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Do Paranoá a Ceilândia, pacientes sofrem em longas filas nos hospitais

No plantão noturno, a dificuldade é ainda maior. Brasilienses relataram espera de até 10 horas por atendimento nas unidades de saúde

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Fila em hospital
1 de 1 Fila em hospital - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A dificuldade de Matheus da Costa, 20 anos, em conseguir uma cirurgia de hérnia inguinal é o retrato do descaso. Foram três tentativas para fazer a operação, mas em nenhum delas o estudante foi recebido por um médico. Em todos os casos, conforme ele contou, o hospital confirmou que iria realizar o procedimento. O paciente ficou em jejum e sem beber água por 12 horas, mas a resposta ao cobrar o atendimento era sempre a mesma: “Não tem cirurgião”.

Morador do Riacho Fundo I, Matheus saiu de casa na tarde de quarta-feira (10/10), de ônibus, com destino ao Hospital Regional do Paranoá (HRPr). A hérnia na região próxima à virilha provoca dores incapacitantes no jovem, que joga em um time de futebol amador e está perdendo partidas do campeonato pela falta de tratamento. A jornada do estudante em busca da operação já começou com dificuldades. Após várias tentativas frustradas de agendar uma consulta com um especialista, ele precisou pagar R$ 300 em uma clínica particular a fim de conseguir o encaminhamento para a cirurgia.

“Estou morrendo de sede e de fome, mas não posso comer nem beber água. A cirurgia estava marcada para as 19h, já são mais de 20h e eu não fui chamado nem para a triagem ainda. Estou com medo de ir embora e perder o meu direito. Quando pergunto para um funcionário, só me dizem para esperar, que vão me chamar. Foi assim das outras vezes”, narra.

A dificuldade de tratamento que Matheus enfrenta se repete DF afora. Longas filas e esperas intermináveis fazem parte da vida dos pacientes que dependem das unidades de saúde pública do Distrito Federal. Quem precisa de atendimento à noite vive drama ainda pior.

O Metrópoles visitou hospitais públicos de quatro cidades durante o plantão noturno de quarta-feira (10) e encontrou demora de até 10 horas para o cidadão se consultar com um médico.

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Matheus da Costa, 20 anos, compareceu pela terceira vez ao hospital para tentar realizar uma cirurgia de hérnia

 

A reportagem passou pelos hospitais regionais do Paranoá, Taguatinga (HRT), Ceilândia (HRC) e Samambaia (HRSam). Em todas essas unidades, os pacientes enfrentavam dificuldades logo na chegada, pois o sistema de cadastro dos usuários ficou fora do ar durante a manhã e a tarde.

Todas as fichas tiveram de ser feitas à mão pelos funcionários e, quando o software voltou a funcionar, de acordo com o relato de pessoas que esperavam em todas as unidades visitadas, foi preciso refazer o preenchimento de forma eletrônica. “Mandaram a gente fazer de novo. Quem garante que o nome não voltou para o fim da fila?”, questionou Maria José de Sousa, 59, que acompanhava o cunhado.

Febre de 40°C
No HRPr, três clínicos e dois cirurgiões dividiam-se entre os pacientes internados e um pronto-socorro lotado. O montador de tendas Marcos Conceição, 43, deu entrada na unidade às 14h de quarta (10/10). Às 20h, nem sequer havia passado pela triagem.

Acomodado em uma das cadeiras com assento e encosto danificados, com duas blusas de frio e quase 40ºC de febre, Marcos também sentia dores por todo o corpo e estava há quase uma semana sem trabalhar devido aos sintomas. Na última vez que procurou a unidade, desistiu de esperar e voltou para casa sem nenhum encaminhamento.

História parecida viveu o desempregado Edson Santos, 48. Ele já dormiu no hospital após um pico de pressão de 19 por 12, quando esperou das 14h à meia-noite no HRPr, há cerca de um mês. Nessa quarta, teve a pressão aferida em um posto de saúde no Itapoã, e a medição apontou que o problema persistia.

Edson recebeu uma cartela de medicamentos e foi encaminhamento para o hospital. “Não tomo remédio para controlar, até porque preciso saber do médico o que ele vai me recomendar. Me deram uma cartela de Losartana [remédio para o controle da hipertensão], mas não sei o que fazer com isso, se é para tomar ou para esperar”, conta o desempregado, que reclama da falta de orientação.

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Taguatinga
O estudante Marco Vitor de Sousa Melo, 19, tem peregrinado pelos hospitais da rede pública de saúde do Distrito Federal em busca de um diagnóstico para seu inchaço no pé. Segundo conta, a inflamação começou três semanas atrás, após uma festa rave. Morador de Sobradinho, ele relata que já foi cinco vezes ao Instituto Hospital de Base (IHB), o maior hospital público do DF, e não encontrou problemas para ser atendido, mas apenas recebia medicação e era liberado.

