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A ponte mais bela de Brasília é também a mais democrática

A Costa e Silva é só uma ponte, mas é também um campo de luta democrática e um exemplo da potência criativa brasileira

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Ponte Costa e Silva
1 de 1 Ponte Costa e Silva - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

A ponte mais bonita de Brasília não é a JK, com seus arcos espetaculosos. A ponte mais bonita de Brasília é a ponte de Oscar Niemeyer, que nasceu Ponte Monumental, virou Ponte Costa e Silva, depois Ponte Bezerra da Silva, mais tarde Ponte Honestino Guimarães e por algumas resistentes horas Ponte Marielle Franco.

É só uma ponte, mas é também um campo de luta democrática e um exemplo da potência criativa brasileira. Niemeyer a denominava Ponte Monumental, por ser ela um monumento da arquitetura moderna. Ao contrário da Ponte JK, que tantos admiram, a ponte do Oscar não quer ser mais bonita que a noiva. Reverencia as escalas do Plano Piloto. Surge na paisagem com a leveza de um pássaro, embora seja de concreto armado.

“[A ponte] deve apenas pousar na superfície como uma andorinha tocando a água”, escreveu o arquiteto, quando da feitura do projeto. O vão central, de 200 metros, é ladeado por dois outros, de 100 metros cada, compondo assim uma ave de plumagem branca beijando doce e delicadamente as águas do Paranoá. Quando de sua construção, foi festejada como um dos vãos mais extensos já construídos em todo o mundo.

Pontes, como se sabe, são produtos da engenharia, que as chama de obra de arte. A arquitetura seria mero adorno. Niemeyer fez o que sabia genialmente fazer: a comunhão dos cálculos estruturais com a plástica arquitetônica. Na ponte mais democrática de Brasília, mais uma vez fez o concreto armado voar. É o seu único projeto de ponte que foi construído.

Não foi fácil. Foi preciso negociar com Lucio Costa, que não havia projetado ponte entre o lago e o Plano Piloto. Para ir ao Lago Sul era preciso dar a volta pelo antigo Balão do Aeroporto. A obra ficou parada alguns anos – construiu-se, então, uma ponte temporária, a Ponte das Garças, um fio de asfalto de 300 metros esticado no ponto mais estreito e raso do lago.

A bela ponte democrática se chama oficialmente Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar instaurada em 1964. O que, em si mesmo, é uma ofensa à capital do país. Foi Costa e Silva quem articulou a cassação dos direitos políticos de Juscelino, o fundador de Brasília, cidade forjada em ideais democráticos, projetada por um humanista e cujas obras mais importantes são de um comunista.

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Certo dia, a ponte-andorinha amanheceu com um novo nome, Ponte Bezerra da Silva, intervenção poético-musical do grupo Coletivo Transverso, em homenagem ao sambista pernambucano. Uma lei aprovada na Câmara Legislativa e sancionada pelo GDF trocou o nome de Costa e Silva para Honestino Guimarães, o estudante da UnB desaparecido nos subterrâneos da ditadura de 1964. A Justiça revogou a lei, e o nome do ditador voltou a designar a ponte.

Neste meio de março, por algumas horas, a ponte-passarinho se chamou Marielle Franco. A ponte mais bela, mais delicada, mais brasiliense e mais democrática é também a mais teimosa. Nunca desiste de andorinhar.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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