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O agrotóxico rebatizado (por Emiliano Lobo de Godoi)

Agrotóxicos são, e sempre serão, agrotóxicos. Não se pode ocultar a natureza tóxica desses produtos

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Agrotóxico
1 de 1 Agrotóxico - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

No século passado, a partir da década de 60, o Brasil iniciou um período de grandes mudanças em suas atividades agrícolas, com a implementação de novas técnicas agronômicas, o fortalecimento do setor industrial, a instalação de fábricas de implementos agrícolas, sementes modificadas e agrotóxicos.

Tais alterações elevaram o país a um dos principais produtores de alimentos no planeta. Atualmente, o agronegócio, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), representa 26,1% do PIB brasileiro.

Com a atual legislação foram liberados o registro de 493 produtos em 2020, 4% mais do que em 2019. Estes registros vêm crescendo ano a ano no país desde 2016 e, o número registrado em 2020 é o maior verificado pelo Ministério da Agricultura desde 2000.

No entanto, legislação nova proposta em 2022 e aprovada em fevereiro deste ano pela Câmara, que seguirá ainda para o Senado promove uma grande flexibilização nos processos de pesquisa, experimentação, classificação, registro, produção, comercialização e fiscalização de agrotóxicos.

Propõe ainda a diminuição dos poderes dos órgãos da saúde e do meio ambiente, bem como a suavização da classificação de produtos que são nocivos, justamente, à saúde humana e ao meio ambiente. Com isso, propõe uma concentração exclusiva do poder decisório ao Ministério da Agricultura, que será o único órgão que poderá aplicar penalidades e auditar empresas e institutos de pesquisa.

O atual sistema de análise tripartite permite uma análise muito mais ampla dos efeitos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente. Fragilizar essa análise favorece a sobreposição de interesses privados ao interesse público.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de sete milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais são registrados por ano em países em desenvolvimento. E o Ministério da Saúde estima que, para cada caso notificado, existam outros 50 não notificados.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) adverte que a exposição aos agrotóxicos pode causar uma série de doenças, dependendo do produto que foi utilizado, do tempo de exposição e quantidade de produto absorvido pelo organismo. Podemos facilitar o registro de produtos com esse grau de risco? Deixar a Anvisa agir apenas como um órgão consultivo é acreditar demais na boa fé humana.

Extrapolando em seu poder criativo, a legislação aprovada na Câmara vai além e propõe alterações de nomenclaturas, suavizando com a substituição seus efeitos.

Primeiro, a substituição da palavra agrotóxico para pesticidas. Não se muda o propósito de um produto alterando apenas seu nome. Sua digital continuará a mesma. Seus princípios ativos são os mesmos. Agrotóxicos são, e sempre serão, agrotóxicos. Não se pode ocultar a natureza tóxica desses produtos.

O termo tem origem no grego, ágros (campo) e toxicon (veneno). Além disso, “agrotóxico” é a nomenclatura utilizada em nossa Constituição de 1988. Teremos um mesmo produto com nomes diferentes em lei que se sobrepõe ao texto constitucional.

Segundo, quando usados em florestas e em ambientes hídricos, os agrotóxicos passam a ser chamados de “produtos de controle ambiental”. Este termo é vago e tendencioso. Quem e o que está sendo “controlado” por esses produtos? Por que mais um nome se o propósito é o mesmo?

Muitas vezes, grandes e importantes discussões são feitas sobre consumo consciente e ações para estimular o uso de sacolas biodegradáveis. Porém, nos esquecemos de avaliar se os produtos que estão dentro das sacolas, biodegradáveis ou não, estão contaminados por algum tipo de veneno.

É fundamental que a sociedade fique atenta ao que coloca em sua mesa e em seu corpo. Toda a população está suscetível a exposições múltiplas de agrotóxicos, por meio de consumo de alimentos e água contaminados. Podem ocorrer importantes alterações metabólicas, imunológicas ou hormonais.

Por tudo isso, devemos olhar com mais rigor as propostas de mudanças na lei de agrotóxicos e entender quem ganhará com isso.

 

Emiliano Lobo de Godoi é Diretor Geral de Extensão e coordenador do Programa Sustentável da Universidade Federal de Goiás; https://capitalpolitico.com/

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