superintendência da corporação e as mulheres, Sara e Erica, foram levadas ao presídio feminino de Braspilia (Colmeia) dias depois. Emerson admite que, apesar de não tido contato prévio com a polícia, havia a tensão da possibilidade de prisão.

“A gente desconfiava. A gente fazia a coisa de forma democrática, mas desconfiava de que poderia ser detido pela policia, ou não. Aí, a gente foi lá, naquele dia, para a frente da Superintendência para apoiar a Sara e acabamos presos”, relembra.

Os ativistas foram detidos em 16 de junho, um dia após a prisão da líder do movimento. Eles estavam reunidos na frente de onde Sara estava presa, na PF, como gesto de apoio. Por volta das 17h20, dois carros descaracterizados, uma caminhonete e uma moto de pequeno porte, se aproximaram dos manifestantes e cerca de 10 agentes, igualmente descaracterizados, saíram dos veículos e os apreenderam. Os homens foram colocados dentro dos carros e Erica foi levada a pé por um policial.

“Um dos policiais perguntou se eu era o baiano: ‘Qual é seu nome?’, então eu perguntei o porquê, né. Aí ele respondeu: ‘Por que você quer saber?’. Foi aí que ele disse que era da Polícia Federal, demos todas as informações necessárias e fomos levados e detidos”, relata.

Os três colegas ficaram um uma cela comum, de 6 m², sem televisão, com camas de tijolo e um espaço para o banheiro. Para evitar desavenças com os agentes, eles combinavam a hora do banho para que fosse necessário ligar o registro apenas uma vez ao dia, sem importunar o trabalho dos policiais. “Foi uma oportunidade e privilégio de ficarmos na mesma cela. A gente interagia e, assim, suportamos a angústia”, observa.

“Eu vivi momentos de choro, eu era o mais emotivo, chorei por duas vezes, não aguentava aquilo lá. Eu tive minhas experiências de angústia. A gente suportava, interagia e até contava piada para tentar descontrair. Fomos tratados de forma bem humana, mas sem nenhum privilégio. Mas só saíamos quando era para receber visita dos advogados. A minha esposa até veio de Salvador quando soube que fui preso, mas ela não conseguiu entrar”, desabafa.

Álibis

Mesmo sendo investigado no inquérito que investiga atos antidemocráticos, “Mito Show” nega qualquer participação no ocorrido. “Nós já estávamos no QG quando essa manifestação rolou. Uma parte estava na casa e eu e um outro membro, o Arthur, que também foi preso, estávamos colocando créditos no celular. Ele chegou para mim na casa e disse: ‘Bora ali na praça comigo?’, e assim fomos colocar crédito no celular. Existem muitos álibis que comprovam que não estávamos [300 do Brasil] presentes no dia do ato”, defende.

Apesar de negar participação no ato contra o STF, “Mito Show” assume que foi um dos idealizadores da invasão ao Congresso Nacional. “A gente não queria causar vandalismo, mas a gente está impedido de entrar em um lugar que é nosso. Se é nosso, vamos ter que dar um recado aqui. Para a gente, aquele cercadinho é uma afronta, tivemos a iniciativa de dar um recado”, afirma. Ao Metrópoles, Emerson confessa que a invasão na Casa foi para “mostrar quem manda”.

“O poder é do povo. Apesar de contratar um ‘funcionário’, vamos dizer assim [aspas com as mãos]: ‘a gente não vai agir de forma autoritária, mas às vezes tem que mostrar quem é que manda’. A gente vai tentar mostrar isso, e às vezes, tem que dar um puxão de orelha no filho”, finaliza, aos risos.

0

Compartilhar notícia