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A Igrejinha é quase miragem. Arte sacra em escala urbana, ato de fé

Tudo é lindo, mas a mim o que soa sublime é a arquitetura em si mesma, nua de arte, nua de contornos

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Foto Colorida de Igrejinha cita de cima
1 de 1 Foto Colorida de Igrejinha cita de cima - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Não sei rezar, acendo velas em casa e me enamoro a cada vez que a Igrejinha surge diante de mim. Se for um domingo, como hoje, ela fica mais linda, é a arquitetura em oração. Se for cedinho, sem carro, sem gente, só ela, é uma aparição sagrada no promontório da 307/308 Sul. Galeno do lado de dentro, Athos do lado de fora, tudo é lindo, mas a mim o que soa sublime é a arquitetura em si mesma, nua de arte, nua de contornos.

A Igrejinha é uma imagem sagrada desenhada na escala das capelas coloniais brasileiras.

Quando subo a rua, o que vejo – nunca revejo, sempre é a primeira vez –, o que vejo é um corpo único protegido por um véu, uma aparição etérea, miragem divina.

Há quem veja nela um chapéu de freira; outros, a Santíssima Trindade. Arquitetos identificam sinais da Capela de Ronchamp, na França, obra de Le Corbusier, de 1955.

Se assim foi, eu me permito imaginar que Niemeyer olhou para a obra do franco-suíço e disse: “Vou fazer uma igual a essa, porém muito mais bonita, diáfana, arte sacra em escala arquitetônica”.

A capela de Le Corbusier é rotunda, pesada, como se gorda de pecados.

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A Igrejinha de Fátima não carrega as dores do erro. Ela se perdoa e nos perdoa com a leveza esvoaçante da laje que se sustenta, com a ponta dos dedos, em três pilares, um em cada vértice do triângulo que cobre toda a estrutura e avança para a paisagem, como quem vai voar. A Igrejinha está no chão, mas flutua. Mesmo quando fechada com o portão de treliça branca, parece pairar sobre nossas dores, protegendo-nos do confronto direto com o real da vida.

Todo o contorno do terreno reverencia a Igrejinha. Tudo se aquieta, silencia, perde o sentido, tudo se prepara para receber a arquitetura santa. A escadaria suave como as ondas dos rios se desdobra em 11 degraus largos e baixos. Os bancos, ao mesmo tempo imponentes e discretos, são de Burle Marx. A textura bruta do concreto aparente é milagrosamente delicada e, diária e insistentemente, se oferece para o descanso de moradores de rua. Nada mais cristão.

A Igrejinha aponta para o leste, para o Eixão, para o Lago Paranoá, para o Sol, aponta para o renascer nosso de cada dia. Foi projetada por um comunista para cumprir promessa de Sarah Kubitschek a Nossa Senhora de Fátima. Tem azulejos (em fundo azul!) de Athos Bulcão e tinha afrescos de Volpi. Muito tempo depois que um frade cobriu a arte interna com várias demãos de tinta, Galeno foi convidado para fazer novos painéis.

Quem o convidou não sabia que o nome completo do artista é Francisco de Fátima Galeno e que nasceu em 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima.

Eu, que pouco creio, me deixo levar pelo mistério, como quem descansa antes do fim.

*Esta crônica é dedicada ao fotógrafo Gervásio Baptista, que soube dar o devido valor ao lugar onde viveu e ao tempo que testemunhou.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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