metropoles.com

Questionada por juiz, Adriana Villela relata álibis no dia do crime

Confira a reconstituição completa de antes, durante e depois dos assassinatos. Acusada pensou em jantar com os pais no dia do crime

atualizado

Compartilhar notícia

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Julgamento-Villela-1-de-outubro-5
1 de 1 Julgamento-Villela-1-de-outubro-5 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A pedido do juiz Paulo Rogério Santos Giordano, Adriana Villela, denunciada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) como sendo a mandante do triplo homicídio da 113 Sul, começou a detalhar o itinerário dela em 28/08/2009, dia do crime. Enquanto isso, o promotor Marcelo Leite Borges lamentou a postura da defesa, no início do interrogatório, de não responder às questões da acusação. “Não perguntar vai atrapalhar, sim, a análise dos jurados”, frisou o membro do MP.

Nesta terça-feira (01/10/2019), o julgamento é acompanhado por 224 pessoas no plenário do Tribunal do Júri de Brasília. O local está lotado – foram distribuídas cerca de 130 senhas para acesso ao órgão julgador.

No relato de Adriana, a arquiteta lembrou-se de que era um dia de sol claro e de ter recebido e-mail para participar de curso de arquitetura moderna no Instituto Cervantes naquela sexta-feira — data em que o ex-ministro do TSE José Guilherme Villela, a esposa, Maria Villela e a empregada do casal, Francisca Nascimento Silva, foram assassinados — e no sábado.

“Saí da minha casa cedo e fui até a cultura hispânica para fazer a inscrição. Depois, fui à Funarte participar de outro evento”, relatou. Adriana teria almoçado e chegado ao instituto por volta das 14h. “Até tem nos autos a prova de que assisti a todas as aulas. Entreguei um caderno à Corvida de todas as anotações feitas nos seminários daquele dia. Passei a tarde toda lá”, ressaltou a acusada.

“Fui vista por muitas pessoas. O seminário foi gravado e, depois, procuramos todo esse material, mas não conseguimos imagens para vocês me verem lá sentadinha tomando minhas notas”, alegou a arquiteta.

Jantar

Segundo a acusada, o curso acabou às 18h. Afirma ter ficado conversando com pessoas do lado de fora por 10 minutos e, em seguida, ligado para a filha a fim de convidá-la para jantar. Também garante ter entrado em contato com amigos com o objetivo de chamá-los para uma festa de aniversário mais tarde.

Uma delas convidou Adriana para tomar uma sopa. “Se isso não tivesse acontecido, não teria como comprovar que parei em duas padarias e comprei pão e patê”, disse.

Adriana contou que pensou em ir jantar na casa dos pais, pois tinha 15 dias que não os via. No entanto, a conversa demoraria muito, alegou. ‘Talvez, hoje, eu não estaria aqui e vocês estariam julgando o meu irmão e a minha filha, ‘naturais herdeiros’, por um homicídio quádruplo”, opinando que ela poderia ser uma das vítimas dos criminosos.

“Cheguei à casa da Graziela (pedagoga Graziela Ayres Ferreira Dias, amiga com quem havia combinado jantar e testemunha ouvida no caso) por volta das 19h. Fiz duas ligações na entrada da Vila Planalto, onde ela morava, que podem comprovar isso”, apontou Adriana. “Ficamos lá até o fim do Jornal Nacional e, 20 minutos depois, eu já estava em casa, na QI 29 (do Lago Sul)”, detalhou.

A arquiteta diz que, na residência, mexeu no computador, onde leu e respondeu e-mails. “Devo ter chegado até 21h21, quando respondi as mensagens eletrônicas. Descansei um pouco para ir a uma festa, mas acabei desistindo”, lembrou. No dia 29/08/2009, Adriana também teria passado a manhã no curso; à tarde, estaria em uma feira no Pontão; e à noite, no Teatro Nacional, na apresentação da Orquestra Sinfônica.

No domingo

O juiz perguntou se Adriana se lembrava do que fez no domingo. “A Carol me ligou e perguntou se eu tinha notícias do ‘vôzinho’. E disse que ele não estava atendendo o telefone”, frisou a ré, detalhando que ela e a filha não acreditavam que isso era motivo de preocupação.

