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Nosso racismo é analfabeto – e de direita, esquerda, cristão, feminista…

Há racismo em todos os movimentos brasileiros, o Brasil é estruturalmente racista, não escapa ninguém

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Ela citou a raça de um réu ao condená-lo por organização criminosa
1 de 1 Ela citou a raça de um réu ao condená-lo por organização criminosa - Foto: Reprodução

Segunda-feira (19/10), uma mulher foi presa no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, por ter chamado um homem de “macaco”.

Ao ser abordada pelos policiais, alguns negros, ela, com um copão de cerveja na mão, disse com toda certeza do mundo, em voz alta, se sentindo a própria Cardi B fazendo stories:

“Que mané macaco, eu chamei de orangotango”.

O racismo brasileiro é, além de tudo, analfabeto?
Seria um ótimo título pra esse texto. Mas é que piora. As próximas linhas trazem algo ainda pior.

O racismo brasileiro é analfabeto, se você é analfabeto; de esquerda, se você é de esquerda; econômico, se você é dono de banco. É cristão, se você é pastor; é feminista, se você é mulher branca; é LGBT, pelos mesmos motivos; é de direita, ÓBVIO que é.

A mulher que chama o homem de orangotango e AINDA SE DEFENDE, reitera, dizendo que isso não era macaco, “foi interpretação do ofendido”, revela que além de racista é ignorante das espécies. Medo de soltar essa mulher no meio dos orangotangos e ela chamá-los de cachorros. Essa mulher, em um zoológico, é vexame certo. Mas você sabe que eu tô de ironia, há uma questão aqui.

Ela SABE que o bicho ao qual se refere é um macaco. E SABE que isso é, acima de tudo, reduzir a pessoa para uma condição sub-humana.

O pior dessa afirmação racista é ela se achar no direito de dizer QUEM É HUMANO, COMO ELA, E QUEM NÃO. Ela, chamando aquele homem do bicho que quisesse, estava por fim desumanizando o homem, E É ISSO QUE O RACISMO FAZ.

Há racismo em todos os movimentos brasileiros, o Brasil é estruturalmente racista, não escapa ninguém.
Seja essa mulher na Lapa, seja Fernando Haddad, apagando sua piada racista, dizendo sobre o Casa Grande, que criticou Robinho, o estuprador:

“Tem Casa Grande que vale a pena”, ou algo próximo a isso, eu não quero saber.

A esquerda e a direita são racistas, seja a esquerda porque insiste em silenciar os militantes negros, e muitas vezes até mesmo BOICOTAR suas candidaturas, seja a direita que incorpora negros em suas fileiras para que neguem a escravidão e a desigualdade de origem racial.

Nesses dias, eu estava assistindo “Watchmen”, no Netflix. Nunca sei se é “no” Netflix, ou “na” Netflix. Netflix é maior gênero neutro aí, ó. É “ne” Netflix.

Primeiro capítulo da série remonta o Massacre de Tulsa, em 1921, Oklahoma.

A escravidão nos Estados Unidos se desfez de maneira diferente de no Brasil. É complexo, mas você precisa saber que lá alguns ex-escravos conseguiram criar uma pequena classe média. Desse fenômeno, nascem pontos de desenvolvimento econômico de pessoas negras. Para pessoas negras.

Tulsa era conhecida como a Black Wall Street. Negócios, serviços, negros com poder econômico, entrando no sistema, começando a crescer no país, abrindo empresas, bancos, emprestando dinheiro para novos empreendedores negros altamente qualificados. Falamos aqui da geração de empreendedores negros de Madam C.J. Walker e Maggie L. Walker, primeira mulher norte-americana a abrir um banco nos Estados Unidos e ser presidente do banco, eu disse:

PRIMEIRA
MULHER
NORTE-AMERICANA
A ABRIR UM BANCO NOS ESTADOS UNIDOS.

Pois no primeiro capítulo de “Watchmen” o Massacre de Tulsa é recriado. Brancos que se incomodaram com o crescimento econômico dos negros mobilizaram a Klu Klux Klan para matar todos os empresários e incendiar a cidade. Destruíram Black Wall Street.

Isso foi real.
Fizeram isso com os judeus na Alemanha, e você já ouviu essa história ALGUMAS vezes, mas sobre Tulsa, nada. A história negra é apagada.

Mas o que vemos é o racismo econômico, muito debatido na academia.

Essa semana, uma declaração de uma dona de banco ganhou as redes.
Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, disse, em entrevista no Roda Viva, que tinha um “problema” para encontrar lideranças negras para a sua equipe. Veja bem:

Ela dizer isso não é problema algum. Isso é um fato, advindo do racismo estrutural. O problema é ela dizer que a contratação de pessoas negras seria como “NIVELAR POR BAIXO”, pois essas pessoas “trariam mais problemas que soluções”.

Em suma: o NuBank não contrata preto porque não os considera capazes, e não investe em quadros, como por exemplo Magalu, e deixa rolar que o Estado brasileiro, se quiser, um dia resolva as questões sociais por cotas, coisas que o grupo da Junqueira, das fintechs, diz que tem que acabar, porque são devotos da meritocracia.

A própria Junqueira diz-se adepta do “novo capitalismo”, tem família tradicionalmente ligada ao agronegócio, parente na Secretaria de Agricultura em São Paulo, família com poder e patrimônio, Junqueira é nome conhecido de senadores, deputados e poderosos da República. É fácil falar de novo capitalismo com família no poder. Essa meritocracia picareta de palestra de TEDx que vocês amam.

Nubank tem uma base enorme de clientes jovens, negros e de periferia. Mas eles não podem ser diretores. Com essa declaração, Junqueira admite que “nivelar por cima” é ter o jovem bilíngue, formado na PUC e, óbvio, branco.

Pedir desculpas no LinkedIn é selecionar inclusive quem você quer que te ouça. Muitos clientes negros cancelaram a conta no Nubank e hoje, se fala da criação de bancos geridos por pessoas negras, como acontece aqui em Lisboa, o Banco Atlântico, liderado por angolanos, que contrata africanos e brasileiros negros, tão negros que NUNCA seriam contratados pelo Nubank.

Isso é um racismo escancarado.
E isso porque o nome é Nubank, gíria pra “new”. Ou “neo”.

E tudo que tem “neo” eu tenho medo. Nem adianta maquiar com gíria, e chamar de Nu. Não muda a essência de um banco, ser chamado de neobanco. Não mudaria, se a Klan, que destruiu Tulsa, reposicionasse a “marca”, chamando o movimento de NeoKlan.

O capitalismo sempre foi racista. Explorou corpos negros para ter lastro. Antes de operários, capitalistas exploraram escravos. Nenhum banco é antirracista, nenhuma instituição brasileira é antirracista, mas isso não deve ser parâmetro. A diferença é que aquilo que antes era dito em voz baixa nos RHs agora é dito em entrevista no Roda Viva.

Junqueira não descobriu o racismo. Não é a única racista desse país. Mas ela não pode negar que não se trata de um “erro”, ou um “me expressei mal”, mas um crime. O mesmo que, se não fosse pela fiança, teria deixado presa a nossa amiga da Lapa, que chamou um homem negro de macaco. Ou orangotango.

Nivelou por baixo.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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