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Paulo Paim: quebrar patentes é saída para preço “indecente” de vacinas

OMC apelou a líderes globais que apoiem a licença compulsória para acelerar vacinação em todo mundo. Governo brasileiro é contra a medida

atualizado

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Geraldo Magela/Agência Senado
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1 de 1 paulo-paim1 - Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Discussão que provoca reações de diferentes entidades mundiais, a quebra de patentes temporária de vacinas e medicamentos usados contra o novo coronavírus voltou a ser pauta nesta semana, após a Organização Mundial do Comércio (OMC) apelar a líderes globais para que apoiem a medida. O debate ganhou ainda mais força quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sinalizou que o governo norte-americano enxerga a flexibilização como saída viável da pandemia de Covid-19 – revertendo posição de seu antecessor, Donald Trump.

Além dos EUA, países como a África do Sul e a Índia também manifestaram apoio à proposta. Ambos sofrem com o crescimento de casos e mortes pela doença provocado, principalmente, pelo surgimento de novas cepas do vírus, ainda mais contagiosas e letais.

O Brasil, apesar de ter vivido cenário parecido com os das duas nações, entende que a quebra de patentes não trará benefícios imediatos para imunização da população. Esse posicionamento foi reiterado pelos ministros das Relações Exteriores, Carlos Alberto de Franco França, e da Saúde, Marcelo Queiroga.

Os dois compareceram em sessões do Senado Federal para discutir ações do governo federal no enfrentamento da crise sanitária. Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Queiroga disse que não concorda com a questão, e teme que ela provoque retaliações de farmacêuticas, que já firmaram contrato de venda de doses com o governo brasileiro. O martelo, contudo, não está batido.

Nessa sexta-feira (7/5), o governo brasileiro defendeu, em nota, estar disposto a trabalhar para encontrar uma “terceira via” para a questão, que descreve como “solução consensual e cooperativa que viabilize a aceleração da produção e disseminação de vacinas contra a Covid-19 no menor prazo possível”. O Executivo ponderou ter “recebido com satisfação” a disposição dos EUA para negociar, na OMC, aquisição de vacinas e medicamentos.

“O governo brasileiro aprofundará, com flexibilidade, pragmatismo e responsabilidade, consultas com todos os seus parceiros internacionais, bem como junto ao setor privado, para desenvolver os entendimentos multilaterais necessários a uma rápida e segura produção e distribuição de vacinas. Em particular, o Brasil discutirá, em maior profundidade, com os EUA, sua nova posição e suas implicações práticas para facilitar amplo e urgente acesso a vacinas e medicamentos no combate à Covid-19”, afirmou o governo brasileiro na nota divulgada.

“Preço indecente”

Os questionamentos feitos pela CPI da Covid a Queiroga e pelos demais senadores ao chanceler ocorrem após a aprovação de um projeto de lei favorável à licença compulsória no Senado. O texto original é de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e foi aprovado pelos senadores na forma do substitutivo apresentado pelo relator, o senador Nelsinho Trad (PSD-MD). A matéria ainda depende de aprovação na Câmara dos Deputados.

Em entrevista ao Metrópoles, Paim afirmou que a quebra da patente de vacinas e medicamentos contra Covid-19 é a saída para contornar o alto valor unitário das doses cobrado pelas farmacêuticas nos contratos de aquisição dos imunizantes. Nas palavras do senador, as empresas exercem “preços indecentes”.

“Com a aprovação deste projeto, vamos produzir para o Brasil e poder exportar doses aos países mais necessitados, por um preço decente. O preço hoje é indecente”, afirmou.

Segundo o parlamentar, a aprovação do projeto pelo Senado já provoca reações internacionais. “Ao menos 17 laboratórios já entraram em contato dizendo que têm condições de cumprir com a produção destas vacinas”, disse.

“O objetivo desse projeto é sinalizar junto à OMC que o Senado é favorável à licença compulsória. Mais de 100 nações são a favor, e nosso objetivo é fazer com que o Brasil repense sua posição. Os Estados Unidos são favoráveis, a Comunidade Europeia caminha no mesmo sentido. Ou seja, grandes potências são totalmente favoráveis. Estamos, agora, a um passo de poder produzir as vacinas”, continuou.

Retaliação

Para Paim, não há a possibilidade de que a indústria farmacêutica promova retaliações ao Brasil na venda de vacinas, com a aprovação da medida. “Não há na história da humanidade uma única vez em que ocorreu uma retaliação. Se me mostrarem um episódio, eu mudo minha posição”, enfatizou.

Ele afirma, contudo, que a quebra de patentes é uma medida excepcional, adotada em um momento crítico. “Foi aprovada [a proposta] em um momento de emergência, é uma medida de exceção para salvar vidas. Não pode se olhar para o lucro do laboratório apenas, já tiveram lucro de bilhões. Este é o projeto mais importante que aprovei em todo esse meu período de vida pública, mais importante de todos, vamos ajudar a salvar vidas.”

Objetivo atingido

O senador comparou as patentes dos medicamentos e imunizantes a uma “receita de bolo”. “Nós só queremos a semente, e, a partir daí, desenvolvemos as vacinas. Nos passem a receita do bolo que nós faremos o bolo.”

O senador defende que as manifestações favoráveis dos EUA mudarão o posicionamento do Brasil no tratamento da questão. “As falas de Carlos França e Queiroga referendam a posição do presidente. Mas, a partir do momento que os Estados Unidos defendem, o Brasil vai defender também, não ficará na corrente do mal, adotará a corrente do bem”, avalia.

Paim disse ainda que, independentemente das tentativas de deputados da base aliada ao governo federal de travar o andamento da proposta na Câmara, “o objetivo número um já foi atingido”. “Se a OMC liberar totalmente a patente, acabou. Mesmo que eles [governo federal] vetem, o nosso objetivo está atingido. Mas não conseguirão travar”, enfatizou.

O que dizem os produtores de vacinas?

A presidente da Associação da Industria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Elizabeth de Carvalhaes, defendeu que a quebra de vacinas “não é uma solução imediata para resolução de um problema a curto prazo”. “Não é uma questão de ser contra ou a favor, é uma questão de viabilidade, e, hoje, a quebra de patentes está longe de viabilizar mais vacinas em um curto prazo”, justificou.

Segundo a representante, processos de transferência de tecnologia de produção de vacinas são demorados. “Falando assim, parece que é uma coisa ágil e factível. Mas estamos falando de um processo extremamente complexo e que é tecnicamente muito difícil. Não é algo trivial, onde se tira uma coisa e põe outra, são vacinas, produtos muito complexos. Em 27 anos, o mundo só lançou seis vacinas, e isso simboliza a dificuldade que é o processo produtivo de um imunizante.”

Para a presidente da Interfarma, a falta de doses de vacinas disponíveis no mercado global não decorre da detenção de patentes pelas indústrias farmacêuticas, mas pela dificuldade na obtenção de ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs).

“No mínimo, esse processo de transferência de tecnologia demoraria um ano e meio, isso se fosse voando. A demanda é tão gigantesca que falta tudo. A China que nos manda insumos é a China que manda insumos para o mundo inteiro. O momento é de dificuldade global e o Brasil entrou atrás”, concluiu.

A avaliação do setor é a mesma defendida pela Fundação Owsaldo Cruz (Friocruz) e pelo Instituto Butantan, os produtores nacionais das vacinas que, hoje, imunizam a população brasileira contra o vírus. Em encontro com os senadores, na Comissão Temporária da Covid-19, representantes das entidades alegaram que a quebra de patentes não terá efeito na produção de imunizantes, e até poderia dificultar e tumultuar a fabricação de doses.

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