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Vacina chegou, mas dúvidas persistem. O que falta para toda a população ser imunizada?

Com poucas doses disponíveis inicialmente, o Ministério da Saúde informou que, no primeiro momento, apenas 5,2% do previsto serão imunizados

atualizado

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LEANDRO FERREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Coronavac
1 de 1 Coronavac - Foto: LEANDRO FERREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Apesar de a vacinação contra a Covid-19 ter começado no Brasil, ainda que de forma emergencial, os desafios e problemas a serem enfrentados para que os imunizantes alcancem toda a população estão apenas no começo. Depois da discussão sobre seringas, logística de distribuição e definição dos grupos prioritários, a preocupação agora é quando o país terá um quantitativo suficiente de doses para uma campanha nacional abrangente.

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Juarez Cunha, considera como muito reduzida a quantidade de vacinas prontas para aplicação imediata e lembra da dificuldade que será importar insumos para produzir doses em território nacional. “Nossa rede de saúde está acostumada a trabalhar com campanhas; o que atrapalha, neste momento, são os quantitativos para manter o ritmo da vacinação”, diz.

Até agora, segundo o próprio Butantan, são cerca de 11 milhões de doses prontas da Coronavac. No entanto, o pedido emergencial aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no último domingo (17/1), refere-se a apenas 6 milhões das que haviam sido importadas da China em 2020. Ou seja, só esse montante poderá ser aplicado.

Já o pedido da Fiocruz é para 2 milhões de unidades da vacina de Oxford que seriam importadas da Índia. Anunciado, a princípio, para a última quarta-feira (14/1), o voo da Azul fretado para buscar as doses não tem mais data certa para acontecer.

Com poucos imunizantes disponíveis inicialmente, já que no Brasil só existem os da Coronavac, o Ministério da Saúde informou que, com esse lote, serão imunizadas 2.854.560 pessoas (5,2%), número bem abaixo do previsto no primeiro grupo, estimado em 54 milhões de brasileiros. O valor corresponde à soma entre trabalhadores da saúde, população indígena e pessoas com deficiência com 60 anos ou mais institucionalizadas.

Entre esses grupos, receberão a maior quantidade de vacinas os profissionais da saúde, com mais de 2,2 milhões em todo o país (34%). Logo em seguida, os indígenas, com 431 mil doses; os idosos, com cerca de 156 mil; e os deficientes, pouco mais de 6 mil.

Número de pessoas a serem vacinadas em cada região neste primeiro momento, segundo a pasta:

Norte: 337.332
Nordeste: 683.924
Sudeste: 1.202.090
Sul: 357.821
Centro-Oeste: 273.393

De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 211 milhões de habitantes. Esse não deve ser, entretanto, o total de pessoas vacinadas. Um exemplo são os indivíduos com menos de 18 anos, que não entram no grupo a ser vacinado por não terem feito parte do ensaio clínico para avaliar a segurança das vacinas.

Produção da vacina no Brasil

De maneira geral, o Brasil tem um bom parque tecnológico com capacidade de produção adequada. “Isso, alinhado a compras de doses, é o suficiente para uma boa cobertura vacinal. A questão é que o Brasil não entrou na negociação internacional no momento adequado e gerou uma limitação para que tenhamos acesso às vacina e às tecnologias”, ressaltou Jonas Brant, epidemiologista e coordenador da Sala de Situação em Saúde da Universidade de Brasília (UnB).


A nossa campanha está centrada na capacidade de produção nacional. “Neste momento, dependemos da Fiocruz e do Butantan. Se não tivermos o insumo, atrasa a produção, a campanha e, mais ainda, a proteção individual e coletiva”, afirma Juarez Cunha.

O contrato com a Sinovac, fabricante chinesa da Coronavac, prevê 46 milhões de doses até abril, com opção de negociar mais 15 milhões e a transferência de tecnologia para o Butantan.

Até o momento, o instituto tem insumos para mais 4,8 milhões de doses, previstas para serem entregues no fim de janeiro e com pedido de uso emergencial feito na Anvisa na segunda-feira (18/1). Segundo o diretor, Dimas Covas, são cerca 5 mil litros da matéria-prima – Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) – que estão parados na China. Até o fim do mês, há a expectativa de que um novo lote com o volume próximo ao primeiro chegue ao país. Procurado, o Butantan não respondeu até a publicação desta matéria.

A situação da Fiocruz é ainda mais preocupante. Além de não ter conseguido as doses prometidas para começar a produção da vacina em território brasileiro, a instituição espera a chegada do IFA da Oxford/AstraZeneca, que também vem da China. A esperança era de que o insumo tivesse chegado ao país na última semana, o que não se concretizou.

