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“Se Brasília não quer Niemeyer, não vou insistir”, diz neta do arquiteto

Ao Metrópoles, presidente da fundação que leva o nome do avô comentou sobre a polêmica que envolve o espaço dedicado a Oscar Niemeyer

atualizado

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Vinícius Santa Rosa / Metrópoles
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1 de 1 Ana-Lúcia-Niemeyer-2 - Foto: Vinícius Santa Rosa / Metrópoles

Desde que a Secretaria de Cultura e Economia Criativa decidiu reabrir o Espaço Oscar Niemeyer sem as obras do arquiteto, a socióloga Ana Lúcia Niemeyer (foto em destaque) – neta de Oscar – preferiu se manter em silêncio. A decisão não representa omissão, segundo ela, mas uma postura de serenidade para acompanhar os desdobramentos dos fatos.

Nesta quinta-feira (29/08/2019), contudo, a presidente da fundação que leva o nome do avô decidiu quebrar a promessa e conversar com o Metrópoles. A reportagem revelou a decisão do Governo do Distrito Federal (GDF) de romper a tradição do local, destinado a abrigar as memórias de um dos principais nomes da criação de Brasília e da arquitetura moderna mundial, para exibir mostra do artista goiano Siron Franco.

A mudança de posicionamento de Ana Lúcia ocorre um dia após o secretário-executivo de Cultura, Cristiano Vasconcelos, acusar a Fundação Oscar Niemeyer de ter sucateado o local, além de dizer que desconhece documentos que comprovariam que o prédio foi construído e doado ao GDF para abrigar a história do arquiteto (veja vídeo abaixo).

As polêmicas foram registradas durante audiência pública da Câmara Legislativa (CLDF) presidida pelo deputado distrital Leandro Grass (Rede), autor da representação no Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) contra a decisão da Secretaria de Cultura do DF.

Mesmo com temperamento pacífico – muitos até o associam com o do avô materno –, Ana Lúcia Niemeyer decidiu contestar as críticas disparadas pelo representante do GDF. Durante pouco mais de 20 minutos de conversa com a coluna, ela explicou não ter interesse de partir para o embate com o Palácio do Buriti, mas sim de esclarecer fatos históricos “inquestionáveis”, como o da concepção original do espaço. Ela ainda comentou sobre o impasse de desembarcar o acervo em Brasília ou mantê-lo no Rio de Janeiro, onde está disponibilizado atualmente.

De acordo com Ana Lúcia, são 10 mil documentos arquitetônicos, como plantas, croquis, desenhos técnicos, 30 metros de documentação textual, 8 mil fotografias, além de peças museológicas constituídas de mobiliário, esculturas, maquetes e prêmios. Todo o material da entidade é certificado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como patrimônio mundial.

“O maior objetivo da fundação é com quem tem interesse de conhecer a história da cidade. Não é uma vaidade para homenagear o criador de Brasília, mas um local para oferecer à população do Distrito Federal e seus visitantes um complemento à experiência com a obra arquitetônica da capital, apoiando atividades turísticas e de educação patrimonial. Não é uma questão familiar, nunca foi. Desde que criamos a fundação, nossa maior meta foi cuidar desse patrimônio histórico. Mas não tenho outra alternativa: se Brasília não quer Niemeyer, não sou eu que vou insistir”, afirmou.

Veja o vídeo do secretário sobre a fundação:

Brasília ou Rio?

Segundo a presidente da fundação, o Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Especial de Cultura, tenta abrigar as obras no Palácio Gustavo Capanema, marco da arquitetura moderna localizado no Centro do Rio de Janeiro. O prédio leva a assinatura de Niemeyer em conjunto com Lucio Costa, Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos e Jorge Machado Moreira, além da consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier.

A investida é pelo fato da realização do Congresso Mundial de Arquitetura em 2020 no Rio de Janeiro, onde cerca de 20 mil profissionais de todo o mundo são esperados. “É um acervo muito rico. Nossa expectativa seria implantar a exposição permanente em Brasília para que a capital entre no circuito e atraia esses turistas para cá. Seria uma forma de colaborar com a Secretaria de Turismo, com iniciativas que levem à inclusão de Brasília no calendário nacional”, sustentou Ana Lúcia.

A neta de Niemeyer sonha em ver, não apenas no local que leva o nome do avô, mas também na Biblioteca Nacional de Brasília (BNB) – outro projeto dele –, uma mostra mais detalhada sobre a vida e obra do arquiteto. “Sugerimos nas últimas semanas, ao Governo do Distrito Federal, a ideia de a fundação instalar-se na Biblioteca Nacional com parte significativa do que temos sob nossos cuidados”, disse.

Ainda de acordo com Ana Lúcia, “Teríamos, neste espaço, a guarda do acervo e uma exposição dedicada a um público de profissionais, estudantes e pesquisadores de arquitetura e atividades afins. Acreditamos ainda que a biblioteca da Fundação Oscar Niemeyer, especializada em arquitetura, possa ser um embrião para a Biblioteca Nacional formar um dos principais acervos da América Latina com esta temática”.

“É um plano mais ambicioso, para participar das iniciativas relacionadas à comemoração dos 60 anos da capital, consolidando a presença da instituição na cidade e contribuindo para a divulgação do legado de Niemeyer”, acrescenta.

