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Esgoto, mofo e gambiarras. Saúde do DF em estado de emergência

Após tomar conhecimento da situação de calamidade, governador Ibaneis assina nesta segunda (7/1) decreto que permite medidas de urgência

atualizado

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Cama e papelão
1 de 1 Cama e papelão - Foto: null

Não bastasse a doença que aflige quem procura uma unidade pública de saúde do Distrito Federal, os brasilienses que buscam atendimento são submetidos à falta de remédios e materiais básicos, equipamentos quebrados, risco de caírem de macas e até obrigados a dividir espaço com esgoto. A situação de calamidade em 12 hospitais e seis Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) consta em relatório entregue ao governador Ibaneis Rocha (MDB). O caos no setor fez o emedebista decidir decretar estado de emergência na área.

O decreto será assinado nesta segunda-feira (7/1), durante lançamento do programa SOS DF Saúde, e vai permitir ao GDF contratar serviços e comprar insumos sem licitação, chamar concursados e ampliar a carga horária dos servidores. A estratégia também foi utilizada pelos ex-governadores Agnelo Queiroz (PT) e Rodrigo Rollemberg (PSB).

Recheado de fotos e descrições sobre as condições prediais, materiais, de manutenção, além do quadro deficitário de profissionais, o relatório que embasou a decisão de Ibaneis Rocha aponta problemas que reduzem a capacidade e a qualidade de atendimento. O diagnóstico foi produzido durante os primeiros dias 2019 e concluído em 3 de janeiro.

Um dos obstáculos mais comuns nas unidades é a falta de manutenção, responsável por deixar prédios em situação decadente e equipamentos importantes escanteados, como monitores cardíacos, ecógrafos e camas elétricas. No Hospital Regional do Paranoá (HRPa), as macas quebradas podem ocasionar a queda de pacientes.

Alguns locais se encontram em tal estado de ausência de cuidados que desafiam as regras vigentes, além de colocar em xeque a saúde dos enfermos. A central de material esterilizável no Hospital Regional de Samambaia (HRSam) está em desacordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na UPA de Ceilândia, a sala de medicamentos foi interditada pela vigilância sanitária por falta de ventilação.

Também vítimas do descaso, os funcionários públicos sofrem. No posto de enfermagem do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), uma infiltração no teto oferece risco de choque aos servidores. Quem passa pelo Hospital Regional da Asa Norte (Hran) convive com esgoto vazando por vários setores, o que ameaça, inclusive, arquivos.

Insatisfação
Sem condições, às vezes mínimas para o trabalho, servidores lançam mão de gambiarras a fim de amenizar a dor das pessoas atendidas. No pronto-socorro do HRPa, uma caixa de papelão foi usada como suporte para que uma cama ficasse inclinada (foto em destaque). Para manter o único eletrocardiograma funcionando, trabalhadores utilizaram uma caneta e um frasco de medicamento como sustentação.

No Hospital Regional de Taguatinga (HRT), os cabos de internet cortam do teto até o chão. “Fazer cabeamento de rede de internet estruturado. Hoje, são gambiarras por todo o hospital”, sugere o relatório.

A assessoria da Secretaria de Saúde informou que o material foi produzido pela pasta, insatisfeita com as informações recebidas do governo anterior, o qual escondia a real situação dos equipamentos do GDF. “A coleta foi feita em dois dias, quando foram vistoriadas todas as unidades da rede”, completou.

Confira o que mostra o relatório:

Hospital Regional da Asa Norte (Hran)
A situação no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) é grave. Problemas vão desde a falta de manutenção para equipamentos que se encontram há anos parados até o vazamento de esgoto em vários setores da unidade, ameaçando, inclusive, o arquivo físico do hospital. Até mesmo a câmara frigorífica onde são colocados os cadáveres está com o funcionamento comprometido devido a defeitos nas portas.

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Hospital Regional de Brazlândia (HRBz)
As mazelas enfrentadas por pessoas que dependem do Hospital Regional de Brazlândia (HRBz) são muitas. O pronto-socorro opera acima da capacidade máxima, o que obriga os profissionais de saúde a alocarem pacientes nos corredores da unidade. O atendimento funciona de forma improvisada, em um corredor, nas áreas de pediatria, cirurgia e clínica médica.

A situação de penúria no hospital da cidade não livra nem mesmo os recém-nascidos. As cubas onde os bebês são colocados estão remendadas e sem a função de aquecimento há anos, devido à falta de manutenção.

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Hospital Regional de Ceilândia (HRC)
A falta de médicos no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) – problema comum a praticamente todas as unidades de saúde do Distrito Federal – prejudica os usuários e dificulta a recuperação dos pacientes.

A falta de anestesistas limita e, não raro, impede a realização de cirurgias ortopédicas. Sem leitos para onde possam ser alojados, corredores se transformam em enfermarias para abrigar pessoas em recuperação.

Outro drama é a falta de pediatras, o que compromete o atendimento aos pequenos em épocas de grande demanda, como a seca brasiliense, quando aumentam os casos de doenças respiratórias.

