metropoles.com

Amiga de Necivânia: “Eles não podem mais acabar com nossas vidas”

Moradores da rua onde a manicure e estudante de enfermagem morava lamentam a violência contra a mulher, morta pelo ex-companheiro

atualizado

Compartilhar notícia

Hugo Barreto /Metrópoles
Feminicidio-Santa-Maria-4
1 de 1 Feminicidio-Santa-Maria-4 - Foto: Hugo Barreto /Metrópoles

O clima na rua onde Necivânia Eugênio de Caldas, 37 anos, foi morta pelo ex-companheiro, em Santa Maria, é de tristeza e revolta. Amiga da família há mais de 20 anos, Socorro Carvalho, 61, disse que viu Vânia, como era conhecida, crescer. “Era uma mulher e tanto. Uma mãe dedicada. Estudiosa e trabalhadora. Estava se formando em enfermagem e, com certeza, seria uma ótima profissional. Ela era extremamente cuidadosa.”

De acordo com Socorro, os parentes e colegas, agora, esperam que Francisco Dias Borges, 37, ex-marido de Necivânia e preso em flagrante pelo crime, permaneça detido. O assassinato ocorreu na tarde de quinta-feira (14/11/2019). “É muito ruim saber que não a teremos mais entre nós. Fica o trauma. Se não estava dando certo, que fosse cada um viver para o seu lado”, opinou.

E deixou uma mensagem forte, principalmente em um momento em que o número de feminicídios cresce no DF: “Os homens não podem mais acabar com as nossas vidas por que não aceitam o fim de um relacionamento”.

Uma moradora da rua, que preferiu não se identificar, tinha acabado de almoçar quando ouviu os gritos embaixo de casa. “Eu desci correndo. Achei que fosse um assalto. Quando cheguei ao meu portão, presenciei os vizinhos com uma grade sobre o homem e batendo no culpado. Quando olhei mais a frente, estava o corpo da vítima caído. Eu gritei para conseguirem uma corda para ele não escapar.”

“Como mulher, eu me coloquei no lugar dela. Uma cena chocante. Aqui é uma quadra tranquila. Querendo ou não, nós ficamos receosos com essa violência debaixo dos nossos olhos”, aponta a moradora. O caso está sendo investigado pela 20ª Delegacia de Polícia (Gama).

Denúncia

Pai de Necivânia, Manuel Eugênio viu a manicure ser assassinada pelo ex-genro, em Santa Maria. Ele estava tomando café na esquina quando tudo ocorreu, na tarde de quinta-feira (14/11/2019). “Não era homem para a minha filha. Ela havia ido horas antes na delegacia denunciá-lo. A polícia iria atrás dele, mas antes disso, conseguiu matar a minha Vânia [como a vítima era conhecida]. Eu ainda disse a ela que temia que isso fosse acontecer. A Vânia dizia que não. Que não existia essa possibilidade”, lamentou.

O pai ainda comentou que a filha era reservada e não comentava muito sobre o relacionamento. “Ela era mais na dela. Não sabemos o que acontecia entre os dois. Mas já havíamos pedido pra ela largar ele. Voltar para casa. Nunca apoiei o casamento.”

Menos de 24h após ver Vânia ser morta a facadas, o irmão mais novo da vítima, o vendedor ambulante Adaílton Eugênio de Caldas, 33, que também foi esfaqueado pelo agressor, conversou com o Metrópoles. “Ele tirou a vida da minha irmã. Nada explica isso. Não há perdão para um desgraçado desse”, disse, na manhã desta sexta-feira (15/11/2019).

Adaílton contou os momentos de terror que viveu. Ele diz que ouviu o sobrinho de 8 anos, que estava na garupa da moto da mãe, gritar por socorro. Quando correu para ver o que estava acontecendo, se deparou com Francisco segurando um facão. “Nesse momento, a minha irmã já estava no chão. Fui em direção a ele e, ao tentar desviar, desequilibrei e caí”, contou.

Adaílton foi levado ao Hospital Regional de Santa Maria pelo Corpo de Bombeiros e teve alta na manhã desta sexta-feira (15/11/2019). “Eu escapei. Graças a Deus. Agora fica a revolta pela minha irmã, pelos meus sobrinhos. Eles estão inconsoláveis. A mais nova, filha desse relacionamento, já está sabendo que a mãe não vai mais voltar”, destacou.

0

 

Vizinhos registraram o momento em que populares tentaram linchar o ex-companheiro de Necivânia. As imagens são fortes e mostram um grupo revoltado pisoteando e chutando a cabeça do homem. Na gravação (veja abaixo), também é possível observar Necivânia caída no chão, ainda de capacete. Ela conduzia a sua moto, uma Honda Bis, com o filho de 8 anos, no momento em que foi abordada por Francisco. Ele a derrubou do veículo e a esfaqueou no peito, embaixo do braço esquerdo e na costela.

Veja o vídeo abaixo:

O homem, que foi preso em flagrante, estaria esperando a vítima na quadra, ainda conforme o relato de testemunhas. Necivânia tinha ido cortar o cabelo do menino e voltava para casa, quando foi atacada.

Covardia

A cada 10 dias, uma mulher é vítima de feminicídio no Distrito Federal. A maioria dos algozes têm histórico criminoso, são presos e, quando são soltos, matam as vítimas. De 1º de janeiro a 7 de novembro, foram registrados 28 casos, número equivalente a todo o ano passado. Entre eles, 67,8% dos autores já tinham passagens por delegacias, segundo dados inéditos da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) obtidos pelo Metrópoles. Sete já haviam sido detidos pela Lei Maria da Penha e 12, por outros delitos.

Ainda de acordo com o último levantamento feito pela PCDF, dos 28 assassinatos, os responsáveis foram indiciados em 23 ocorrências. Duas investigações seguem sem conclusão, e três homens tiraram a própria vida após o crime. O índice de 93% dos inquéritos finalizados se deve, em boa parte, ao protocolo especial aberto pela polícia.

Neste 2019, o Metrópoles iniciou um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.

O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.

Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comDistrito Federal

Você quer ficar por dentro das notícias do Distrito Federal e receber notificações em tempo real?