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Aí vem a democracia iliberal (por Antônio Carlos de Medeiros)

O país está praticamente dividido ao meio. O ponto de inflexão gerado pelo episódio Daniel Siveira aguça um sentido plebiscitário na eleição

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7 de setembro protesto brasil brasilia bolsonaro stf esplanada DF
1 de 1 7 de setembro protesto brasil brasilia bolsonaro stf esplanada DF - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Permanece em Brasília o clima de anomalia institucional entre os três poderes da República. O “affair Daniel Silveira” continua rendendo. Os diálogos do presidente do STF, Luiz Fux, com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e depois com o ministro da Defesa General Paulo Sérgio Oliveira, parecem ter servido para gerar uma espécie de pausa para meditação. Mas não para um freio de arrumação na anomalia e um ajuste entre Poderes.

A nota do ministro da Defesa – ao falar em “permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento das suas missões constitucionais” -, carrega nas entrelinhas uma  intenção da volta do exercício, pelas Forças Armadas, do poder moderador. Portanto, a anomalia institucional é latente.

O mercado financeiro, o empresariado e a população em geral torcem para a cacofonia política em Brasília não atrapalhar mais ainda o país e a economia. Mas a escalada dessa crise aponta para o avanço da democracia iliberal e de um círculo vicioso de fortalecimento de instituições extrativistas e autoritárias. Com mais concentração de poder oligárquico e autoritário e mais extrativismo econômico excludente.

Tudo leva jeito de uma reprise, aqui, do roteiro político-institucional traçado por Daron Acemoglu e James Robinson em “Why Nations Fail” (“Por que as nações fracassam”, em tradução livre). Um livro seminal de 2012 que desenvolveu, a partir de extensa análise histórica e factual, a teoria da importância das instituições políticas no desenvolvimento das nações.

As instituições políticas pluralistas e democráticas seriam inclusivas e tenderiam ao círculo virtuoso da prosperidade. Já as instituições políticas autoritárias e oligárquicas seriam extrativistas e tenderiam ao círculo vicioso do atraso ou do crescimento não sustentável.

Neste contexto histórico-factual, o “affair Daniel Silveira” é parte de uma mobilização sócio política sectária para transformar as instituições inclusivas da Constituição brasileira de 1988 em instituições extrativistas. Atacar a democracia e fortalecer o autoritarismo, sob o império da lei de ferro da oligarquia.

Com o auxílio do poder explicativo da teoria institucional de Acemoglu e Robinson, podemos inferir que – para além da reação do STF e da reposição, ou não, do “equilíbrio institucional” -, a defesa da democracia é levada para o centro do debate político, aqui e agora.

Eis aí o busílis das eleições de 2022. O que está em jogo é a escolha entre instituições políticas e econômicas inclusivas ou instituições políticas e econômicas extrativas. Nesse sentido, o episódio Daniel Silveira é, ao mesmo tempo, ponta de iceberg e ponto de inflexão. A escolha político-institucional se sobrepõe a todas as outras, simplesmente porque ela influencia todas as outras – inclusive a principal no momento, a questão econômica.

Parênteses. Não custa lembrar que Jair Bolsonaro é apenas a vitrine do imaginário conservador brasileiro. De 2013 para cá, este imaginário, digamos, saiu do armário. Desde 2014, Bolsonaro captou um novo espírito de época (zeitgeist) e iniciou um efetivo trabalho de dialogar com este zeitgeist através das redes sociais. Teve sucesso até agora e vai continuar.

O país está praticamente dividido ao meio. O ponto de inflexão gerado pelo episódio Daniel Siveira aguça um sentido plebiscitário na eleição de 2022. Fernando Abrucio pontuou: “Agora está em jogo, principalmente, a avaliação do legado bolsonarista”.

É este legado negativo que Bolsonaro procurar esconder, com a fabricação de polêmicas e polarizações que criam uma cortina de fumaça sobre o caminhão de problemas reais gerados pelo seu legado. Atuando no plano simbólico da Política, ele vai passando o trator da democracia iliberal.

 

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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