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USP: ataque do Sars-CoV-2 em vários órgãos causa síndrome em crianças

A partir de autópsias, pesquisadores da USP detalharam como acontece a síndrome multissistêmica pediátrica que vem sendo ligada à Covid-19

atualizado

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Kelly Sikkema/Unsplash
criança máscara coronavírus covid
1 de 1 criança máscara coronavírus covid - Foto: Kelly Sikkema/Unsplash

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e do Instituto Adolfo Lutz descobriram que a ação direta do Sars-CoV-2 em vários órgãos pode causar reação imune exagerada em crianças, causando a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). O estudo avaliou autópsias de crianças e adolescentes que morreram em decorrência da Covid-19.

De acordo com o trabalho, a SIM-P é caracterizada por sintomas clássicos da Covid-19, como febre, tosse e desconforto respiratório, mas também por febre persistente e inflamação em diversos órgãos, como o coração, o intestino e, em menor grau, os pulmões.

O conjunto de sintomas ocorre devido a alta capacidade do Sars-CoV-2 de invadir e causar lesões nos tecidos dos órgãos, desencadeando manifestações clínicas que incluem dores abdominais, insuficiência cardíaca e convulsões.

Desde o início da pandemia, a síndrome começou a ser relatada e relacionada a casos graves e óbitos de crianças pela doença em vários países, incluindo o Brasil. Os resultados do estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foram publicados na revista científica EClinicalMedicine, do grupo Lancet.

Em entrevista à Fapesp, Marisa Dolhnikoff, professora da FM-USP e coordenadora do projeto, reforçou que “a ação direta do vírus nos tecidos de diversos órgãos é um dos motivos pelos quais as crianças com essa síndrome apresentam uma resposta inflamatória exagerada e alterada à infecção”.

Como foi feita a pesquisa

Os pesquisadores realizaram a autópsia de cinco crianças que faleceram em decorrência da Covid-19 em São Paulo, sendo um menino e quatro meninas, com idade entre 7 meses e 15 anos. O procedimento foi feito por meio de um método minimamente invasivo, em que amostras de tecidos de todos os órgãos são coletadas por punção, guiadas por imagens geradas por um aparelho de ultrassom portátil.

Duas crianças tinham doenças graves antes da infecção pelo Sars-CoV-2 – uma tinha câncer e outra uma síndrome genética congênita – e as outras três eram previamente saudáveis e desenvolveram a SIM-P com manifestações clínicas distintas. Uma delas apresentou inflamação cardíaca (miocardite), outra inflamação intestinal (colite) e a terceira encefalopatia aguda, que desencadeou convulsões.

A análise revelou que as duas crianças com doença grave preexistente apresentaram um quadro de Covid-19 grave “clássica”, caracterizada por uma doença respiratória aguda em função de lesões extensas e severas causadas pelo coronavírus nos alvéolos pulmonares. O Sars-CoV-2 também foi identificado em outros órgãos.

Já nas três crianças previamente saudáveis, os especialistas observaram que as lesões inflamatórias extrapulmonares foram predominantes, como miocardite no coração e colite (uma inflamação intestinal).

O coronavírus também foi detectado em células endoteliais e musculares do coração no paciente com miocardite, no tecido intestinal da criança com colite aguda e no tecido cerebral da que desenvolveu encefalopatia aguda.

“Vimos que o Sars-CoV-2 se disseminou pelos vasos sanguíneos, infectando vários tipos de células e tecidos dessas crianças. E as manifestações clínicas variaram de acordo com o órgão-alvo”, detalha Dolhnikoff.

A ação do coronavírus em crianças

A pesquisa descobriu, ainda, mais detalhes sobre o impacto do Sars-CoV-2 no organismo de crianças e adolescentes. Até então, de acordo com os especialistas, acreditava-se que a reação inflamatória exagerada acontecia independentemente de o vírus ainda estar presente no organismo, como resultado de uma reação imune.

As constatações feitas por meio do estudo, contudo, trazem evidências de que as manifestações da SIM-P são desencadeadas também pela ação direta do coronavírus nas células dos órgãos infectados.

“Não estamos dizendo que o que está descrito até agora sobre a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica está errado, mas acrescentamos a constatação de que a própria lesão causada nos tecidos pelo vírus está relacionada e, muito provavelmente, é um componente importante para a indução dessa resposta inflamatória exagerada em crianças”, ressalta Dolhnikoff.

Outro dado importante da pesquisa é de que um dos principais alvos do coronavírus são as células endoteliais, que revestem a parede interna dos vasos, incluindo desde as artérias de grande calibre até os capilares sanguíneos mais delgados.

“Uma das hipóteses é que, ao ser infectada, a célula endotelial dispara mediadores na corrente sanguínea que provocam uma cascata de inflamação que causa toda essa reação observada em crianças com a SIM-P, como febre persistente, colite, miocardite e encefalite”, explica Amaro Nunes Duarte Neto, infectologista e patologista da FM-USP e do Instituto Adolfo Lutz e um dos primeiros autores do estudo.

Os pesquisadores também detectaram, pela primeira vez em crianças, a formação de microtrombos, a exemplo do que já tinha sido observado e relatado em adultos.

Veja como o coronavírus ataca o corpo:

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