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Entre bombas, farsas e dancinhas, guerra na Ucrânia viraliza no TikTok

A primeira guerra transmitida via TikTok transforma o conflito em meme e impõe à plataforma o difícil desafio de combater a desinformação

atualizado

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Na montagem, soldados ucranianos aparecem sob fundo colorido e um deles "segura" a logo do TikTok, rede social - Metrópoles
1 de 1 Na montagem, soldados ucranianos aparecem sob fundo colorido e um deles "segura" a logo do TikTok, rede social - Metrópoles - Foto: Arte/Metrópoles

Na Ucrânia de 2022, o horror da guerra é amplificado pelo alcance crescente das redes sociais, mas também suavizado com memes, filtros, trilha sonora e dancinhas na plataforma que mais cresce e tem agora sua “estreia” em grandes conflitos, o TikTok. A rede favorita dos mais jovens (como são os soldados) possibilita uma visão muito mais íntima e instantânea da batalha imposta pelos russos, mas também dá espaço para uma viralização explosiva de mentiras mundo afora.

Com forte apelo visual e de uso mais ágil do que plataformas que demandam equipamentos de filmagem e programas de edição das imagens, o TikTok está se mostrando ideal para quem está envolvido no conflito (lutando, fugindo, resistindo ou fazendo propaganda) divulgar para o mundo uma realidade transformada pela guerra. Desde a invasão russa, em 24 de fevereiro, explodiu no aplicativo chinês a difusão de vídeos de batalhas, destruição e momentos de expectativa (que abrem espaço para as dancinhas).

Veja exemplos do uso do TikTok por ucranianos que estão no campo de batalha, mas encontram espaço para brincar, registrar cenas triviais e até para sensualizar nas selfies:

A “tiktokzação” da guerra na Ucrânia está produzindo novas celebridades virtuais, como a mecânica Nastya Tuman, que conseguiu mais de 10 milhões de visualizações só na plataforma de um vídeo no qual ensina a ligar e operar um tanque de guerra das forças inimigas. E segue registrando sua resistência às forças invasoras em outras postagens.

Há também o soldado ucraniano Alex Hook, que resolveu gravar coreografias, sozinho ou com os colegas, com a desculpa de mostrar para a filha que está bem. Qualquer que seja a razão, havia conquistado mais de quatro milhões de seguidores para o seu perfil na plataforma quando este texto estava sendo escrito.

Guerra da informação

Um problema da liberdade concedida pelas redes sociais é que grande parte do conteúdo publicado não retrata a guerra de verdade. Há clipes de videogames e cenas de filmes ou de outros conflitos sendo vistas por milhões de pessoas como se tivessem acabado de acontecer em solo ucraniano.

De acordo com um alerta feito pela organização não governamental norte-americana Media Matters, que monitora e analisa desinformação nas redes sociais, “a arquitetura da plataforma do TikTok está amplificando o medo e permitindo que a desinformação prospere em um momento de alta ansiedade. Embora seja crucial que o público se mantenha informado sobre essas situações de alto risco, parece que o design da plataforma é incompatível com as necessidades do momento atual.”

E não se sabe o tamanho desse problema, pois o TikTok afirma que trabalha com sua equipe e checadores independentes para combater a difusão de vídeos falsos, mas não informa quanto conteúdo foi derrubado ou quantas contas foram bloqueadas. Como a plataforma lançada em 2016 cresceu com força e já ultrapassou o Facebook, em 2021, como o aplicativo mais baixado no mundo, tendo mais de um bilhão de usuários ativos e milhões de vídeos postados por hora, as farsas estão sempre correndo na frente do poder de checagem e bloqueio.

Com isso, vídeos antigos de paraquedistas russos supostamente chegando ao campo de batalha continuam sendo vistos e replicados por milhões de internautas diariamente.

Memes como armas

O problema não é novo, pois essa não é a primeira guerra transmitida pelas lentes das redes sociais, mas, segundo a pesquisadora em democracia e comunicação digital Maria Carolina Lopes de Oliveira, o TikTok traz inovações graças à agilidade de seu mecanismo de difusão de conteúdo.

