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Covid-19: Butantan planeja distribuir vacina pelo SUS em junho de 2021

Em entrevista ao Metrópoles, Ricardo Palacios, diretor do laboratório, fala sobre detalhes do acordo firmado com laboratório Sinovac

atualizado

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Instituto Butantan/Divulgação
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1 de 1 Ricardo-Palacios-Instituto-Butantan-01 - Foto: Instituto Butantan/Divulgação

A tentativa de desenvolver uma vacina nunca foi tão acelerada na história mundial. Apenas seis meses depois da confirmação dos primeiros casos de Covid-19, laboratórios já começam a última fase de testes de um método de imunização que consiga controlar o novo coronavírus.

Um dos três estudos mais avançados até o momento é o do laboratório chinês Sinovac Biotech. Um acordo com o Instituto Butantan, de São Paulo, garantiu que o Brasil fosse um dos primeiros países a receber doses da CoronaVac para a fase 3 da pesquisa, onde se confirmam a segurança e a eficácia da imunização em testes com milhares de voluntários.

Em entrevista ao Metrópoles, o diretor médico de pesquisa clínica do Butantan, Ricardo Palacios, fala sobre as perspectivas de quando a vacina começará a ser distribuída para os brasileiros, explica os entraves burocráticos que podem fazer com que a produção atrase e comenta porque o Brasil leva vantagem em relação a outros países no assunto.

Quando teremos as primeiras doses disponíveis para a população brasileira?
Hoje eu posso dizer que em junho de 2021 talvez a gente já tenha a distribuição da vacina. Mas é uma realidade muito dinâmica. A gente faz esta estimativa a partir da melhor informação que temos no momento. Estamos trabalhando intensamente, mas não estamos abrindo mão de ter todo o rigor científico. É importante que todo mundo entenda isso.

É claro que eu e todos os meus colegas estamos trabalhando para que esse prazo seja mais curto, mas essa é a melhor estimativa hoje. É completamente possível que aconteça algo amanhã que nos faça adiar ou adiantar esse prazo. Por outro lado, há algumas coisas que podem ser feitas antecipadamente e já estão acontecendo, como preparar a planta e a capacidade de produção da matéria-prima.

O plano de investimentos para a fabricação da vacina já foi enviado pelo Butantan?
Nenhum país do mundo estava preparado para uma situação de emergência dessa magnitude. Não existe uma preparação prévia do orçamento anual para investir milhões em uma pandemia porque é algo totalmente inesperado. A gente faz uma aproximação do custo baseada em experiências prévias e tem uma ideia de quanto pode custar. A partir disso, começamos a fazer uma estruturação do custo e procurar diferentes formas de financiamento. O problema é que não é tão fácil.

Existem restrições quando se fala em dinheiro público. Por exemplo, se o Ministério da Ciência e Tecnologia quiser lançar um edital, há um processo que demora, então algumas respostas vão aparecer mais devagar, outras conseguem ser mais rápidas nessa estruturação. A gente está tentando não adiar nenhum processo por conta disso. O que posso dizer é que, até agora, nós recebemos um apoio muito grande e temos recursos razoáveis para poder começar tranquilamente. Seguramente, o resto da estruturação vai acontecendo ao longo do tempo.

De onde vai partir esse financiamento?
Existem fontes próprias da Fundação Butantan que podem ser usadas para começar as atividades. Temos o apoio da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e uma resposta muito favorável do setor privado que tem se posicionado e nos procurado para saber como colaborar. Também tem entidades como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que está estruturando formas de colaborar.

O acordo firmado garante a fabricação da vacina no Brasil?
Sim. Esse acordo geral existe e a gente já está trabalhando nos detalhes de como isso vai ser feito em acordos mais específicos. Começa com o processo de transferência de tecnologia que também tem fases. A primeira é receber a matéria-prima deles para ter o produto acabado e, finalmente, produzir a matéria-prima aqui no Brasil. A gente tem que aprender exatamente como ela é produzida para tentar imitar o processo do jeito que deve ser para que o produto seja feito da mesma forma.

A parceria com o Sinovac Biotech contribui para que o Brasil seja um dos primeiros países a imunizar a população com a vacina?
Em relação aos outros países, com certeza. No caso do Butantan, nós temos a possibilidade de registrar (a imunização) na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) porque o instituto tem experiência fazendo registros. Isso nos dá uma vantagem muito grande em comparação a uma universidade, por exemplo. Ela não consegue fazer o registro porque não é um lugar de produção e distribuição de produto farmacêutico e isso faz diferença quando um país negocia através de um laboratório público.

Vou dar como exemplo o Chile (em negociações com a Sinovac). O fato de fazer o estudo não garante que ele terá como distribuir a vacina porque o país não tem planta de produção de vacinas. No caso chileno, tem que ser feito um outro acordo, que é um pouco mais complicado.

