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Haddad: “Decidimos não esperar 2022, nós decidimos ir pra rua”

Petista que constrói candidatura sem descartar volta de Lula diz que presidente enfraquece democracia para disfarçar incompetência e crimes

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Fernando Haddad em entrevista ao metrópoles
1 de 1 Fernando Haddad em entrevista ao metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) está construindo uma candidatura para a eleição presidencial de 2022, mas mantém as portas abertas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso ele recupere seus direitos políticos. “Sou amigo do Lula, sou advogado do Lula e não serei eu que vou caçar os direitos políticos dele. Eu acho que ele foi injustiçado, que ele seria eleito em 2018”, afirma Haddad em entrevista exclusiva ao Metrópoles, na qual ressaltou, porém, que seu nome está “à disposição”.

“Eu trabalho para um time que quer transformar o Brasil para melhor. O que eu puder fazer por esse time, eu vou fazer”, destaca o petista, que acha importante construir um projeto eleitoral visando 2022 porque o impeachment do presidente Jair Bolsonaro antes da eleição é uma possibilidade muito remota com Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara. Para Haddad, as grandes forças políticas do país hoje são Bolsonaro e “Lula e o PT”, e essas forças deverão se enfrentar nas urnas no ano que vem.

Sobre as dificuldades na construção desse projeto eleitoral, o ex-ministro da Educação chamou de ingenuidade as críticas de correligionários, como o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que reclamou por Haddad descartar o diálogo tanto com bolsonaristas quanto com partidos e pessoas que se aproximam da extrema-direita. “É muita ingenuidade de alguns companheiros nossos imaginar que você vai encontrar em alguns partidos de direita respaldo às instituições democráticas”, pontua o candidato petista, derrotado em 2018.

Haddad defendeu ainda a cassação do mandato do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e disse que os ataques abertos dele a ministros do Supremo Tribunal Federal fazem parte do roteiro de um golpe que Bolsonaro e seus correligionários estariam orquestrando para o ano que vem. “É uma situação perigosa, por isso que nós decidimos não esperar 2022, nós decidimos ir pra rua, ir pros bairros, ir pras universidades, com todas as cautelas sanitárias, mas pra discutir com a sociedade o desmonte do Brasil”, reforça o candidato.

Veja a íntegra em vídeo e leia abaixo os destaques da conversa gravada na quinta-feira (18/2):

A prisão do deputado federal Daniel Silveira

Eu acredito que o deputado [Daniel Silveira, do PSL-RJ] vem faltando com o decoro há mais de um ano. Essas ameaças, inclusive à integridade física de ministros do Supremo, vêm acontecendo pela promoção do próprio bolsonarismo. O próprio Bolsonaro, se nós nos lembrarmos, já na pandemia, participou de aglomeração, de atos contra o Supremo Tribunal Federal, pelo fechamento do Supremo e do Congresso Nacional.

O Bolsonaro, sem sombra de dúvida, tem um projeto de golpe contra a democracia no país. Tenho dito isso reiteradamente. Isso acaba também tirando atenção do fim do auxílio emergencial e da falta de vacina, isso acaba se combinando com uma estratégia de marketing pra desviar o foco daquilo que realmente preocupa a população. E a utilização de apresentadores de TV vai nessa mesma direção, de forçar uma situação e tensionar os Poderes da República.

Então, eu entendo que a melhor resposta que o Congresso pode dar neste momento, independentemente da questão da prisão, é a cassação do mandato do parlamentar. Eu já vi gente dizer que a prisão é questionável, mas mesmo esses que questionam a prisão, defendem a cassação do mandato. Então, acho que há unanimidade em torno da cassação do mandato. Nós deveríamos hoje nos fixar naquilo que une o país. E não naquilo que desune o país. Fixar na cassação do mandato parlamentar.