“A instituição, com o apoio do Ministério da Saúde, tem estado em contato permanente com a AstraZeneca para liberação e exportação do IFA da China, que tem protocolos específicos para exportação da carga, e aguarda informações mais precisas para confirmar a data de chegada desses insumos”, afirmou, em nota. “Com o início da produção, a fundação poderá escalonar as entregas para atingir a marca de 50 milhões de doses até abril e 100,4 milhões de doses até julho de 2021. A produção diária, portanto, também será escalonada”. O detalhamento do cronograma ainda não foi divulgado.

De acordo com nota do Ministério da Saúde, foram firmados memorandos de entendimento, não vinculantes, que expõem a intenção de acordo com Pfizer/BioNTech, Janssen Instituto Butantan, Bharat Biotech, Moderna, Gamaleya. “A partir desses documentos, o Ministério da Saúde prossegue com as negociações para efetuar os contratos, a fim de disponibilizar o quanto antes a maior quantidade possível de doses de vacina para imunizar a população brasileira de acordo com as indicações dos imunizantes”, diz a nota.

Seringas e frascos

Cunha explica que a questão das seringas ainda não foi resolvida, mas, de acordo com as informações do Ministério da Saúde e dos estados, há produto suficiente para garantir a vacinação no primeiro semestre. Depois disso, a situação pode se complicar: o mercado estará mais aquecido com a oferta de novas vacinas contra a Covid-19, mais países vão estar atrás das seringas e agulhas, e o preço deve subir.

Uma preocupação que afeta outras nações, sobre os frascos para envasar as doses, não parece ser um problema para o Brasil. Segundo a Fiocruz, as embalagens serão iguais às que já são usadas para outros imunizantes. A instituição afirma que tem trabalhado junto aos fornecedores de insumos para evitar rupturas no abastecimento. “Para frascos de vidro e rolhas, por exemplo, há fornecedores multinacionais que têm fábricas instaladas no Brasil, com ampla capacidade e, se necessário, com a possibilidade de importação de unidades do exterior”, explica a Fiocruz, em nota.

Fake news

“Além disso, um outro desafio é a coordenação de nível nacional e estadual. Ainda falta uma estratégia de comunicação e alinhamento para que possamos pensar o microplanejamento, que é municipal. Tem toda uma estratégia de mobilização social que carece de coordenação entre os três níveis”, explicou Jonas Brant.

O presidente da Sbim considera que a hesitação da população quanto à vacina também pode ser um empecilho na tentativa de alcançar a imunidade de rebanho contra a Covid-19. Apesar de, historicamente, o brasileiro acreditar nos imunizantes, a queda na cobertura vacinal mostra uma diminuição na confiança das injeções.

“Também há uma queda de confiança nas instituições, governantes e profissionais de saúde. A politização e a polarização da saúde, bem como as fake news, impactam negativamente nesse processo. Os grupos antivacina também têm se reforçado, se tornando cada vez mais influentes”, explica.

Os especialistas projetam que pelo menos 70% da população precisará estar imunizada para que o vírus pare de circular na sociedade. Esse número só será alcançado caso as pessoas compareçam voluntariamente aos postos de saúde, já que a injeção não será obrigatória.

A corrida pela vacina no mundo

Em números absolutos, o país que mais aplicou doses de vacina são os Estados Unidos. Foram 12,3 milhões de imunizações feitas, mais de 25% do total já aplicado no mundo (40,07 milhões). O segundo lugar é da China (10 milhões) e o terceiro, do Reino Unido (4,3 milhões).

O ranking muda significativamente quando se leva em consideração o tamanho da população. Nesse caso, os primeiros lugares são de Israel (28 habitantes a cada 100 já tomaram a vacina), Emirados Árabes (19 a cada 100) e o Bahrein (8,3 a cada 100).

Nesse critério, os EUA caem para a quinta colocação, com 3,7 a cada 100 pessoas, e a China sequer aparece no top 10 devido à sua enorme população (1,4 bilhão de pessoas).

Considerando a velocidade, os EUA também levam a medalha para casa. No dia 15 de janeiro, último com informações disponíveis, essa taxa era de 798,7 mil pessoas por dia na média móvel da última semana.

O segundo lugar é da Turquia, com 308,3 mil pessoas em média na última semana, e o terceiro vai pro Reino Unido, com 243,4 mil pessoas em média.

Como a vacinação no Brasil ocorrerá ainda é um mistério. No entanto, o histórico da capacidade brasileira de vacinar é positivo. Foram, em média, 108,2 milhões de doses de diversos tipos de vacina por ano, entre 2015 e 2020. O pico foi em 2017, com 120,4 milhões de doses aplicadas.

Vacinas disponíveis

Até o momento, de acordo com a Bloomberg, 8,3 bilhões de doses já tiveram a venda acertada. Como a maioria das vacinas precisa de duas doses, o número não cobre toda a população do planeta.

A mais adquirida foi a produzida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, com 90 acordos que permitem vacinar 1,5 bilhão de pessoas.

O alto volume de negociações já firmados é um fator que dificulta a aceleração da vacinação no Brasil. O país entrou tarde na corrida e agora fica no fim da fila caso queira adquirir mais imunizantes.

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