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O mundo não vai esperar por nós (Por Marcos Magalhães)

Poucos países estariam mais bem posicionados para se qualificar a financiamentos com prioridades ambientais como o Brasil

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Boris Johnson e Joe Biden
1 de 1 Boris Johnson e Joe Biden - Foto: @POTUS/Twitter

Enquanto se discute quantos motoqueiros prestigiaram a passeata motorizada promovida por Jair Bolsonaro em São Paulo, ao melhor estilo italiano dos anos 30, o mundo continua a se movimentar – de outras maneiras. Dois eventos ocorridos neste mês de junho mostram como se definem as linhas básicas de um novo cenário internacional pós-pandemia.

O primeiro deles foi em Moscou. No dia 5, o presidente chinês Xi Jinping chegou à capital russa para uma visita oficial de três dias. Logo no primeiro dia, teve dois gestos simbólicos: emprestou dois ursos panda ao zoológico de Moscou e chamou o colega Vladimir Putin de “melhor amigo”.

O segundo foi na Baía de Carbis, na Cornuália, onde o presidente americano Joe Biden chegou no dia 11 para um encontro com os demais líderes do G-7, conhecido como o grupo dos países mais ricos do Ocidente. Ali, naquela vila de 3500 pessoas cercada por florestas e praias tranquilas, ele tinha como principal missão reaproximar-se dos antigos aliados europeus.

Os dois encontros, separados por seis dias e 3300 quilômetros, refletem, de um lado, a disposição de Biden de lançar pontes em direção a aliados depois de quatro anos de turbulências durante a administração de Donald Trump. E de construir, conjuntamente com esses aliados, uma resposta à expansão da China.

De outro lado, o fortalecimento da aliança entre Pequim e Moscou. As duas capitais têm seus motivos para promover uma resposta conjunta ao Ocidente. A primeira, por perceber os movimentos iniciais de Biden para limitar sua influência. A segunda, por sofrer as consequências de represálias econômicas desde a invasão da Crimeia, há sete anos.

Amigas

As “melhores amigas”, Rússia e China, se aproximam cada vez mais politicamente. Mas não só. A proximidade de suas lideranças tem permitido um grande salto nas relações econômicas entre as duas potências – que, não custa lembrar, participam juntamente com o Brasil do Brics, juntamente com Índia e África do Sul.

Poucos dias antes da visita a Moscou, Xi e Putin participaram, de forma virtual, de cerimônia de lançamento de uma parceria que vai permitir a construção, na China, de quatro usinas nucleares com tecnologia russa. Uma forma de ampliar a autonomia energética do país, enquanto fortalece a cooperação tecnológica com um país considerado aliado.

Outro passo recente em direção a essa cooperação tecnológica foi a assinatura de uma carta de intenções para colaboração em pesquisa espacial, que pode envolver a construção de uma base conjunta na Lua até o final de década.

Durante a visita do colega chinês, Putin anunciou ainda a intenção de dobrar, até 2024, o comércio bilateral, atualmente na casa dos US$ 100 bilhões anuais. Ao mesmo tempo, grupos russos e chineses de telecomunicações, internet e comércio eletrônico – como Alibaba, Mail.Ru, MTS e Huawei – firmaram acordos de atuação conjunta.

Aliança

Também tem forte conotação política a viagem de Biden à Europa – inicialmente para o encontro do G-7, mas igualmente para reuniões com dirigentes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia. Reflete a intenção do novo presidente americano de reduzir as tensões impostas por Trump às relações com os europeus.

Porém, assim como no caso da aproximação entre Xi e Putin, também há aqui um importante ingrediente econômico. Pouco antes de sua viagem à Europa, Biden obteve do Senado a aprovação de um pacote de US$ 250 bilhões destinados a investimentos em tecnologia e na capacidade industrial do país para ampliar a competitividade diante da China.