Daniel Silveira como parte de um movimento golpista

Olha, eu acredito que nada disso é casual. O livro do Villas Bôas [general, ex-comandante do Exército] contando o episódio do constrangimento que fez ao Supremo pra que o presidente Lula não tivesse justiça, a movimentação do Ratinho, a movimentação do deputado [Daniel Silveira], nada disso é casual.

Nós estamos vivendo um desgoverno, estamos aí com 230, 240 mil mortos. Se contar os subnotificados, esse número é superior a 300 mil pessoas. Oitocentas mil pequenas e médias empresas fecharam; algumas multinacionais deixaram o país, as estatais estão sendo vendidas aos pedaços, inclusive a Petrobras.

É uma situação perigosa, por isso que nós decidimos não esperar 2022, nós decidimos ir pra rua, ir pros bairros, ir pras universidades, com todas as cautelas sanitárias, mas pra discutir com a sociedade o desmonte do Brasil.

Críticas de aliados, como o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), por isolar a direita

Vamos pegar esse episódio [da eleição] no Congresso Nacional: o PT fez um gesto que eu considero impressionante do ponto de vista democrático, que foi apoiar o candidato do Rodrigo Maia pra presidir a Câmara dos Deputados. Imagina você, o PT, apoiar um candidato do Rodrigo Maia, que estava sempre em oposição à democracia, pelo impeachment, contra o presidente Lula. E o candidato era Baleia Rossi [MDB-SP], um braço direito do Temer. Com tudo isso, pelo país nós fizemos um gesto de aprovar na bancada o apoio ao Baleia Rossi. O que aconteceu? O DEM traiu Rodrigo Maia a ponto dele anunciar a saída do DEM, e foi apoiar o candidato de Bolsonaro. Então é muita ingenuidade de alguns companheiros nossos imaginar que você vai encontrar em alguns partidos de direita respaldo às instituições democráticas. É muita ingenuidade. Eu não posso criticar uma avaliação de um companheiro, não é meu papel fazer isso, mas eu acho que é muita ingenuidade em não entender o que está acontecendo com o país.

A preparação das forças para a eleição de 2022

Eu acredito que força política hoje no Brasil é o Bolsonaro de um lado e o Lula e o PT do outro. Não é a velha polarização, é novíssima, só aconteceu uma vez. Velha seria a do PT com o PSDB, que era uma boa polarização, porque eram duas forças democráticas que se alternavam no governo do país. Gente que jamais colocaria em risco os direitos humanos, a democracia. Um ambiente mais civilizado de disputa, natural, porque numa democracia há disputa, graças a Deus, mas entre projetos consistentes. Essa nova polarização, que foi estabelecida com o Bolsonaro com a ajuda do PSDB, [polarização com] Doria, Eduardo Leite e Anastasia, essa não nos interessa, porque põe em risco a democracia. Polarização democrática é uma coisa, pois as regras do jogo não estão em discussão. Quando uma força coloca as regras em discussão, se o Congresso vai funcionar ou não, se vai ter eleição com voto de urna eletrônica ou não, vai corroendo por dentro as instituições democráticas. Então essa polarização jamais interessará ao PT. O que nós queremos é disputar o campeonato com o juiz imparcial, com regras estabelecidas, disputar um campeonato como sempre disputamos desde 1989. Estivemos em todas as disputas, [com] o Collor, Fernando Henrique, Serra, Alckmin, sem nunca colocar em risco a democracia e a soberania popular.

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PT, teto de gastos e responsabilidade fiscal

O Brasil talvez seja o único lugar do mundo que tenha adotado o teto de gastos. Nem o FMI recomenda, está asfixiando a economia brasileira e não tem nada a ver com responsabilidade fiscal. O governo Lula foi o mais responsável fiscalmente na história do Brasil. O Lula diminuiu a dívida pública em 50% sem aumentar a carga tributária. Nós pagamos o FMI, o Clube de Paris, acumulamos quase US$ 400 bilhões em reservas cambiais. Geramos 20 milhões de oportunidades de emprego entre setor privado e setor público. Na Prefeitura de São Paulo, eu recebi grau de investimento pela gestão fiscal. Então, isso é um absurdo [chamar de irresponsável]. Quem fez mais superávit primário? O Lula que fez mais superávit primário no Brasil, mas é preciso lembrar que dava pra fazer nessa ocasião porque a economia estava crescendo. Tem horas que dá pra fazer, tem horas que não dá pra fazer, não pode ser uma coisa de bitolado.

