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Satélites ou RAs, pouco importa. Há vida, cultura e luta fora do Plano

A noite ferve nas satélites. E os movimentos culturais resistem de dia e de noite. É fora do Plano onde esta crônica pretende estar

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Kácio Pacheco/Metrópoles
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1 de 1 vida-apos-o-plano-piloto - Foto: Kácio Pacheco/Metrópoles

São 30 as luas que orbitam o Plano Piloto, pelo menos por enquanto. A galáxia modernista é diversa, desigual e as cidades-satélites são quase desconhecidas umas das outras. Quem mora na maquete de Lucio Costa pouco ou nada conhece das outras RAs (pronuncia-se Érre-As, o jeito menos aborrecido de dizer Região Administrativa).

Quase todas nasceram contra a vontade dos deuses que inventaram Brasília. Nem Lucio nem Oscar nem Juscelino nem Israel – ninguém queria saber de outros objetos celestes que perturbassem a soberania solar da nova capital. Mas, como as coisas são como são e não como gostaríamos que fossem, a nova morada da perfeição nasceu imperfeita.

Nordestinos, nortistas, goianos, mineiros forçaram a porta do paraíso e cá estão. São eles, mais outros tantos brasileiros de outras regiões, que fizeram da maquete um lugar de verdade, uma cidade feita de muitas cidades, de muitas culturas, de muitos sabores, de muitos sotaques, uma síntese babilônica do Brasil.

Juntar as 30 cidades-satélites + o Plano Piloto numa unidade minimamente coesa não é fácil. Por isso, divirto-me com a Melô do DF (400 mil visualizações). TJ Fernandes teve a pachorra de fazer versos, fantasiar-se ao modo mais característico das cidades e gravar uma cena em cada uma delas.

“Se o trânsito é minha sina/Se eu moro quase na China/É que eu sou de Planaltina, de Planaltina!/Se o papai paga a ‘facul’/Se no combo tem Red Bull/Eu moro no Lago Sul, no Lago Sul!/Se à noite não ando só/Se dos playboy tenho dó/É que sou do Setor O, do Setor O!/Se a EPTG você xinga/Não anda nem com mandinga/Você mora em Taguatinga, em Taguatinga!”

O mais legal disso é que o Lago Sul, o Lago Norte, o Park Way e o Sudoeste são cidades-satélites tanto quanto o Recanto, a Candangolândia e a Fercal. Todas elas contornam o Plano Piloto e têm administrações próprias. Só que são chamadas apenas de regiões administrativas. Satélite fica para Santa Maria, Riacho I, Riacho II, Planaltina, Ceilândia.

E ainda tem a quebrada da quebrada, que GOG canta em Brasília Periferia I e Brasília Periferia II. São os bairros dos municípios que contornam o DF – Morro Santa Rita, Nova Friburgo, Mesquita, Parque Mingore… Lugares onde cidadania é palavra de língua estrangeira. O rapper da perifa candanga canta com voz rude como a realidade: “Periferia é periferia em qualquer lugar”.

Mas aqui, GOG, há uma diferença brutal: a quebrada é vizinha dos três Poderes e da maior renda per capita do país. Somos a mais desigual das cidades brasileiras. E quando digo “cidade”, faço meu o sentimento dos que moram nas 30 RAs: todos moramos em Brasília – do jeitinho que está escrito nas placas dos carros.

Brasília, a grande Brasília, tem cidade histórica, cidade moderna, cidade horizontal, cidade vertical, cidade que nasceu do lixo, cidade que nasceu na beira do lago, cidades grandes, cidades pequenas, cidades em altiplano, cidades em esburacados, cidade em encosta de morro, cidade fria, cidade quente.

Cidade do hip-hop, do forró, da folia, da poesia, cidades goianas, cidades nordestinas, cidade Noruega, cidade Haiti. E em muitas delas a noite é surpreendente: bares, lounge bar, boates, casas de samba, tabacarias, pubs, quiosques, escondidinhos, lugarezinhos. A noite ferve nas satélites. E os movimentos culturais resistem de dia e de noite.

Há vida, cultura e resistência fora do Plano. É fora do Plano onde esta crônica pretende estar no mais das vezes.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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