Fiz 10 raios-x, e os médicos disseram que eu não tinha nada. Cansei de ir até o Hospital de Base e me falarem a mesma coisa, sendo que o meu pé está cada dia mais inchado. Vim para Taguatinga, para ver se outro médico sabe me dizer o que está acontecendo

Marco Vitor, estudante

Com um caroço no peito, o marceneiro David Ferreira, 34, procurou o HRT pela segunda vez com o mesmo sintoma, nessa quarta-feira (10). O trabalhador chegou ao local às 15h e, até as 21h, não havia sido chamado para a triagem. “Tive de fazer a ficha duas vezes, porque o sistema estava fora do ar. Da última vez, não me mandaram fazer nenhum exame, só me deram remédio para dor e me liberaram”, lembra.

Ceilândia
No Hospital Regional de Ceilândia, a maior cidade do Distrito Federal, muita confusão. Nenhum paciente tinha o nome chamado para o procedimento da classificação de risco. Ao perceberem que ninguém estava sendo acionado nominalmente e a ordem de chegada não era obedecida, os usuários formaram uma fila na porta da sala de triagem.

“Estou aqui faz duas horas. Só percebi agora que não estão chamando ninguém e as pessoas estão indo direto para a sala. Minha filha machucou o joelho e acho melhor o médico dar uma olhada. Hoje [o hospital] está muito bagunçado, normalmente é mais organizado”, comentou Maria Aparecida de Lima.

Pai da pequena Beatriz, 6, o comerciante César Freitas, 40, levou a filha ao HRC após ela cair de uma escada e quebrar o braço. Com uma etiqueta laranja no pulso, a menina demorou mais de três horas para entrar no consultório. “A minha esposa ligou no Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] e disseram que não tinha ambulância. Elas estavam na casa da minha sogra e eu tive de sair correndo para buscá-la e trazê-la aqui. Está muito desorganizado”, reclamou César.

Samambaia
Com apenas um clínico no pronto-socorro, quem se dirigia ao Hospital Regional de Samambaia recebia o aviso de demora já na entrevista de triagem. Na unidade, o movimento era pequeno: apenas três pessoas aguardavam atendimento no local, entre elas José Soriano, paciente renal crônico encaminhado por uma clínica com pedido de internação urgente.

José era acompanhado por funcionários dessa unidade de saúde particular, os quais confirmaram ter ouvido, durante a classificação de risco, que não havia qualquer previsão de atendimento.

Edilson Rodrigues preferiu não esperar. Ele procurou o HRSam após sentir dores intestinais que o incomodam há mais de uma semana. “Disseram que pode demorar uma hora ou 10, acho melhor ir embora e voltar depois”, concluiu.

Valbner de Novais, 33, resolveu aguardar pela consulta dentro do carro. Com dores, calafrios e tontura, ele preferiu ficar sob cobertores, no interior do automóvel. Três de seus quatro filhos tiveram os mesmos sintomas e se recuperam em casa. “Cheguei às 21h e vou esperar até a meia-noite. Se eu não conseguir, o jeito é ir embora.”

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Valbner de Novais, 33 anos, preferiu esperar o atendimento dentro do carro. Com dores e calafrios, ele ficou sob cobertas, no interior do automóvel

 

Outro lado
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informou que tem se empenhado em nomear profissionais para reforçar o atendimento nos serviços de emergência da rede pública do DF. De acordo com a pasta, o Governo do Distrito Federal convocou 88 médicos emergencistas e prevê novas nomeações ainda para 2018.

Os profissionais empossados foram lotados nas unidades de pronto-atendimento (UPAs) de Sobradinho, Ceilândia, Recanto das Emas e Samambaia, e também nos hospitais regionais de Ceilândia, Gama, Brazlândia e Asa Norte. Há outros 100 emergencistas, nomeados em 26 de setembro, aguardando o prazo para tomar posse, que ainda está vigente.

A direção do Hospital Regional do Paranoá pontuou que a escala do plantão noturno dessa quarta-feira (10/10) contou com três clínicos e dois cirurgiões, com atendimento sem restrições a pacientes chegando e a internados. Três enfermeiros atuavam na triagem. A depender da demanda de pessoas com quadros graves, os casos de classificação amarela tendem a esperar até que esses usuários sejam estabilizados.

A direção do Hospital Regional de Ceilândia informou que quatro ortopedistas atenderam na noite de terça (9). De acordo com a direção esclareceu, a lentidão na prestação do serviço ocorreu devido à instabilidade do prontuário eletrônico, o que motivou o preenchimento das fichas manualmente.

A Coordenação Especial de Tecnologia da Informação da Secretaria de Saúde providenciou, ainda na terça-feira, o reparo no sistema. Em razão dessa instabilidade momentânea, alguns pacientes preencheram a ficha de atendimento por duas vezes – uma por via eletrônica e outra à mão.

Já a direção do Hospital Regional de Taguatinga garantiu: um clínico atendeu aos pacientes internados e aos casos graves que davam entrada na unidade. Três ortopedistas estavam no plantão, o qual não registrou intercorrências, de acordo com a unidade de saúde.

A direção do Hospital Regional de Samambaia informou que um clínico atendeu aos casos com pulseira vermelha e aos pacientes internados na noite de terça (9). Aqueles classificados como de menor gravidade foram orientados a procurar a UPA de Samambaia.

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