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Pendências

Sobre o Espaço Niemeyer, a presidente da fundação afirmou que tenta achar uma solução para o impasse. “Temos uma proposta de levar para lá uma exposição moderna, lúdica, atraente e divertida para o público jovem e para o turista, com tecnologias inovadoras apresentando conteúdo interativo através de realidade aumentada, imersão 360 graus e games diversos. Sendo detentora dos direitos autorais do arquiteto e responsável pelo gerenciamento de sua obra e imagem, a fundação entende ser indispensável a participação nesta iniciativa.”

Contudo, no que depender das sinalizações do governo local, as ideias da neta do criador podem ser adiadas. O GDF sustenta que há pendências da fundação com o poder público, o que inviabilizaria qualquer tipo de convênio. Para Ana Lúcia, no entanto, não há problema financeiro algum e, caso tenha sido identificado outro tipo de empecilho, a fundação nunca foi notificada.

“O que eu preciso deixar claro é que, para montar uma exposição da Fundação Oscar Niemeyer, nunca foi necessário firmar convênio. Se houvesse algum tipo de interesse, buscaríamos outras modalidades, até mesmo como o empréstimo. Mas nunca houve essa procura”, argumenta.

A representante do legado arquitetônico do ícone de Brasília afirma que tenta, há 10 dias, ser recebida pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), uma vez que não conseguiu diálogo na área cultural. Na pauta, ela pretende esclarecer que não foi culpada pelas infiltrações que levaram ao fechamento do espaço, e que mantém a Fundação Oscar Niemeyer à disposição da população do DF. “O que quero é levar para ele [o governador] essa preciosidade que temos em história e em documentos para oferecer aos brasilienses e aos brasileiros. Mas, infelizmente, ainda dependo do sim.”

“Mal-entendido”

Já o secretário de Cultura, Adão Cândido, explicou ter se tratado de um “mal-entendido”. Segundo o titular da pasta, não houve intenção do Palácio do Buriti de retirar a homenagem do espaço ao principal arquiteto da capital, diferentemente do alegado pelo seu secretário-executivo. “O que acontece é que nos foi oferecido o precioso acervo de Niemeyer, mas questões burocráticas, infelizmente, não nos permitiram receber imediatamente, principalmente pela importância histórica e o cuidado que merecem ter. Isso não significa que o espaço não homenageará Oscar Niemeyer, pelo contrário”, destacou.

O titular da pasta também adiantou que acolheu a proposta de exposição na Biblioteca Nacional de Brasília, contudo o equipamento ainda passa por reformas e reparos – e, por esse fato, não poderá, por enquanto, receber mostras sobre o arquiteto. “Estamos trabalhando para resolver isso.”

De acordo com Adão Cândido, o seu substituto “se exaltou” ao direcionar ataques à Fundação Oscar Niemeyer e pedirá que o auxiliar se retrate publicamente. “Ele não tinha procuração e autonomia para chegar a esse ponto de debate. Se ocorreu, isso terá de ser corrigido”, frisou.

“Centro de exposições”

Fechado há seis anos pela falta de manutenção para abrigar o acervo em homenagem ao principal arquiteto de Brasília, o Espaço Oscar Niemeyer foi reaberto no último sábado (24/08/2019). Segundo o GDF, a reforma do Espaço Oscar Niemeyer durou cinco anos e custou cerca de R$ 1 milhão aos cofres públicos.

Com a reabertura, o local passará a servir “como espaço expositivo e será dirigido por Charles Cosac, que também está à frente do Museu Nacional da República”. O equipamento foi reaberto com a exposição Césio 137, do artista plástico Siron Franco.

Quando questionado pela coluna sobre o tema, o secretário-executivo de Cultura e Economia, Cristiano Vasconcelos, confirmou que a concepção do espaço foi para homenagear o arquiteto, mas informou que o convênio com a Fundação Oscar Niemeyer expirou em 2013. De acordo com o representante da pasta, desde então, não houve a possibilidade de renovar o acordo, visto que “as contas da entidade foram reprovadas” para administrar o espaço.

Vasconcelos aponta que houve “irresponsabilidade” de antigos gestores com a manutenção do patrimônio tombado. “A situação do local estava deprimente. O governo reassumiu o espaço e, desde então, melhorias têm sido feitas para a reabertura”, afirmou.

O secretário-executivo não vê problema no fato de a reinauguração do cartão-postal não contar com homenagem ao arquiteto com mais obras públicas da cidade. “O que não podemos permitir é o Espaço Niemeyer ficar largado como estava. O que o governo fez foi revitalizar um local que é público e estava ocioso.”

O impasse levou o deputado Leandro Grass a acionar o TCDF a fim de tentar barrar a iniciativa do secretário-executivo de Cultura e Economia Criativa, Cristiano Vasconcelos, que criticou a investida e a classificou como “judicialização” de políticas públicas.

À reportagem, o Tribunal de Contas do DF informou que as representações protocoladas recebem um número para começar a tramitação. “Caso a representação seja conhecida pelo Plenário, inicia-se a análise de mérito, ou seja, se as alegações contidas na representação procedem ou não e se há necessidade de determinar alguma medida.” A Corte, contudo, não informou o prazo para a análise do mérito do pedido.

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