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Hospital Regional do Gama (HRG)
No Hospital Regional do Gama (HRG), o cenário de descaso atinge desde equipamentos ao trato com os pacientes. Aparelhos de raio-X e escopia estão estragados há anos e sem previsão de voltarem a funcionar, pois não há contrato de manutenção.

Atualmente, a unidade conta com apenas um aparelho de escopia que se apresentar defeito terá o mesmo destino do outro: o depósito. A superlotação do HRG faz com que, em média, 40 pessoas sejam internadas em corredores, por falta de leitos. As camas do hospital estão se deteriorando pelo uso frequente e a falta de renovação.

Apesar de estar com a ala pediátrica reformada, o espaço está desativado devido à falta de profissionais. Pais e mães que procuram o HRG em busca de socorro para os filhos são direcionados ao Hospital Regional de Santa Maria (HRSam).

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Hospital Regional do Guará (HRGu)
O Hospital Regional do Guará (HRGu) opera com bandeira vermelha na clínica médica, pois só há um clínico para atender os pacientes da enfermaria e do pronto-socorro. Até mesmo o básico, como a falta de lâmpadas elétricas, dificulta o trabalho dos profissionais. Técnicos de enfermagem, por exemplo, têm dificuldade de encontrar veias de pacientes quando a iluminação está ruim.

Idosos com dificuldade de locomoção precisam se submeter à humilhação de utilizar uma cadeira de banho remendada com luvas de látex e em péssimo estado de conservação. Além disso, têm de se revesar, pois há apenas duas dessas cadeiras na unidade.

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Hospital Regional de Planaltina (HRP)
Sem serviço de dedetização, desratização e limpeza de caixa d’água, pacientes do Hospital Regional de Planaltina (HRP) podem ter o quadro de saúde agravado por vetores transmissores de doença. O lixo hospitalar deixado a céu aberto, sem qualquer proteção ou abrigo, é outra preocupação que pode provocar contaminação.

A unidade não vê renovação de equipamentos e estrutura faz tempo; As máquinas da lavanderia, que lavam meia tonelada de roupas por dia, são de 1976. O quadro de energia é da década de 1990 e não suporta grandes cargas, o que impede o funcionamento de mamógrafos e tomógrafos.

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Hospital Regional de Samambaia (HRSam)
O abandono no Hospital Regional de Samambaia (HRSam) traz prejuízos para além daqueles causados aos pacientes que sofrem com a falta de atendimento, chegando até mesmo ao dano financeiro. Isso por que a unidade está impedida de receber verba do Ministério da Saúde porque a Central de Material Esterilizado descumpre norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Na ala vermelha, o HRSam opera com o dobro da capacidade: há 12 leitos disponíveis, mas 25 pessoas chegam a ocupar o espaço, em locais inapropriados.

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Hospital Regional de Taguatinga (HRT)
Gambiarras nas redes elétrica e de internet são comuns no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), onde fios correm pelo teto sem qualquer proteção. A unidade sofre com a precariedade da estrutura, onde há infiltração e mofo nas paredes. Num cenário comum a outros hospitais públicos do Distrito Federal, pacientes também ocupam os corredores e até o chão no HRT.

Faltam especialistas no pronto-socorro, que opera com pouco mais de 30% do nível ideal de profissionais para a unidade.

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Hospital Regional de Sobradinho (HRSb)
A área mais afetada do Hospital Regional de Sobradinho (HRSb) é a unidade de hemodiálise, onde torneiras estão lacradas por problemas na captação do esgoto; infiltração e vazamentos danificam o teto; e o aparelho de filtragem de sangue está quebrado. Nos corredores, equipamentos danificados se acumulam à espera de manutenção.

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Hospital Regional de Santa Maria (HRSM)
A situação do pronto-socorro do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) é classificada como crítica. A equipe aponta que há falta de profissionais especializados em emergência, o que prejudica a avaliação dos pacientes em leitos de enfermaria e ainda torna a troca lenta.

Além disso, a unidade opera além da capacidade. “Hoje são 26 leitos, mas o hospital está com 63 pacientes alocados hoje”, acrescentou.

Um dos dois ecógrafos da radiologia está parado há seis meses por falta de contrato de manutenção. O problema alcança, ainda, os recursos humanos. Segundo o relatório, há insuficiência de radiologistas: são nove, mas a demanda é de, ao menos, 18.

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Hospital Regional do Paranoá (HRPa)
A falta de manutenção de aparelhos e de materiais básicos causa riscos aos pacientes no Hospital Regional do Paranoá (HRPa). As macas são instáveis e podem ocasionar a queda de pacientes, segundo o relatório.

As pessoas que buscam atendimento não encontram sequer lençóis e cobertores na unidade e são obrigadas a levar mantas de casa, o que aumenta o risco de contaminação hospitalar.

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Hospital Dia
Uma infiltração no corredor de infectologia do Hospital Dia afeta grande parte do teto. A unidade hospitalar apresenta, ainda, piso em “péssimas condições”, equipamentos sem manutenção e necessidade de revisão geral da parte elétrica.

