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Com gabarito maior e sem residências, Conplan aprova polêmico projeto do SIG

Pressa para alterar usos e normas de ocupação do Setor de Indústrias Gráficas é criticada por especialistas e entidades

atualizado

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Michael Melo/Metropoles
SIG setor industrias graficas
1 de 1 SIG setor industrias graficas - Foto: Michael Melo/Metropoles

O Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan) aprovou com ressalvas, nesta quinta-feira (25/07/2019), minuta do polêmico projeto de lei complementar (PLC) que define novos parâmetros, aumenta o gabarito e flexibiliza usos e normas de ocupação do solo do Setor de Indústrias Gráficas (SIG) . Agora, a proposta será enviada à Casa Civil para ser finalizada e, posteriormente, à Câmara Legislativa para aprovação. A autorização para que a área seja residencial também ficou para discussão posterior, durante a atualização do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub).

A chamada Lei do SIG amplia os usos dos lotes, atualmente restritos a atividades bancárias, de radiodifusão e impressão de jornais e revistas. Com a proposta, passam a ter permissão para se instalar no setor empresas imobiliárias, de consultoria, arquitetura, advocacia e engenharia, agências de viagem, comunicação e tecnologia da informação, entre outras. Comércios de pequeno porte, escolas e empresas do ramo alimentício também serão enquadradas na legislação. O texto autoriza prédios de até 15 metros de altura no SIG. Atualmente, o limite é de 12 metros.

A subsecretária de Planejamento Ambiental e Monitoramento da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Maria Silvia Rossi, questionou o uso residencial. “Quando há moradias, paulatinamente você tem interesse social. Existem implicações graves em ter uso residencial além de impactos seríssimos à saúde. Não é uma área propícia à qualidade de vida.”

A pressa do GDF para alterar usos e normas de ocupação do SIG contraria especialistas e entidades de arquitetura e urbanismo, colocando em evidência a sobreposição de prioridades da população em razão de interesses de um seleto grupo. De 68 lotes consultados pela reportagem em escrituras do Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis, 44 pertencem a seis grupos empresariais ou instituições privadas, segundo dados da Receita Federal do Brasil.

Os terrenos fazem parte, de acordo com o Fisco, do patrimônio da família de Pedro Camilo Valadares Gontijo, da Vagon Engenharia Civil; de Fernando Costa Gontijo, da Imperial Gold Participações Imobiliárias; de seis integrantes da família Skaf, proprietária da Soheste Empreendimentos Imobiliários; do empresário Paulo Octávio; do Correio Braziliense; e de Edson Elias Alves da Silva, proprietário da EEE Empreendimentos. Soma-se a esse núcleo de poderosos um pool de advogados que mantêm escritórios em prédios no SIG, como o Edifício Barão de Mauá, na Quadra 4. As mudanças dão a eles o direito de ampliarem suas atividades e adicionarem mais andares aos prédios já existentes.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou ao Metrópoles que, por meio da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb), vai acompanhar de perto todo o processo.

 

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Críticas

O apressar do passo na aprovação das mudanças é reprovado pelo grupo Urbanistas de Brasília. Para a arquiteta e integrante da entidade Romina Capparelli, as alterações não poderiam ser apartadas dos estudos do PPCub, especialmente porque a região faz parte da área tombada da capital.

Isso está no bojo do PPCub. Por que priorizar as mudanças em uma só região? Estão dando a entender que o PPCub e a área tombada de Brasília podem ficar para depois. Fica claro nesse assoberbamento que o GDF cede à pressão de empresários que visam ao lucro e a escritórios de advocacia que querem se instalar na região

Romina Capparelli, arquiteta

Para ela, as consequências da pressa são incalculáveis. “Quando você aumenta um pouquinho aqui, um pouquinho ali, abre um escritório, outro, o impacto no trânsito não é visto de imediato, ele vai aparecendo ao longo dos anos. Sem planejamento e sem um estudo único que faça essas previsões e dê soluções, a região pode ficar insustentável”, alerta.

Genro de Oscar Niemeyer e arquiteto, Carlos Magalhães também reprova a análise do SIG em separado e em regime de urgência. Para ele, as mudanças na região central de Brasília precisam ser estudadas em conjunto, pois os efeitos ocorrem em cascata.

Para Magalhães, o projeto de lei do SIG é uma “barbaridade”. “Lutei muito pela preservação de Brasília. Hoje, fico olhando de longe, porque não quero chegar perto dessa gente que só pensa no lucro imediato. Eu, que sou velho, não deveria pensar no futuro, mas penso. Esse governo, não.” Segundo ele, mudanças no SIG não podem estar desconectadas da análise do PPCub.

Recomendações

A reunião do Conplan desta quinta-feira (25/07/2019) foi presidida pelo secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus de Oliveira. Inicialmente, os conselheiros conheceram a proposta que foi apresentada pela relatora Carolina Baima, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil no Distrito Federal (IAB-DF), e pelo relator Ovídio Maia, vice-presidente da Fecomércio-DF.

Nas recomendações feitas na minuta do projeto de lei complementar, a relatora sugeriu, entre outros pontos, a inclusão do uso residencial nas Quadras 3, 6 e 8, em edifícios de uso misto (com comércio e serviços no térreo), conforme sugestão feita também pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “A Seduh, por sua vez, entende que é um debate importante, mas ele não será incluído nesse momento. Iremos considerar as recomendações para a inclusão dos usos residenciais para debates quando o PPCUB voltar a ser discutido”, disse o secretário Mateus de Oliveira.

O parecer técnico do Iphan aprovou a proposta do PLC, considerando que “a flexibilização respeita um processo histórico e não coloca em risco a preservação do Conjunto Urbano de Brasília (CUB)”. Com as adequações, a votação pela aprovação do PLC foi unânime.

Quem são os donos do SIG?

No começo de Brasília, famílias de diversas partes do mundo chegaram à nova capital para estabelecer negócios, e muitas investiram no SIG. Desde as primeiras escrituras registradas em cartório na região, em 1977, os terrenos passaram por alterações. Alguns empresários faliram, outros adquiriram ainda mais lotes na área para atividades distintas, muitas sem previsão na Norma de Gabarito do SIG.

De acordo com as escrituras dos terrenos analisadas pelo Metrópoleso empresário Paulo Octávio, por exemplo, é dono de 11 áreas no SIG. O nome dele aparece como comprador dos lotes 570, 580, 590, 905, 915, 925, 935, 945, 955, 965 e 975. Parte desses terrenos Paulo Octávio adquiriu no leilão da antiga TV Manchete. Há um prédio onde ficava o curso preparatório para concursos Gran Cursos. A edificação foi projetada por Oscar Niemeyer. O empresário também comprou a área em que estava lotada a sede do extinto Jornal da Comunidade.

Em 2009, uma nova família passou a figurar entre os empresários do SIG: a família Skaf, dona da Soheste Participações e Empreendimentos Imobiliários. Hoje, tem quatro lotes na região, todos comprados da Politec Incorporadora em abril de 2009, segundo escrituras registradas em cartório. Os lotes 530, 540, 550 e 560 ficam na Quadra 2 do SIG. O valor de cada um foi de R$ 3 milhões. David José Skaf, Dalva Duarte Skaf, José David Skaf, Sarah Alexandra Skaf, Patrícia Skaf e Priscilla Skaf são os donos da empresa.

No ano seguinte, em 2010, de acordo com escritura pública registrada no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis do DF, o empresário Fernando Costa Gontijo comprou os 10 lotes que pertenciam ao Jornal de Brasília. A Imperial Gold Participações Imobiliárias pagou R$ 950 mil por quatro deles – os de número 585, 595, 605 e 615 – após o terreno ter sido garantidor de diversos empréstimos junto ao Banco de Brasília (BRB).

Pelos registros, a Imperial Gold comprou ainda os lotes 625, 635 e 645 por R$ 1,9 milhão. Além de ser o dono dos terrenos legalmente, Fernando Gontijo é o empresário que comprou o triplex no litoral atribuído ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e associado à prisão do petista após condenação na Lava Jato.

Em 15 de maio de 2018, Gontijo ofereceu o único lance, de R$ 2,2 milhões (valor mínimo), no leilão marcado pela Justiça para a venda da propriedade. O triplex foi arrematado cinco minutos antes do fim da primeira etapa do certame virtual.

Da estrutura original do SIG, com escritura datada de 1977, há ainda o Jornal Correio Braziliense, dono de nove lotes. Naquele ano, o periódico foi adquirido por José Arimathéa Gomes Cunha, o Ari Cunha, que morreu em julho de 2018. Com sucessivas negociações de dívidas com o Banco de Brasília, o jornal, hoje, amarga um dos débitos mais altos de sua história, conforme consta da escritura.

Na última negociação, em 12 de maio de 2016, o imóvel foi alienado fiduciariamente (dado como garantia) à empresa Pentágono S/A Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, com sede no Rio de Janeiro. O agente é garantidor de debenturistas em uma dívida no valor de R$ 56 milhões, crédito emitido mediante a escritura de 56 debêntures.

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