“Eu não tinha como adivinhar que teria acontecido algo com meus pais e não achei que seria nada de mais eles não retornarem as ligações da Carolina”, argumentou. Segundo Adriana, não havia regularidade em visitas ou ligações aos pais.

Na segunda-feira (31/08/2009), Adriana relatou ter almoçado com Carolina na Asa Sul e que, de lá, a filha comentou que passaria no escritório no Setor Comercial Sul e daria notícias dos avós. “No fim da tarde, a Carol me ligou e disse que estava preocupada porque os avós não teriam ido trabalhar. Nesse momento, começamos a achar estranho tudo aquilo e fomos buscar informações. Ligamos para o telefone da Francisca e não os encontramos.”

Manipulação

Em um dos momentos do julgamento, Adriana falou em manipulação da Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida) ao colher os depoimentos durante as investigações. “Levamos ao conhecimento da delegacia algumas questões que achávamos relevantes e que não foram consideradas”, destacou.

Em uma delas, segundo Adriana, após sua mãe voltar de viagem, um porteiro não conhecido pela família entregou para Maria Villela uma chave do apartamento. “Minha mãe reclamou porque não deixava a chave na portaria e ele disse que havia ocorrido um vazamento no 5º andar e o síndico havia pedido que um chaveiro fosse ao local. Depois, descobrimos que esse porteiro seria o Leonardo. Também soubemos que ele foi demitido porque se envolveu em uma briga com um outro porteiro e usou uma faca para ameaçar o colega”, explicou a acusada.

Então, o juiz perguntou sobre trecho de depoimento de Carolina na Corvida sobre discussão por dinheiro entre Adriana e Maria Villela. “Eu acredito que ela falou isso pressionada pelas perguntas da doutora Mabel. Temos frases soltas nesse depoimento”, alegou a arquiteta. “A minha filha está aqui presente todos os dias com o meu irmão e eles se pronunciam claramente de que nunca tiveram nenhuma suspeita sobre mim.”

Outra pergunta feita pelo juiz diz respeito ao uso de drogas e possível internação de Adriana em clínica de reabilitação. “Não bebo muito e não combino com pessoas dependentes de drogas. Já usei maconha uma vez ou outra e, quando era adolescente, experimentei cocaína. Eventualmente, experimentei também ácido e chá de cogumelo. Mas não sou drogada. Meus pais nunca conversaram comigo sobre isso.”

A carta

Adriana Villela citou a carta usada por Mabel de Faria, então delegada de uma divisão da Corvida. “Toda acusação que a doutora Mabel fazia naquela época era por causa de uma carta que ela achou da minha mãe para mim, em que a minha mãe era dura comigo. Ela foi a base usada pela delegada Mabel para construir toda uma acusação falsa.”

Nesse momento, o juiz Paulo Rogério Santos Giordano pediu que Adriana falasse mais sobre essa carta escrita pela mãe, Maria Villela. “Em 2006 [o ano da carta], eu passava por um momento ruim. Era o ano em que eu revisava a tese do mestrado, minha mãe e meu irmão me ajudavam. Eu estava com suspeita de câncer na tireoide e, em algum momento, devo ter me desentendido com minha mãe.”

Mesada

A questão financeira e a carta em que a mãe de Adriana critica a acusada foram os principais questionamentos do juiz Paulo Rogério Santos Giordano para a ré.

Adriana contou que recebia uma mesada de José Guilherme e Maria Villela no valor R$ 8,5 mil em dinheiro, além de ajuda com custos fixos com carro e apartamento, plano de saúde e despesas extras de viagem. Com a correção monetária, o valor seria, hoje em dia, de R$ 21 mil.

“O dinheiro era muito mais que suficiente. Sempre honrei receber isso”, ressaltou Adriana. O questionamento do magistrado se deu com o objetivo de completar uma dúvida anterior dele, se os pais aceitavam ou queriam que a filha assumisse uma profissão mais rentável.

“Eu vi meus pais saírem do zero. Cresci com eles e os vi fazerem concurso e conquistarem tudo o que conquistaram. Eles queriam que eu tivesse um cargo público que me desse estabilidade e fosse artística apenas como hobby. Mas eu dizia que queria ser artista e não outra coisa”, explicou Adriana.

Em uma das respostas, a acusada começou a chorar, dizendo que os pais realmente não a apoiavam na carreira escolhida. “É isso que eu tenho para oferecer para o mundo.” E disse aos pais: “Vocês já ganham muito mais do que eu e meu irmão precisamos. Tenho alma de artista e quero ser artista”.

Falando para os jurados

Durante toda a explicação, Adriana não tirou os olhos dos jurados. “Nós tínhamos um relacionamento amoroso, mas também havia conflitos. Minha mãe não gostava do jeito que eu me vestia. Nem de que discordassem do que ela dizia. Ela era frágil e insegura e se tornou forte pelas perdas que teve.”

Segundo Adriana, era comum, quando jantavam juntos, Maria Villela olhá-la de cima a baixo, com olhar crítico sobre o modo como se vestia. “Isso era motivo de discórdia. Eu só queria ser amada e respeitada pelo jeito que eu sou.”

E apontou que o texto havia sido obtido de forma ilegal. “Essa carta foi apreendida ilegalmente dentro do escritório de advocacia. Foi eu mesma que assinei para que ela pudesse ser apresentada aqui, pela acusação.” Novamente, com olhar fixo aos jurados, Adriana se dirigiu a eles: “Espero que vocês me ajudem a mostrar o que acontece nos porões da polícia”.

Relacionamento

Antes, neste nono dia do julgamento que já é o mais longo na história da Justiça brasiliense, as primeiras palavras de Adriana foram sobre o relacionamento que mantinha com os pais e como eles a viam. “O meu pai e minha mãe sempre foram pessoas com as quais eu sempre pude contar e, ainda hoje, aqui, eu conto com eles. Até pelos meus advogados”, afirmou Adriana Villela.

“Certa vez, eu disse a eles que meu desejo e minha maior ambição é que meu trabalho criativo ajudasse muitos a melhorar de vida. E eu fiz isso um pouco. Até que, de repente, a vida me deu um tropeção e meus pais foram assassinados.”

De acordo com Adriana, apesar de ser “uma filha bastante rebelde”, o pai admirava isso nela. “Sem dúvida, devo ter desrespeitado eles algumas vezes na minha vida. Mas, especialmente quando esse crime aconteceu, a minha família vivia um momento de muita felicidade. Eu havia acabado de terminar o meu mestrado e meu pai dizia que finalmente eu estava no meu lugar.”

Caso

Segundo a acusação, Adriana contratou Leonardo Campos Alves, porteiro do edifício onde moravam os pais, para matar o casal de advogados e a empregada deles por R$ 60 mil. Ele, por sua vez, teria prometido dar R$ 10 mil a Francisco Mairlon Barros Aguiar para executar o crime. Sobrinho de Leonardo, Paulo Cardoso também foi acusado pelo esfaqueamento do trio. Os três foram condenados e estão presos.

Advogado de Adriana, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou à imprensa que os depoimentos selecionados pela acusação são “quase um ato desesperado do Ministério Público”. “Entendo que é desleal, porque deveria ter explicado minuciosamente que são depoimentos posteriores à confissão”, salientou.

Os defensores da arquiteta também reproduziram algumas mídias e documentos, como um depoimento no qual o irmão de Adriana, Augusto Villela, fala à PCDF. “A Adriana tem conflitos normais com a mãe. A tônica dos conflitos não era dinheiro”, frisou. A arquiteta e jornalista é acusada de ser a mandante do triplo homicídio de José Guilherme, Maria Villela e da empregada do casal, Francisca Nascimento Silva. Eles foram mortos a facadas – 73 no total –, em 28 de agosto de 2009.

Sem respostas à acusação

A defesa de Adriana Villela informou que ela não vai responder nem ao MPDFT nem aos assistentes de acusação. Foi um pedido de ordem assim que iniciou a sessão. A arquiteta só falará com juiz, defesa e jurados. O procurador Maurício Miranda registrou protesto de que o contraditório fica prejudicado com a decisão.

Sobre o assunto, Kakay se posicionou da seguinte forma: “Nós entendemos que a prova está pronta e ela vai responder quem tem que responder. Para as outras partes, ela não vai responder. Pode haver tumulto e isso é ruim para o processo. Isso é uma orientação técnica”, argumentou.

Compartilhar notícia