O pacote faz parte de uma iniciativa mais ampla, chamada Building Back Better (B3), ou Reconstruindo Melhor, em tradução livre. Ela envolve investimentos em rodovias, ferrovias, redes elétricas e internet de banda larga. E está em discussão no Congresso americano.

Agora, em seu encontro com os demais líderes do G-7, Biden apresentou uma versão ampliada de sua iniciativa, a B3 Mundo (B3W, na sigla em inglês).

Trata-se, segundo o governo norte-americano, de um plano conjunto das sete economias para ajudar a suprir as carências de infraestrutura do mundo em desenvolvimento, calculadas em aproximadamente US$ 40 trilhões.

Por meio do B3W, segundo comunicado divulgado pela Casa Branca, os países do G-7 e outros parceiros com propostas semelhantes vão coordenar esforços para mobilizar capital privado para atuar em quatro áreas: clima, saúde, tecnologia digital e equidade de gênero. Tudo com investimentos “catalíticos” das agências financeiras de desenvolvimento desses países.

“O B3W terá escopo global, da América Latina e do Caribe à África e ao Indo-Pacífico”, descreve comunicado da Casa Branca. “Diferentes parceiros do G-7 terão diferentes orientações geográficas, mas a soma da iniciativa vai cobrir países de renda baixa e média ao redor do mundo”.

Seda

A iniciativa logo foi interpretada como uma resposta ocidental a um dos maiores programas chineses de cooperação econômica internacional – a Nova Rota da Seda. Lançada em 2013 por Xi Jinping, a iniciativa é considerada um dos maiores programas de infraestrutura da história mundial. E de expansão da influência chinesa, claro.

Os investimentos destinam-se, principalmente, a construir caminhos seguros – terrestres e marítimos – entre a Ásia e a Europa, dentro do que se pode chamar de Eurásia. Mas já alcançaram ou pretendem alcançar 138 países nessas duas regiões, mas também na África e na América Latina.

O programa desenvolvido por Pequim se chama Belt and Road Initiative, ou Iniciativa do Cinturão e da Rota. Pois a proposta apresentada na reunião da Cornuália recebeu de assessores do anfitrião do encontro, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, o apelido de Green Belt and Road Initiative. Um “verde” que faria toda a diferença, aos olhos de seus idealizadores.

Segundo relato do jornal londrino Financial Times, Johnson pretende enfatizar o apoio a iniciativas ambientalmente sustentáveis e demonstra preocupação com a intenção norte-americana de apresentar o plano como um esforço anti-China. Integrantes do governo britânico citados pelo jornal querem que o G-7 mostre “aquilo que está a favor, não o que está contra”.

Dessa forma, o B3W deve garantir acesso mais fácil a financiamento de projetos de baixo carbono, como ferrovias e usinas eólicas.

Potencial

Poucos países estariam mais bem posicionados para se qualificar a financiamentos com prioridades ambientais como o Brasil. Existe enorme espaço por aqui não só para a construção de ferrovias como para a construção de usinas solares e eólicas. O país estaria também em boa situação para buscar financiamentos da Iniciativa do Cinturão e da Rota junto à China, seu maior parceiro comercial.

Ou seja, o Brasil não é obrigado a escolher um lado nessa grande disputa política e econômica que se desenha para a era pós-pandemia. Ao contrário, pode se apresentar como parceiro igualmente a países ocidentais e à China.

Para isso, inicialmente, precisa aparar arestas. Desde a posse de Bolsonaro, o país já teve conflitos com a União Europeia, por causa da questão ambiental, e com a China, a partir de declarações pouco amistosas de Bolsonaro sobre a origem da Covid 19. O presidente também criou problemas com Biden, por manter até o fim seu compromisso com o aliado Trump.

Em seguida, o Brasil precisa definir muito bem projetos para os quais poderia vir a buscar apoio internacional, em um momento de reconstrução da economia mundial. O atual governo parece ter como único objetivo a reeleição. A oposição, por sua vez, deve apresentar logo ao país uma nova agenda de desenvolvimento. O mundo não vai esperar por nós.

Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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