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Que “região administrativa” o quê? Cidade-satélite tem história

Dois pesquisadores propõem a volta da antiga denominação dos núcleos urbanos ao redor do Plano Piloto. RA não quer dizer coisa nenhuma

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1 de 1 praca relogio - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Acreditando que estava fazendo bonito, que estava sendo politicamente correto, o então governador Cristovam Buarque determinou que a denominação cidade-satélite fosse banida dos documentos oficiais. E que fosse substituída pela burocrática, comprida e enfadonha “região administrativa”, já reduzida para RA (Erre-A). Além de tudo, é desprovida de sentido simbólico. É um nada dizendo coisa nenhuma.

O então governador acreditava que a palavra “satélite” trazia em si um demérito para as cidades construídas ao redor do Plano Piloto. A Lua e os 18 anéis de Saturno por certo ficariam ofendidos se disso soubessem. O ex-reitor, ex-governador, ex-ministro da Educação e ex-senador deve ter se inspirado na acepção mais pejorativa da palavra: a de uma pessoa “que, completamente devotada a outra (por amizade ou por dinheiro e interesses), a acompanha sempre e com ela se acumplicia na prática de boas ou más ações” (Houaiss). Alguém desprovido de personalidade, um cúmplice, um puxa-saco, um maria vai com as outras.

Com a proibição do termo “satélite”, pretendia-se fazer frente à segregação social e espacial tão fortemente inscrita no território da capital federal. Abandonando a palavra, as cidades que contornam o Plano Piloto se transformariam em localidades autônomas e portadoras de identidade própria. O Distrito Federal continua sendo o território mais espacialmente desigual do Brasil – onde ricos e pobres, brancos e pretos não se misturam.

Daniel Ferreira/Metrópoles

A singularidade de cada um dos 30 núcleos urbanos que rodeiam a área tombada não está vinculada à designação oficial ou popular – se região administrativa, Erre-A ou cidade-satélite, ou ainda, satélite. Talvez pelo fato de serem nucleares e devidamente distanciadas do Plano Piloto (numa perversa divisão territorial), as cidades que rodeiam a invenção de Lucio Costa têm personalidade própria, e seus moradores delas muito se orgulham. A maioria nasceu para abrigar brasileiros que vieram em busca de um cadinho da utopia – de emprego, casa, assistência médica.

Ao pé da letra, o Lago Sul é uma cidade-satélite; o Park Way, idem. O Jardim Botânico, também. São todos aglomerados urbanos que gravitam em torno do Plano Piloto, muito embora a renda média domiciliar do Lago Sul, por exemplo, supere razoavelmente a da área central de Brasília.

A denominação cidade-satélite não foi invenção de Lucio Costa. Já existia em Portugal. Sintra, por exemplo, é uma satélite de Lisboa. Matosinhos é uma satélite da cidade do Porto. Cidade Satélite, assim sozinha e sem hífen, é nome de um conjunto residencial de Natal (RN).

Cidade-satélite é uma denominação com lastro na história de Brasília. No recém-lançado livro “Território e Sociedade: as múltiplas faces da Brasília metropolitana”, Aldo Paviani e Sérgio Jatobá propõem resgatar o nome que nasceu com a cidade. Passados mais de 20 anos da proibição governamental, satélite é uma expressão tão brasiliense quanto carai, véi.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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