A convenção da dissenção (por Ricardo Guedes)
As prévias do PSDB servem mais ao propósito de apontar quem vai ser o candidato, no caso o vencedor, e dos que não vão apoiar o vencedor
atualizado
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As prévias do PSDB nada mais trouxeram do que a maior fragmentação do partido, se não o seu ocaso, nos moldes do PMDB, hoje como partido do Centrão, com bancada federal e representações regionais, sem uma linha programática. Em prévias com menos de 4% dos afiliados, os resultados podem representar mais a articulação política do que a representatividade.
Nos Estados Unidos, as primárias provêm de sólida tradição democrática, em que o voto leva ao consenso da união em torno do vencedor. Foi assim com Obama e Hillary nas primárias de 2008, com Trump e Ted Cruz em 2016, com Biden e Bernie Sanders em 2020. O voto indica o candidato, em uma linha programática dentro de certos limites, em torno do qual o partido seguirá unido nas eleições.
No Brasil, inexiste a solução democrática de que o vencedor seja o líder dos demais contendentes, na prevalência dos projetos pessoais sobre a linha programática dos partidos. No Brasil, os melhores resultados são os obtidos por negociação e consenso dentro dos partidos. Foi assim com Tancredo e Sarney na transição democrática, com Fernando Henrique em 1994, com Lula em 2002. As prévias do PSDB hoje servem mais ao propósito de apontar quem vai ser o candidato, no caso o vencedor, e dos que não vão apoiar o vencedor, no caso os vencidos, que podem mesmo vir a sair do partido, na busca da candidatura própria em detrimento de candidatura programática.
Simon Schwartzman, em São Paulo e o Estado Nacional, fala sobre a importação de modelos no país, por vezes desassociados dos valores e da negociação entre os grupos, o que ele chama de esquizofrenia das instituições políticas brasileiras. Nas prévias do PSDB, sob o pressuposto da democracia, obtém-se a dissenção. A importação de modelos em base inversa à nossa cultura gera o efeito oposto do pretendido. É o que, no dito popular, chama-se de “o tiro saiu pela culatra”.
Outro exemplo interessante no país é a discussão equivocada sobre o receituário da economia de mercado. Arthur Stinchcombe diz que o mercado existe em todas as culturas, dentro dos limites de cada cultura. Transportar, entretanto, o preceito da economia liberal, motora das histórias da Inglaterra e dos Estados Unidos no conceito de Adam Smith e outros autores, não funciona para o Brasil. O Brasil provém de uma tradição patrimonial, no conceito de Max Weber, em que grupos se apropriam do Estado em benefício próprio. Como pode, por exemplo, o setor de desburocratização ser parte da estrutura do governo, dentro de um Estado burocrático e centralizador, com o objetivo do poder e controle social? Deixar de unir no Brasil o conceito de economia de mercado a políticas Keynesianas, adaptadas àquilo que podemos, como hoje é feito em todo o mundo, é um erro crasso em nosso país.
Triste o quadro partidário brasileiro, disforme e sem representatividade, com os dirigentes dos partidos disputando poder sem linha programática.
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus