A Constituição brasileira de 1988 foi promulgada num contexto social em que o país aspirava mudanças. Após décadas de regimes autoritários e repressão, os ares democráticos sopravam por todo o território nacional e ecoavam especialmente na política. Com inspirações variadas, a Carta Magna foi redigida sob forte consonância com os direitos humanos e as liberdades individuais. Tanto que alguns desses conceitos são considerados cláusulas pétreas – ou seja, não podem ser abolidos do texto constitucional. Um deles ajuda a explicar a distância mantida, em muitos casos, entre criminosos e a cadeia.

O art. 5° da Constituição versa sobre direitos e deveres individuais e coletivos – e o inciso LVII é cristalino: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Em outras palavras, quem puder contratar advogados consegue se valer dos mais variados recursos legais para tentar provar a própria inocência.

Ao ser questionado pelo Metrópoles sobre a falta de punições definitivas da Caixa de Pandora, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) resumiu a situação da seguinte forma: “A morosidade da Justiça decorre da grande quantidade de recursos, da impossibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância e das regras de prescrição, que permitem o transcurso do prazo mesmo com recursos pendentes. Tudo isso mostra que há necessidade urgente de reforma da Justiça penal brasileira”.

Esquema com contratosde informática

Imagem - Esquema com contratos

A Operação Caixa de Pandora foi uma investigação iniciada em setembro de 2009 no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e documentada no Inquérito nº 650/STJ. Uma série de diligências para angariar provas foi tomada, sendo que, ao final da apuração, a então subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, do Ministério Público Federal (MPF), apresentou denúncia ao STJ, em 28 de junho de 2012. A partir daí, o Inquérito n° 650/STJ passou a ser a Ação Penal 707 (APn 707).

A investida do MPF atingiu 37 denunciados e lhes atribuiu vários crimes, cujo âmbito temporal de ocorrência se deu entre os anos de 2003 a 2009, no início da operação. Posteriormente, a lista aumentou e chegou a 48. Réus vinculados ao Executivo local foram acusados do crime de corrupção passiva – tendo em vista que receberam dinheiro de empresários da área de informática – e corrupção ativa, porque compraram apoio político de parlamentares.

Os que integravam o Legislativo distrital responderam por crime de corrupção passiva, visto que receberam dinheiro dos membros do Executivo; assim como empresários prestadores de serviços de informática ao GDF, pois entregavam propina a representantes do governo local.

Em números atualizados pela Justiça até 20 de novembro deste ano, o prejuízo aos cofres públicos locais é calculado em R$ 2.830.022.837,97.

No âmbito do STJ, o rito processual previa que, primeiramente, se procedesse à notificação dos acusados. Em seguida, caberia aos ministros decidir sobre o recebimento da denúncia. Contudo, essa etapa não ocorreu porque foi levantada uma questão de ordem pelo ex-vice-governador Paulo Octávio, que pediu o desmembramento da ação penal para que apenas quem tivesse foro por prerrogativa de função continuasse a responder na Corte Superior.

Mesmo com a operação sendo deflagrada em 2009 e a denúncia apresentada por Raquel Dodge em 2012, a questão de ordem foi resolvida apenas em 6 de junho de 2013, quando, por decisão do então ministro Arnaldo Esteves Lima, o processo foi desmembrado. O processo deixou o STJ cinco dias depois.

Naquela época, os então deputados distritais Rôney Nemer, Benedito Domingos e Aylton Gomes, a deputada federal Jaqueline Roriz e o conselheiro do Tribunal de Contas (TCDF) Domingos Lamoglia continuaram a responder às acusações nos respectivos tribunais em que tinham foro privilegiado em razão do cargo que ocupavam. O restante dos denunciados passou a responder perante a 7ª Vara Criminal de Brasília.

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Quando os autos da APn 707 chegaram à Justiça do DF, a denúncia inicialmente feita pelo Ministério Público Federal foi fragmentada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que apresentou 17 ações penais. Posteriormente, aqueles réus que em 2013 tinham foro por prerrogativa foram perdendo seus cargos. Dessa forma, as respectivas ações penais iam sendo remetidas à 7ª Criminal de Brasília. Assim, a Operação Caixa de Pandora passou a reunir 24 ações penais.

Outro fato importante é que, ao contrário do que possa parecer, a Caixa de Pandora não foi, desde sua origem, conduzida pela Justiça do Distrito Federal, estando sob a alçada da 7ª Vara Criminal de Brasília somente a partir de 10 de abril de 2014. De lá para cá, tem sido adotado o procedimento do Código de Processo Penal, que impõe a oitiva de testemunhas, realização de diligências requeridas pela defesa, a tomada de interrogatórios e os prazos para alegações escritas.

A balança da Justiça

Veja quais juízes participaram, até o momento, da análise do processo

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*Até agora, 20 integrantes do Ministério Público, entre promotores e procuradores, participaram do processo

Ao longo do tempo em que as ações penais vinculadas à Caixa de Pandora tramitaram no âmbito da 7ª Vara Criminal de Brasília, foram proferidas dezenas de decisões e despachos com o objetivo de concluir as ações penais. Houve diversas audiências, com centenas de pessoas ouvidas. Os documentos foram juntados e milhares de páginas passaram por processo de digitalização antes de serem anexadas aos processos.

