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Prejuízo de R$ 5,4 bi: 1.967 UPAs construídas não funcionam no país

Relatório obtido pelo Metrópoles revela que, desde 2012, uma série de unidades se tornaram meros esqueletos, sem atendimento a pacientes

atualizado

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J P Rodrigues/Metrópoles
UPA GAMA
1 de 1 UPA GAMA - Foto: J P Rodrigues/Metrópoles

O final do governo de Fernando Henrique Cardoso apresentou o que parecia aos prefeitos dos municípios brasileiros uma solução para o crônico problema da saúde pública. Na época, a pasta federal responsável pelo setor compôs um corpo técnico de carreira com o propósito de estudar e encontrar soluções para o Sistema Único de Saúde (SUS). Passados os anos, o grupo transformou-se na Coordenação de Gerenciamento de Projetos (Cogpab).

Com um orçamento de R$ 23 bilhões, a coordenação banca integralmente obras de infraestrutura para que as cidades possam realizar a chamada atenção básica de saúde, o primeiro atendimento à população, em Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Em tese, estava concretizado o sonho de todo prefeito: contar com os recursos federais para garantir saúde de qualidade em sua cidade. Mas a boa ideia se esbarrou em um problema: caberia aos municípios pagar os salários dos profissionais de saúde que atenderiam nas unidades.

O resultado é que muitos prefeitos receberam o dinheiro e os postos de saúde chegaram a ser construídos. No entanto, sem pessoal, transformaram-se em mais um conjunto de tristes esqueletos de concreto e tijolos que deterioram sem que nada aconteça. Ao problema crônico do mau atendimento à saúde, somou-se um outro mal crônico brasileiro: o desperdício e o desvio de recursos públicos.

Relatório do Cogpab obtido com exclusividade pelo Metrópoles mostra que, das 47 mil unidades de saúde construídas com verbas federais desde 2012, pelo menos 1.967 estão completamente abandonadas. O prejuízo aos cofres públicos é de R$ 5,4 bilhões.

Eleições
Mas por que as unidades de saúde não estão funcionando se todas foram entregues pelo governo federal por intermédio do Cogpab, e algumas delas inauguradas pelos próprios prefeitos? Parte da resposta advém do fato de que muitas dessas unidades foram inauguradas em períodos eleitorais.

Após o descerramento da placa, o gestor simplesmente não fazia a função que lhe cabia, que era reforçar o quadro de enfermeiros e médicos para dar plantão nas unidades. Passada a eleição, o posto inaugurado fechava as portas sem fazer um atendimento sequer.

A comunidade de Valparaíso de Goiás, que fica a 40 km de Brasília, espera há dois anos para que a UPA situada no bairro Parque Rio Branco saia do papel. Por enquanto, há apenas um esqueleto de concreto e vigas. Mais nada. A reportagem esteve no local na quarta-feira (22/05/2019) e encontrou um funcionário da prefeitura dentro do lote.

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De uniforme azul, ele não segurava uma ferramenta de trabalho sequer. Bem-humorado, respondeu à pergunta sobre a conclusão do prédio com ironia: “Tá difícil, não está?”. A obra, segundo outro funcionário, que semanas antes foi encontrado no local, havia sido retomada há um mês. Mas não foi o que a dona de casa Luciana Soares de Araújo, 45 anos, contou. “Só se eles começaram hoje, porque já faz anos que não muda nada aí”, garante a moradora.

A versão dela é corroborada por Rogério Pereira, atendente de uma farmácia vizinha ao esqueleto. “Nas eleições, eles fizeram mais um andar. Depois, pararam”, lembra Pereira. Diante do descaso, o morador Luciano Carvalho, resume a situação: “Mais um elefante branco abandonado. Só fizeram propaganda política para ganhar votos”.

A maior prova de que a construção das UPAs e UBSs em muitos casos não passou de uma propaganda eleitoral gratuita para prefeitos em busca de reeleição é a quantidade de cancelamentos de projetos protocolizados no Departamento de Atenção Básica (DAB), ao qual a Cogpab está vinculada.

Mais um elefante branco abandonado. Só fizeram propaganda política para ganhar votos

Morador Luciano Carvalho

Depois de apresentarem as instalações para as câmeras de veículos de tevês e ter seu minuto de fama às custas do cacife alheio, prefeitos simplesmente abandonam o posto ou suspendem o convênio com o governo federal, alegando falta de recursos. Minas Gerais é o estado com maior número de desistências: 580 pedidos junto ao Ministério da Saúde até o momento. Goiás abortou 80 projetos. Cada desistência de UPA significa o mesmo que jogar no ralo de R$ 2 milhões a R$ 3,7 milhões.

Em Brasília, um projeto de UPA também foi sepultado pela Administração Regional do Gama, situada a 36 km do Palácio do Planalto. A unidade chegou a ser erguida na QI 6 do Setor de Indústrias da cidade no final de 2016. Hoje, dá para ver o alicerce erguido na área. De longe, muitos confundem o antigo projeto com um cemitério. O aspecto sepulcral chama a atenção até hoje de quem passa por lá todos os dias. É o caso de Dayvson Abreu, 44. “Agora mesmo estava falando disso para uma pessoa. Parece um cemitério”, compara.

Saúde em barcos
O Programa Nacional de Infraestrutura de UBS/UPA também contempla regiões no norte do país, onde comunidades carentes vivem à mercê do descaso devido à sua posição geográfica. São municípios de difícil acesso, onde geralmente só se chega pela água dos rios. Como solução para o impasse, o grupo técnico do Ministério da Saúde criou a UBS Fluvial, um barco equipado para funcionar como posto de atendimento de saúde. Já que a localização dificulta a ida dos cidadãos à UBS, ela vai até eles.

O governo federal, por intermédio do ministério, custeou 76 balsas/UBS para levar saúde a essas comunidades por meio das águas. Cada uma custou em média R$ 2 milhões. Era a primeira parte de atendimento de 104 barcos para prefeituras do Acre ao Tocantins. Ao todo, 10 estados requisitaram a benfeitoria.

Cada vez que o pleito era atendido, havia festa regada à promessa de entrega para a comunidade. Hoje, o quadro do abandono é desolador: apenas 26 UBSs fluviais encontram-se funcionando. Mesmo assim, em período sazonal. Na época de estiagem, em que o volume de água baixa, elas não podem se aventurar na água, sob o risco de encalharem.

 

Outro lado
Em nota, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, esclarece que tem feito os esforços necessários para colocar essas unidades em funcionamento. Esse já era, diz a nota, o caminho desde antes da sua gestão. Em janeiro de 2017, o órgão editou portaria que flexibiliza as regras de funcionamento dos postos custeados com dinheiro federal para que eles não fiquem ociosos. Para não perder a estrutura construída, na prática a UPA não precisa ser UPA.

Em maio de 2018, a readequação da rede física do Sistema Único de Saúde (SUS) reforçou a portaria. Com a medida, estados e municípios poderão utilizar a estrutura das unidades para qualquer finalidade na área de saúde, sem precisar devolver recursos federais. Uma maquiagem com dinheiro público.

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