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Apostas on-line na mira do governo: mercado bilionário pode ser taxado

Governo deve concluir medida provisória que regulamenta setor de apostas no país; tributação pode gerar receita de até R$ 6 bilhões por ano

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Para aumentar a arrecadação e transformar em realidade o plano do novo arcabouço fiscal, o governo federal já sabe que precisará buscar cerca de R$ 150 bilhões a mais no orçamento dos dois próximos anos. Sem a intenção declarada de criar novos impostos ou aumentar a carga tributária, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve atacar em outras frentes. Em sua alça de mira está o bilionário mercado das apostas esportivas on-line, que ainda não foi regulamentado no Brasil.

O governo deve concluir nos próximos dias o texto de uma medida provisória que trata do funcionamento do setor. A atividade está autorizada no país desde a sanção da Lei 13.756/2018, no fim da gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). A legislação estipulava um prazo de dois anos (prorrogáveis por mais dois) para que fossem estabelecidas as regras, o que não ocorreu até hoje.

A ideia da equipe econômica é taxar as empresas que operam no Brasil, mas têm sede no exterior. Também deve ser cobrada uma outorga inicial para que essas companhias possam atuar no país, de até R$ 30 milhões por uma licença de cinco anos. As apostas esportivas on-line também seriam taxadas: o apostador pagaria imposto sobre a eventual premiação que ganhasse pela aposta, mas ainda não há definição sobre como seria calculada a alíquota.

A MP também deve proibir sites de apostas de patrocinarem clubes de futebol, campeonatos ou entidades esportivas caso não tenham uma sede no Brasil. Atualmente, 10 sites de apostas patrocinam 19 dos 20 times da Série A do Campeonato Brasileiro. A maior parte deles têm sede em locais como Malta, Curaçao e Chipre.

Com a regulamentação, o Ministério da Fazenda estima que até 100 empresas e plataformas de apostas on-line entrem oficialmente no Brasil. A expectativa do governo é que a tributação desse mercado gere uma receita de R$ 2 bilhões a R$ 6 bilhões por ano. De acordo com estimativas da Associação Nacional dos Jogos e Loterias (ANJL), há cerca de 3 mil sites de apostas operando no Brasil.

“Por causa da discussão em torno do arcabouço fiscal, ficou muito claro para o governo que toda forma de arrecadação é bem-vinda, para tentar diminuir o déficit primário e até chegar a uma situação de superávit”, afirma Eduardo Carvalhaes, sócio da prática de Direito Público do Lefosse. “A prática regulamentada gera recursos financeiros, que serão tributados. As empresas sérias do setor sabem que isso vai acontecer e até incentivam a regulamentação. Todo mundo tem de jogar seguindo as mesmas regras. Quem paga impostos e age conforme a lei espera ver punição para quem age de forma ilegal.”

Mercado bilionário

Segundo estimativas do site BNL Data, especializado no mercado de jogos, o setor de apostas esportivas on-line no Brasil deve ter um faturamento de R$ 12 bilhões neste ano, uma alta de mais de 70% em relação a 2020. Esse valor corresponde ao “Gaming Gross Revenue” (GGR) – “Receita Bruta de Jogos”, em tradução livre. O GGR reflete a diferença entre o volume total de apostas e o valor dos prêmios pagos. Além disso, o mercado estima que o volume total de dinheiro gasto pelos usuários em sites de apostas movimente, em média, R$ 150 bilhões por ano.

“As pessoas não apenas torcem pelo seu time. Elas torcem e apostam. O jogo teve um aumento muito grande no nível de popularização no país. É um mercado muito consolidado. Com a regulamentação, a tendência é que cresça ainda mais”, projeta o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José. “Haverá um mercado físico, de rua, que hoje ainda fica em uma zona cinzenta. Nós vamos começar a ter lojas de apostas, o que trará um enorme potencial de crescimento.”

Fabio Kujawski, sócio da prática de Direito do Entretenimento do Mattos Filho, também considera a regulamentação das apostas on-line “bem-vinda” e “necessária”. “Vai trazer benefícios para o governo, mas, principalmente, para os consumidores, os apostadores e as empresas que operam nesse segmento. A regulamentação significa mais segurança jurídica”, ressalta. “O maior problema atualmente é a insegurança jurídica no exercício dessa atividade, que impacta o modelo de negócio das empresas. A ausência de uma regulamentação adequada pode trazer maus atores ao mercado brasileiro: empresas aventureiras, que não são sérias e não têm qualquer compromisso com os direitos do consumidor”, alerta Kujawski.

Calibragem da tributação preocupa

Embora o governo ainda não tenha definido como funcionará a tributação das empresas de apostas on-line, a ideia é que o modelo se assemelhe ao formato vigente para uma empresa convencional. Segundo a Lei 13.756/2018, as alíquotas seriam de 0,1% do total da arrecadação das apostas feitas no meio físico e 0,05% no meio virtual. Ainda há o pagamento de PIS/Cofins (9,25%) e do Imposto Sobre Serviços (ISS), que varia entre 2% e 5%.

“Eu tenho uma certa preocupação com possíveis mudanças na tributação. A taxação sobre o prêmio das apostas esportivas, por exemplo, tende a ser muito alta. Meu medo é que, ao tributar equivocadamente, você empurre esse jogador para o mercado ilegal”, pondera Magno José.

Carvalhaes, por sua vez, afirma que é preciso encontrar uma “regulação fina” do nível de tributação de apostas e empresas para evitar distorções. “É importante observar o que fazem outros países nos quais esse mercado já foi regulamentado. Se tivermos aqui uma tributação 20 vezes maior do que qualquer outro país sério, obviamente poderá haver uma evasão (de empresas) para outras jurisdições”, avalia.

Manipulação de resultados

Nesta semana, a Justiça aceitou uma denúncia apresentada pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) contra 14 suspeitos de manipulação de resultados de jogos do Campeonato Brasileiro da Série B de 2022 – a segunda divisão do futebol nacional – em um esquema que envolveria sites de apostas. Oito jogadores profissionais estão entre os réus. Até o momento, as investigações não apontam o envolvimento de empresas de apostas no escândalo.

De acordo com os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, a regulamentação do setor também poderia coibir manipulações. “Temos a questão da ética e do jogo responsável. Há uma preocupação muito grande com a manipulação de resultados esportivos. É muito importante que tenhamos uma regulamentação que preveja punições e que evite essas manipulações”, defende Kujawski.

Carvalhaes observa que, a partir da regulamentação, é necessário também instituir mecanismos de fiscalização e punição. “Não temos notícia de nenhuma medida específica focada em combater esse tipo de ilegalidade. A partir do momento em que as apostas esportivas forem regulamentadas, temos que começar a fiscalizar e punir práticas que estiverem em desacordo com a legislação”, conclui.

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