Ao todo, são 43 réus com casos ainda analisados pelo TJDFT – sendo que dois já foram absolvidos. Outros três têm os crimes julgados na Justiça Federal: o ex-procurador-geral de Justiça do DF Leonardo Bandarra, a promotora afastada Deborah Guerner e o marido dela, o empresário Jorge Guerner, todos com as ações no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

Muita lentidão, pouco resultado

Vaivém jurídico

Ao retornar para a 7ª Vara Criminal de Brasília, o juiz Atalá Correia foi o responsável pelo recebimento da denúncia de boa parte das ações e, também, por conduzir as primeiras audiências. Em seguida, a titularidade da 7ª Vara ficou com o juiz Paulo Carmona, que fez a maioria das audiências.

Depois, o juiz Fernando Barbagalo assumiu a 7ª Vara Criminal de Brasília e chegou a decidir questões incidentais. Com a ida dele para o Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz substituto Newton Aragão assumiu o caso.

Foi Aragão quem determinou a retomada das ações, que estavam parcialmente suspensas devido a questionamentos das gravações feitas pelo delator da Caixa de Pandora, Durval Barbosa. O magistrado colheu interrogatórios e determinou o encerramento da instrução probatória de número significativo dos processos.

Desde outubro de 2016, todas as ações penais contra Arruda e os demais réus estavam suspensas. A decisão havia sido do ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, que atendeu pedido da defesa para a realização de perícia nos equipamentos usados por Durval Barbosa para gravar diversos políticos recebendo propina.

Em despacho assinado em 13 de julho de 2018, Newton Aragão decidiu dar prosseguimento aos depoimentos. O juiz ressaltou que, como a perícia solicitada pelos advogados do ex-chefe do Executivo local foi autorizada por instância superior – o STJ –, o processo de julgamento deveria ser mantido.

No fim de 2018, Newton Aragão fez as oitivas com 17 réus dos processos criminais. A previsão inicial era de ouvir 19 pessoas, mas o crime de dois dos acusados, na ação de formação de quadrilha, prescreveu.

A polêmica da escuta ambiental

Um dos maiores entraves ao andamento da Caixa de Pandora na Justiça diz respeito justamente a uma das principais provas do processo. A diligência feita ainda no âmbito do Inquérito nº 650 foi a escuta ambiental autorizada pelo STJ na Residência Oficial de Águas Claras no dia 21 de outubro de 2009.

O tribunal autorizou que o delator Durval Barbosa acoplasse em suas vestimentas equipamentos oficiais de gravação (um de áudio, outro de áudio e vídeo).

Os registros feitos por Durval Barbosa tratam de suposto pagamento de propina em contratos de empresa de informática no governo de Arruda. Peritos oficiais já atestaram que foram utilizados equipamentos da Polícia Federal para a gravação; que não ocorreu desligamento dos aparelhos durante a ação controlada; e não houve edições no diálogo captado na escuta ambiental. Contudo, a defesa de Arruda questionou a metodologia dos técnicos da Polícia Federal na análise do material e contratou nova avaliação.

No áudio, Arruda, Durval e o então secretário da Casa Civil, José Geraldo Maciel, registram o modo de atuação, organização, articulação e distribuição de tarefas de todo o esquema criminoso.

Na conversa, após serem feitas referências às propinas ligadas à empresa Linknet, os três falam também sobre a “unificação” dos pagamentos. O esquema estaria “fora de controle” e, por isso, pessoas que se beneficiavam estavam recebendo em duplicidade. O trio combina o repasse de R$ 600 mil a políticos.

Dois dias depois, segundo o processo, Maciel teria recebido R$ 400 mil das mãos de Durval. E, no dia 30 de outubro de 2009, foi entregue a diferença de R$ 200 mil, pagamento registrado em vídeo.

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O questionamento das provas

Essas gravações geraram laudo produzido pela Polícia Federal. Na medida em que os réus foram sendo citados para responder à acusação, a integridade do material probatório das escutas passou a ser contestado pelas defesas, com auxílio de assistentes técnicos.

O questionamento, em resumo, pedia que o Instituto Nacional de Criminalística (INC), da Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal, esclarecesse uma série de pontos.

Os advogados alegaram que, em desconformidade com decisão judicial, Durval teria utilizado equipamento de gravação próprio e editado o teor dos registros. A ação chegou a ficar parada para análise das provas.

Ao considerar que as contestações não poderiam travar o processo, o juiz substituto da 7ª Vara Criminal de Brasília, Newton Aragão, deu continuidade à análise das ações decorrentes da Operação Caixa de Pandora. No entanto, entre os questionamentos da defesa de Arruda em 2016 sobre as gravações e a decisão do juiz no ano passado transcorreram-se dois anos.

Em dezembro de 2018, após o juiz ter ouvido todos os réus, chegou ao fim a fase de instrução. Atualmente, está aberto o prazo para as defesas e o Ministério Público se pronunciarem.

Algumas ações, como as de corrupção ativa, passaram para a fase das alegações finais, em outubro de 2019. O processo entra agora na etapa de conclusão. O magistrado já indeferiu diversos recursos considerados protelatórios e pode proferir sentenças a qualquer momento.

Confira, na quarta-feira (27/11/2019), como foi o 27 de novembro de 2009, quando a Polícia Federal cumpriu os primeiros mandados de busca e apreensão da Caixa de Pandora, e relembre como a operação foi encorpada ao longo das semanas seguintes.

Clique neste link e veja o que dizem os réus.

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