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Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib)
O Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) não tem materiais básicos, como compressas, cateter ou sonda de aspiração traqueal, conforme revela o documento da Secretaria de Saúde. Os cabos elétricos expostos e os extintores de incêndio vencidos há mais de um ano e seis meses ameaçam as crianças, principais pacientes da unidade hospitalar.

Mas as mazelas não são apenas referentes ao abastecimento. O prédio, localizado na Asa Sul, tem infiltrações, mofo e grandes rachaduras.

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Hospital de Apoio de Brasília (HAB)
A situação não é nada agradável no Hospital de Apoio de Brasília (HAB). Sem contrato de manutenção, há telhas quebradas que geram infiltrações e acúmulo de água no telhado, transformando-o em “piscina a céu aberto”, conforme o relatório.

O equipamento usado para esterilizar utensílios médicos não funciona desde 2017. Por isso, os materiais são enviados para outras unidades que fazem a limpeza. O HAB até tem um novo aparelho, mas ele não pode ser usado porque a rede elétrica é muito antiga.

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Hospital São Vicente de Paulo (HSVP)
Especialista em tratamento psiquiátrico, o Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) é vítima do descaso. O relatório da Saúde mostra infiltração que causa risco de choques elétricos a servidores, mobiliário enferrujado, e carrinhos de emergência quebrados.

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UPA de São Sebastião
A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Sebastião apresenta falta de cuidado predial e com materiais. A porta da caixa de fusíveis está quebrada e apenas uma fita adesiva a evita de cair.

A unidade dispõe de cadeiras de banho quebradas, enferrujadas e em más condições de uso. O banheiro da sala amarela foi até interditado por problemas como infiltração e forro do piso solto.

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UPA de Sobradinho
A UPA de Sobradinho também apresenta falta de manutenção e ausência de equipamentos. Os medicamentos são guardados em espaço inadequado, e a porta do banheiro masculino está quebrada.

A sala verde está superlotada e abriga pacientes por um período superior ao recomendado. Enquanto uma pessoa deveria ficar até 25 horas em uma UPA, na de Sobradinho os pacientes ficam, em média, 20 dias.

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UPA de Ceilândia
O cenário é caótico na UPA de Ceilândia, onde pacientes ficam internados por até 60 dias à espera de leito no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), conforme levantou a equipe de Ibaneis.

O piso está em mau estado, há mau cheiro em grande parte das áreas e um buraco no chão da odontologia permite a entrada de baratas e odor. A sala de medicamentos foi interditada pela vigilância sanitária por falta de ventilação.

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UPA do Núcleo Bandeirante
A situação é de abandono na UPA do Núcleo Bandeirante. O descaso começa pelas cadeiras de rodas sem apoio para os pés, passa por equipamentos importantes encostados e chega aos problemas estruturais, dos quais há até buracos no chão que engolem o pé de uma pessoa.

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UPA de Samambaia
A ausência de manutenção é um problema da UPA de Samambaia. Há macas com ferrugem, cadeiras rasgadas e computadores velhos. Os profissionais também são insuficientes para atender os pacientes.

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UPA Recanto das Emas
As fotografias e a descrição dos responsáveis pela vistoria revelam que os monitores cardíacos apresentam problemas na sala vermelha, a que abriga pacientes mais graves, da UPA do Recanto das Emas. Não há contrato de manutenção para os equipamentos, segundo o documento.

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Sindicalistas atacam
O presidente do Sindicato dos Médicos (SindMédico), Gutemberg Fialho, diz não ter se espantado com o teor do relatório produzido pela equipe emedebista. “Nós passamos os quatro anos da gestão Rollemberg denunciando a desassistência no aumento de óbitos evitáveis, mas nada foi feito”, ataca.

O sindicalista afirma estar confiante na melhoria da rede durante a gestão de Ibaneis Rocha mas ressalta que o início da resolução dos inúmeros problemas na saúde pública passa pela contratação de mais profissionais. “Só de médicos, o déficit é de 3,5 mil profissionais. Não adianta querer melhorar a saúde sem antes recompor os recursos humanos e o abastecimento remédios”, opina Gutemberg.

Já a presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde (SindSaúde), Marli Rodrigues, acredita que o grande erro da gestão socialista foi “abandonar” os investimentos na hospitalização e emergência.

“A saúde primária é fundamental na engrenagem da saúde, mas você não pode sucatear as emergências e os atendimentos ambulatoriais, como fez Rollemberg. Depositamos uma grande confiança para que ele possa fazer diferente e realmente trabalhar para ofertar uma saúde pública digna aos moradores de Brasília.”

Penumbra
A penumbra nos leitos públicos poderia ter sido amenizada caso o governo local investisse o dinheiro disponível. Como revelou o Metrópoles, mesmo com recursos liberados, o Governo do Distrito Federal deixou de comprar medicamentos e equipamentos, além de não implementar melhorias no sistema público de saúde.

Segundo análise do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a execução do orçamento na saúde e em outras cinco áreas consideradas sensíveis foi vista como inadequada.

Na época, a reportagem mostrou que até o primeiro trimestre de 2018 havia autorização para gastar R$ 680 milhões referentes a recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, R$ 361 milhões (53%) não se reverteram em benefícios à população e ficaram represados nos cofres oficiais.

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