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Risco compartilhado: projeto quer mudar inclusão de remédios no SUS

Proposta de lei pretende que União e farmacêuticas dividam custo de medicamentos para doenças raras que ainda não tenham estudos suficientes

Arte/Metrópoles
pílula de remédio e sinais de dinheiro
1 de 1 pílula de remédio e sinais de dinheiro - Foto: Arte/Metrópoles

atualizado

Uma das principais dificuldades dos pacientes que buscam, no Sistema Único de Saúde (SUS), tratamento contra doenças raras consiste em ter acesso aos “medicamentos órfãos”, como são conhecidos os remédios feitos para controlar condições com baixa incidência na população.

Por terem uma tecnologia específica e serem ofertados a poucas pessoas, os produtos são bastante caros. O fármaco para tratar a Atrofia Muscular Espinhal (AME), por exemplo, custa cerca de R$ 1,8 milhão no primeiro ano e, depois disso, precisa ser administrado a cada quatro meses (cada dose custa R$ 145 mil), de forma vitalícia.

Em vários casos, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), responsável por discutir a incorporação de medicamentos no SUS, recusa o tratamento. O órgão alega que não há dados suficientes sobre a eficácia do remédio que justifiquem a compra pelo Ministério da Saúde ou que não existem pesquisas sobre o fármaco realizadas na população brasileira.

A dificuldade dos desenvolvedores está justamente em reunir informações sobre medicamentos que são destinados a um público restrito. Nessa conjuntura, não costumam ser feitos estudos em larga escala, tampouco de “mundo real” entre a população brasileira.

Divisão de custos

Para resolver essa batalha de argumentos entre o governo e a indústria, o Projeto de Lei nº 667/2021, conhecido como PL do Risco Compartilhado, propõe que as duas partes dividam o custo de novas tecnologias que ainda não tenham estudos clínicos considerados suficientes pelo Ministério da Saúde.

A ideia do risco compartilhado é oferecer o tratamento aos pacientes e, ao mesmo tempo, coletar dados de pesquisa que justifiquem, ou não, a incorporação do medicamento ao SUS. A União arcaria com as despesas e receberia o reembolso da empresa, caso os resultados fossem os esperados; do contrário, o governo federal pagaria uma parte da assistência farmacológica e a suspenderia.

Uma das alternativas aventadas seria o SUS pagar o tratamento com preço cheio, por um prazo estipulado, e receber um desconto após esse período. Outra opção consiste na possibilidade de a indústria custear o início do procedimento e, se ele apresentar bons resultados, o governo assumir o pagamento restante.

O PL é de autoria do deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE). Em entrevista ao Metrópoles, o parlamentar explica que o modelo já é utilizado em outros países, e que a proposta brasileira surgiu a partir da luta dos pacientes com AME – alguns precisam do Zolgensma, um medicamento que ficou conhecido como o mais caro do mundo e pode chegar a custar R$ 12 milhões.

“Eu nem imaginava que existia um remédio tão caro e de tão pouco acesso para as crianças diagnosticadas. Fizemos uma pesquisa, e vimos que essa questão do compartilhamento de risco já é usada em outros países. Entendo que há uma forma adequada para implementar no Brasil”, conta.

O PL está em tramitação na Câmara, e o deputado está confiante na aprovação. Ele ressalta que a iniciativa tem o objetivo de aumentar o acesso aos remédios e proteger os recursos da União com a garantia de eficácia. “O laboratório precisa ter uma contrapartida. A gente busca confirmar a eficácia e justificar os valores altíssimos dos medicamentos. Ninguém tem condições de comprar um remédio de R$ 12 milhões”, afirma.

Visão dos pacientes

A advogada Andreia Bessa, que representa a Casa Hunter, associação que luta pelo direito dos pacientes de doenças raras, é a favor da divisão de riscos. Ela lembra, no entanto, que os pacientes têm pouca voz nesse processo.

“A farmacêutica gigante e o Estado são potências e podem brigar, mas e o paciente? Não conseguimos trazer essa discussão de forma transparente para que ele possa colocar sua experiência na mesa. Qual é o poder de escolha dele nesse processo?”, questiona.

Segundo Andreia, há ponderações sobre como seria feito o recolhimento de dados e a análise das informações sobre a eficácia. “Os casos vão ser avaliados individualmente ou em grupos? A perícia vai ser feita pelo médico que o paciente escolhe ou um determinado pela União?”, indaga.

A profissional relata casos em que pacientes com doenças raras no SUS foram encaminhados para avaliação com ortopedistas, por exemplo. “Precisa ser um especialista para saber os impactos do medicamento na doença, que não é estática e varia de pessoa para pessoa”, defende a advogada.

Governo é contra

Em maio de 2021, a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, do Ministério da Saúde, emitiu parecer contrário ao projeto de lei. Segundo o documento, a proposta não altera a lei, como sugere a redação, e sim cria uma nova modalidade de contratação na saúde.

Os técnicos da pasta dizem ainda que o procedimento de “risco compartilhado” levantaria dúvidas práticas e jurídicas em sua vigência. Eles defendem que a compra de medicamentos precisa ser avaliada pela Conitec e qualquer alteração na lei deve incluir os órgãos de controle e a área técnica da pasta federal.

O documento aponta ainda a falta de uma rede apropriada para coletar os dados que viriam a partir do uso dos medicamentos. Também são citadas dificuldades na integração entre as bases de dados administrativos e clínicos e na própria estrutura de atendimento do SUS.

A reportagem entrou em contato com a Interfarma, que representa a indústria farmacêutica. Em nota, a associação afirmou o setor ainda não tem posicionamento firmado sobre o PL nº 667/2021. De acordo com o comunicado, o projeto requer uma “análise mais aprofundada para identificar os impactos no setor farmacêutico e no acesso dos pacientes brasileiros a medicamentos e terapias mais modernas”.

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