A CoronaVac será distribuída para a população de graça, pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?
Sim. O Butantan é um produtor público, com foco no mercado público de saúde. O SUS é o nosso cliente, então esse é o cenário natural. Nós não temos comercialização no setor privado, então todo o nosso produto é fundamentalmente distribuído pelos Programas Nacionais de Imunização (PNIs) em todos os postos de saúde.

O Brasil também poderá importar vacinas prontas fabricadas na China?
A ideia é que a produção brasileira consiga suprir as necessidades do SUS sem precisar de importação. O Butantan tem uma experiência muito ampla nesse campo de transferência de tecnologia com vários parceiros internacionais, mas a gente nunca deixa uma opção fechada.

Por mais que a gente tenha uma produção enorme, sempre deixamos uma margem para importar uma pequena quantidade de vacinas da companhia que transferiu a tecnologia porque, se dá algum problema, a gente tem a opção de trazer a vacina. Isso é uma precaução a mais para impedir que exista desabastecimento.

O que fez com que o Brasil fosse escolhido pelo laboratório Sinovac Biotech para realizar parte dos testes?
Existem conversas com vários países. A questão que talvez tenha sido um diferencial para o Brasil é que, infelizmente, nós temos uma transmissão importante do novo coronavírus entre as pessoas, o que é o cenário ideal para saber se uma vacina protege.

Outra característica fundamental é a experiência que o Brasil tem em fazer pesquisa clínica. Nós conseguimos fazer muito mais rápido do que outros países. A Sinovac pode estar conversando com outros países e fazer diferentes estudos em parceria com eles. A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) estava tendo conversas com a Sinovac para incorporar (a vacina) em um estudo maior, mas o Brasil conseguiu responder muito mais rápido, em parte por essa experiência.

A posição do Brasil neste caso e, em particular Butantan e Sinovac, fez com que a gente fizesse um acordo de desenvolvimento conjunto, como em uma corrida de revezamento. A gente está recebendo (a pesquisa) até certo ponto; está construindo todo outro (caminho) para depois chegar à conclusão. Um sozinho não consegue. É uma equipe que está se formando para todos chegarmos na meta.

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Quando começam os testes com voluntários brasileiros?
Estamos trabalhando intensamente para que comece em julho. O número aproximado de voluntários que a gente apresentou é ao redor de 9 mil, mas pode variar conforme alguma exigência da Anvisa, o que é normal dentro de qualquer processo.

Essas são discussões que o Butantan está tendo ativamente com a Anvisa para elaborar o plano de como esses testes serão realizados, por isso estamos evitando dar muitos detalhes e criar uma expectativa antes do tempo.

Como será a fase 3 no Butantan?   
Normalmente se usa um sistema para selecionar as pessoas de forma aleatória para receber a vacina ou o controle – que pode ser outra vacina ou placebo, uma substância sem nenhum componente ativo – e aí a gente faz a comparação.

Essas pessoas são acompanhadas ao longo do tempo. Eventualmente, elas podem adoecer com a exposição natural ao coronavírus. Nós comparamos quantas pessoas apresentaram a Covid-19 entre aquelas vacinadas e as que receberam o placebo. O que a gente espera é que a maior parte dos casos esteja entre o grupo que recebeu placebo e, praticamente, nenhum ou pouquíssimos no grupo que recebeu a vacina. Se acontecer assim, o método demonstrará que conseguiu proteger.

Essa etapa é segura para os voluntários brasileiros?
O maior risco no estudo de desenvolvimento de uma vacina é quando ela é testada pela primeira vez em um ser humano (no início da fase 2) porque antes as experimentações eram feitas só em animais. É de praxe que esse risco aconteça no lugar de origem da vacina e ele aconteceu na China. Quando uma vacina chega na fase 3, nós já conhecemos muito sobre ela, sua segurança e a resposta imune que gera. Então, a CoronaVac é uma vacina que chega em uma condição muito mais tranquila. Temos uma grande quantidade de informações sobre ela.

Quando teremos os primeiros resultados?
Algumas previsões mais otimistas indicam que ao final do ano já tenhamos alguns dados, mas isso é difícil de dar uma certeza.

Pode ser que algumas etapas de produção sejam feitas antecipadamente, antes mesmo de termos todos os resultados. Conforme os resultados preliminares forem muito promissores, a gente pode tomar a decisão de fazer alguma etapa de produção antecipadamente. São diferentes cenários que trabalhamos para poder avançar esse passo.

Toda a população será imunizada dentro da estimativa de julho de 2021?
Vacinas em geral são distribuídas gradualmente. As pessoas que têm mais risco serão priorizadas, as com menor risco talvez vão ficar mais atrás na fila. A gente vai produzindo gradualmente.

Caso a vacina não seja aprovada, o investimento será perdido?
O tipo de tecnologia utilizada é a mesma para outras vacinas. No pior dos casos, se essa vacina não der certo –o que é improvável pelos dados que vimos –, esse investimento em uma planta de produção ainda pode ser aproveitado para produzir outras vacinas necessárias para o SUS ou para outra vacina do coronavírus que esteja em um estágio mais precoce e que consiga avançar. Então não é um investimento perdido e dá uma certa tranquilidade.

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