“As imagens viralizam mais e globalmente porque o algoritmo entende melhor e mais rápido do que em outras plataformas, como Facebook e Instagram, o que o usuário quer ver. Se um usuário brasileiro, por exemplo, se interessa por ver cenas da guerra do outro lado do mundo, o TikTok percebe rapidamente e começa a enviar mais e mais conteúdo desse tipo”, explica ela em entrevista ao Metrópoles.

Diferente de redes que vieram antes, o TikTok não dá preferência ao conteúdo produzido pelos contatos do usuário. Oferece, no lugar disso, vídeos de “estranhos”, mas parecidos com os que ele passou mais tempo assistindo.

Outra característica da guerra vista pelo TikTok, de acordo com Maria Carolina, é o empobrecimento de qualquer debate em torno do assunto viralizado.

“É uma plataforma de imagem, de vídeos curtos, na qual os comentários não têm papel central. O TikTok alavanca a memetização, a repetição, as dancinhas e isso tira a consistência do debate. Acabamos consumindo o conflito sobre uma ótica memetizada. É uma diferença grande para o Facebook, por exemplo, onde os comentários são parte muito importante do engajamento”, argumenta.

O TikTok como megafone

Com vídeos verdadeiros ou falsos, ucranianos e outros internautas interessados na guerra estão usando o TikTok como arma de propaganda contra os russos.

Há muitas filmagens denunciando a destruição causada pelos ataques russos, a angústia da fuga para países vizinhos e cenas da resistência, como barricadas feitas por civis e produção de coquetéis molotov e outros instrumentos de luta de guerrilha. Quase tudo tendo como trilha sonora os últimos sucessos das paradas ocidentais ou hits dos anos 1980 que seguem muito apreciados na região.

Longe de terem a simpatia da opinião pública mundial em sua incursão militar, os produtores de conteúdo russos no TikTok não conseguem engajamento parecido com os ucranianos e simpatizantes. Diante disso, focam seus esforços em outra frente: denunciar como falsos ou abusivos os vídeos que condenam a guerra, de modo a tentar tirá-los do ar.

Como a Rússia também trava essa guerra na arena cibernética, esse movimento muitas vezes é feito por “exércitos” de robôs, que têm dado trabalho a ativistas, como a ucraniana Marta Vasyuta. A jovem administra, de outro país europeu, um perfil com muitas críticas à guerra. Desde que seu conteúdo começou a viralizar, ela relata na própria rede estar enfrentando bloqueios para postar mais.

Veja uma seleção de cenas da guerra na Ucrânia colhidas no TikTok na primeira semana de combates:

Outra ferramenta do TikTok que aumenta a capacidade de difusão do conteúdo que circula por ali é a facilidade de transferir os vídeos para outras redes. O TikTok tem um comando que permite baixar os vídeos na hora e enviá-los por aplicativos como WhatsApp e Telegram (muito popular na Ucrânia) ou postá-los em outras redes, como Twitter ou Instagram.

É por isso que essas redes mais “tradicionais” também são inundadas por vídeos com a marca d’água do TikTok no canto.

Outro lado

O aplicativo criado pela empresa chinesa ByteDance prevê em seus termos de uso a proibição da difusão de informações erradas que causem danos a indivíduos, à comunidade ou ao público em geral, independentemente da intenção. A empresa informa que mantém parcerias com organizações locais e independentes de verificação de fatos, como o Estadão Verifica, para apoiar seus esforços de validação do conteúdo.

Em resposta a um contato do Metrópoles, um porta-voz da empresa enviou o seguinte posicionamento oficial:

“Continuamos a atuar com relação à guerra na Ucrânia com mais recursos de segurança e proteção para detectar ameaças emergentes e remover desinformação prejudicial. Também fazemos parceria com organizações independentes de verificação de fatos para apoiar nossos esforços para ajudar o TikTok a permanecer um lugar seguro e autêntico”.

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