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A sinuca da ingovernabilidade (por Alon Feuerwerker)

O experimento político brasileiro cria um modelo único no mundo que criminaliza oferecer ao parlamentar algum mecanismo de compensação

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Igo Estrela/Metrópoles
sessão de posse dos presidentes do Senado e Câmara do Deputados, no Congresso Nacional 3
1 de 1 sessão de posse dos presidentes do Senado e Câmara do Deputados, no Congresso Nacional 3 - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Todo sistema político estável supõe mecanismos eficazes de disciplinamento do partido, ou partidos, que sustentam o governo. E a regra essencial é o detentor principal de poder deter também grande influência sobre as possibilidades de reprodução do poder de quem lhe dá sustentação. De vez em quando isso se dá com o predomínio da força. No AI-5, o presidente da República podia cassar mandatos. Era sem dúvida um forte instrumento de persuasão.

Em modelos baseados no voto distrital, parlamentaristas ou presidencialistas, o detentor de mandato legislativo costuma equilibrar-se entre a fidelidade ao líder, aos militantes partidários do distrito e ao eleitorado dali. Um exemplo didático são os Estados Unidos. Se o deputado ou senador não dosar bem essas variáveis, corre risco real de ser, inclusive, derrotado nas primárias partidárias da eleição seguinte, e aí não poder nem disputar a recondução.

De vez em quando fica complicado, porque o presidente da República (ou o primeiro-ministro no parlamentarismo) pode querer muito uma coisa que os eleitores do distrito não querem. Um exemplo do momento são governantes que buscam conter fortemente o uso de carvão, no âmbito das iniciativas contra as mudanças climáticas, mas enfrentam a resistência de correligionários eleitos por distritos cuja economia se baseia exatamente nisso.

Nenhum mecanismo de disciplinamento é infalível, mas há os melhores e os piores. Nesse ponto, o Brasil parece esmerar-se na construção de um sistema político em que o Executivo terminará por não dispor de nenhum mecanismo ao mesmo tempo eficiente e aceitável para disciplinar a maioria do Congresso Nacional. É disso também que nasce o crescente e pelo visto irrefreável protagonismo do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal.

Um mecanismo de disciplinamento provado na vida prática é distribuir ministérios aos partidos que apoiam o governo e exigir desses partidos fidelidade nas votações do Congresso. Mas as décadas recentes assistiram à degradação e criminalização dessa prática, que acabou plasmada na consciência coletiva como sinônimo de corrupção. Interessa menos aqui discutir se essa visão é “justa”. Para a política, o que vale é a maneira como a opinião média a enxerga.

E há a agravante do grande número de partidos a satisfazer.

Outro mecanismo é garantir a prevalência dos parlamentares governistas na execução de recursos orçamentários destinados a suas bases eleitorais. Isso também vem sendo crescentemente mal visto, pelas mesmas razões do “loteamento” de cargos. Mas há aí um complicador adicional: o orçamento impositivo, que obriga o governo a pagar parte das emendas parlamentares e na prática dificulta deixar de executar despesas introduzidas no orçamento por quem não lhe dá apoio.

O experimento político brasileiro vem tentando criar um modelo único no mundo, em que se criminaliza oferecer ao parlamentar algum mecanismo de compensação que o faça votar em medidas impopulares, ou simplesmente condenadas pela chamada opinião pública. E governos precisam o tempo todo adotar medidas assim. O resultado: 1) teratomas como os bilhões de reais destinados às “emendas de relator” e 2) a ingovernabilidade que mesmo assim avança.

Há alguns caminhos para sair da sinuca. Um, que na teoria resolveria, seria implantar o voto distrital, puro ou misto, em um ou dois turnos, limitar drasticamente o número de partidos por meio de uma duríssima cláusula de desempenho e tornar obrigatórias as primárias partidárias para indicação de candidatos a todos os cargos. Ah, sim: e impor que partidos só poderão lançar candidatos ou participar em coligação onde tiverem feito convenção.

Há outros, mas nenhum indolor. Todos, para ser aplicados aqui, demandariam uma ruptura com o atual desenho, trazido pelos constituintes de 1988.

 

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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