Renovação no PT

Nas eleições de 2022, embora nós não tenhamos crescido muito, a gente melhorou em qualidade e diversidade. Deu uma mexida nas câmaras municipais Brasil afora, muitos jovens, mulheres negras. A coisa que mais me impressiona hoje é que tem uma galera chegando das favelas, dos bairros, das periferias, do campo, mas com compromisso com a nação, não com a própria trajetória individual apenas. É óbvio que todo mundo quer  “vencer na vida”. Mas isso é uma fantasia, porque você só vence na vida se os teus vencerem com você, sabe? Se todo mundo crescer. Ninguém é rico em meio à miséria.

Renovação é um desafio sempre, presente em qualquer máquina burocrática. Máquinas se burocratizam, essa que é a verdade, o partido se burocratiza, até a igreja se burocratiza. E o desafio de uma máquina burocrática é não se deixar esclerosar por falta de renovação, por falta de lubrificação, por falta de oxigenação. Mas eu fiquei animado com a cara, com a cor, com o jeito das novas bancadas municipais do PT. Gostei do que vi. E acho que isso é um sinal de que existe caminho pra renovação.

Legado da Lava Jato

Eu acho que nós fizemos um esforço enorme no governo de fortalecer os órgãos de combate à corrupção, todo mundo reconhece, até os adversários do PT. Infelizmente, em alguns casos, que não foram poucos, pretendeu-se fazer da Lava Jato um projeto político. E aí não se buscou justiça, mas poder. A partir do momento em que o Sergio Moro se deixou cegar pelo poder, eu acho que produziu uma situação muito constrangedora pra todos nós. Porque ele se despiu da toga de juiz e vestiu o uniforme, né? De um guerrilheiro que rasgou a Constituição para chegar ao poder. Isso teve um custo que eu não consigo nem estimar, eu não consigo estimar o prejuízo que ele trouxe, inclusive para a imagem do país no exterior. Que é o que levou o Bolsonaro à presidência, inclusive.

Se Lula recuperar os direitos políticos…

Minha relação com o ex-presidente Lula é muito antiga, ela é de muita confiança, ela é de muita seriedade, de muito respeito mútuo. Então, eu não cuspo no prato de jeito nenhum. Além de correligionário, eu sou amigo do Lula, eu sou advogado do Lula e não serei eu que vou caçar os direitos políticos do Lula. Eu acho que ele foi injustiçado, que ele seria eleito em 2018, se concorresse nas eleições. Essa é a minha opinião. Nós temos muita tranquilidade dentro do PT em relação a isso. É óbvio que o meu nome é lembrado porque fui o candidato do PT nas últimas eleições, que foi o segundo turno, numa campanha muito curta que quase ganhou. Então, óbvio que o meu nome é lembrado e está disponível. Mas nós temos muita tranquilidade em relação a isso. Eu não sou candidato de mim mesmo, eu não trabalho com voo solo, eu não tenho projeto pessoal. Eu sou uma pessoa que trabalha para um time que quer transformar o Brasil para melhor. Então o que eu puder fazer por esse time, eu vou fazer.

Moderação de Ciro após conversa com Lula e alianças da esquerda

Eu acho que melhorou um pouquinho [relação com Ciro após conversa com Lula]. Pelo menos eu senti uma moderação nas agressões, deu uma atenuada, o que é bom para a democracia, quando você respeita as forças políticas que estão colocadas. Isso é muito bom e é o começo de tudo. Vamos sentar para conversar. Com Flávio Dino, Guilherme Boulos, Manuela… aí nunca houve nenhum tipo de tensionamento. Nós sempre buscamos aliança, mas sempre entendemos o direito de cada partido de estabelecer a sua estratégia. Óbvio que vamos buscar alianças. Isso aí não tem dúvida, apesar da gente ser um partido grande, a gente busca aliança, sempre buscou.

A impressão que dá muitas vezes quando eu sou perguntado é que a eleição é mês que vem, mas ela não é no mês que vem. Nós temos etapas a cumprir e uma delas é conversar e fazer um projeto com a sociedade. Projeto não se constrói em gabinete, é na rua. Eu vou construir projeto assim, conversando com as pessoas.

Impeachment de Bolsonaro

Se você pergunta para qualquer jurista sério do país, vai dizer que Bolsonaro já cometeu pelo menos dois graves crimes de responsabilidade. Na postura dele durante a crise sanitária, na pandemia, tem crime de responsabilidade. A improbidade está caracterizada, os atos de improbidade, por exemplo, de recomendar medicamento ineficaz, recomendar aglomeração, recomendar o não uso de máscara, tudo isso é crime de responsabilidade.

O segundo crime de responsabilidade foi ter participado dos atos contra os Poderes da República, Congresso e STF. Isso também está previsto na lei, que qualquer inibição do livre exercício dos Poderes da República é caracterizada como crime de responsabilidade. Não há dúvida de que ele cometeu crimes de responsabilidade. De maneira que eu sou a favor do impeachment agora. Mas eu não acho que o Lira aceita. Eu achava que o Rodrigo Maia teria coragem com alguma pressão social. No caso de Lira, eu sou cético em relação a isso, acho que ele vai engavetar. Está muito próximo do Bolsonaro.

Apoio do mercado a Bolsonaro

Eu não sei quantos colocaram a mão na consciência sobre o desastre que produziram. A classe empresarial do andar de cima contratou o caos, porque o Bolsonaro foi considerado o pior deputado federal do Congresso Nacional. Sempre foi, todo mundo sabia quem era o Bolsonaro, inclusive do ponto de vista moral. Todo mundo sabia das rachadinhas, todo mundo sabia que ele desviava o dinheiro do gabinete pra comprar imóvel, chocolate, botar dinheiro na conta da esposa, das ex-esposas, dos filhos, todo mundo que conhece o Bolsonaro de 30 anos pra cá. Qual era a novidade? Bolsonaro foi novidade para o eleitor, mas jamais para a classe empresarial. Então eles fizeram de caso pensado. Por quê? Porque achavam que seria mais fácil manipulá-lo. Só que, quando você põe uma caneta de presidente na mão de um desqualificado como ele, você não sabe o que vai acontecer.

Então ele está usando o orçamento público pra comprar as pessoas, comprar o Congresso, comprar uma parte dos militares reformados, usando o orçamento público para se locupletar. Eu acho que são poucos os [integrantes do mercado financeiro e elite empresarial] que têm compromisso com o projeto nacional. A maioria tem casa fora, tem passaporte europeu, tem visto de permanência nos Estados Unidos. Eu não sei o quanto eles estão preocupados com o Brasil. Estão preocupados com a bolsa. Se a bolsa tiver com 120 mil pontos, o governo tá indo bem. Se o povo tiver passando fome, não importa.

Proposta de reforma bancária

Acho difícil os bancos privados apoiarem uma candidatura nossa porque o item um da nossa plataforma econômica é a reforma bancária. Nós achamos que os bancos expoliam o país, com taxas de juros absurdas. Então, nós vamos fazer uma reforma bancária. Tá na ordem do dia, eles sabem disso, me ligaram várias vezes reclamando que eu não devia tocar nesse assunto. Eu falei: mas se eu tenho certeza de que isso é importante para o país, como é que eu não vou fazer uma reforma? E quantos bilhões vocês querem ter? Não dá pra ser assim. Nós temos que estabelecer um regime forte de concorrência.

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