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Enem tem edição com menor número de participantes em 13 anos

Especialistas apontam exame como o mais elitista já realizado no Brasil: “O ensino superior, que já é excludente no país, fica ainda mais”

atualizado

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Fábio Vieira/Metrópoles
enem em São Paulo
1 de 1 enem em São Paulo - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano teve o menor número de participantes já registrado em 13 anos. No total, dos 3.109.800 inscritos para a edição deste ano, 30% desistiram de fazer o exame; uma abstenção de 930.241 pessoas.

Os dados ainda são preliminares e podem sofrer alterações, embora o total de pessoas que fizeram o exame continue sendo o menor dentro do período analisado mesmo que haja correções nas informações. Segundo o Inep, o número oficial de presentes e ausentes nos dois dias de exame só será divulgado em fevereiro do próximo ano, com os resultados dos candidatos.

Neste segundo ano pandêmico, o número daqueles que se sentiram preparados para tentar a prova e fizeram a inscrição no exame despencou, fazendo com que o país registrasse outro recorde negativo: o menor número de cadastrados para o exame nos moldes atuais.

O cenário ocorre mesmo em meio a uma tentativa de democratizar o acesso ao Enem. Decisão de setembro do Supremo Tribunal Federal permitiu a participação daqueles que queriam a isenção da taxa de inscrição, mas faltaram em 2020. Com isso, mais 280.145 estudantes se inscreveram e realizarão as provas nos dias 9 e 16 de janeiro de 2022, mesmas datas da reaplicação e da aplicação para presos e jovens sob medida socioeducativa.

Em 2020, devido à pandemia provocada pelo coronavírus no país, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) anunciou também a escolha pelo Enem Digital, com provas aplicadas em computadores e em locais de prova definidos pelo órgão. A edição sofreu com uma abstenção recorde: 52,6% dos inscritos faltaram em ao menos um dia de prova, anulando oportunidades de pleito a uma vaga no ensino superior.

Criada em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica, a prova passou a ser utilizada como mecanismo de acesso à educação superior público e particular em 2009.

Desde então, universidades de todo o país optaram por descartar vestibulares próprios e aderiram ao exame como única forma de acesso a cursos. Isto, somado ao fato dos pontos finais dos candidatos permitirem bolsas em universidades particulares pelo ProUni e Fies, fizeram do exame a mais importante porta de entrada ao ensino superior no país.

Mesmo com toda a sua relevância, nunca houve tão poucos concorrentes ao Enem, cenário que, segundo Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV e ex-diretora de educação do Banco Mundial, é da maior crise educacional já vista no país.

Para a especialista, além da pandemia, uma das maiores responsabilidades pelo número baixo vem de incertezas deixadas pelo Ministério da Educação desde a edição do ano passado. Claudia cita como exemplo o resultado ignorado pelo órgão de uma enquete feita com participantes do Enem 2020, que questionava qual seria o melhor mês para a realização do exame, adiado devido à pandemia.

De acordo com o Inep, o mês com maior número de votos foi maio, com 553.033, 49,7% do total dos 1.113.350 inscritos que participaram. A preferência, no entanto, foi ignorada e a prova foi aplicada em janeiro, que havia recebido 392.902 votos (35,3% do total). “Não é a toa a alta porcentagem de abstenção”, diz.

Outro caso polêmico foi a crise no Inep, onde mais de 30 servidores pediram demissão, entre os quais funcionários que coordenam a prova. A debandada ocorreu dias depois de um protesto contra suposto assédio moral por parte de Dupas Ribeiro, quinto presidente do Inep em três anos de governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Nunca tivemos uma crise tão grande na educação do Brasil desde quando conseguimos fazer com crianças tivessem acesso à educação básica”, afirma Costin.

“Um Enem elitista”

Outro fator para cenário, segundo a especialista, é o reflexo de escolas fechadas e a desigualdade social dos estudantes no país. Com mais de 80% dos alunos do ensino fundamental e médio em escolas públicas no país, segundo a PNAD Contínua de 2019, divulgada pelo (IBGE), apenas 6,6% das instituições ofereceram internet para que os alunos continuassem o ensino à distância.

“Esse estudante que não tem internet em casa, provavelmente não tem acesso a livros e outros meios de ter continuado com os estudos. Dois anos de escolas fechadas fizeram com que a desigualdade social, que já era grande, se tornar ainda pior”, avalia.

Com as questões sociais aprofundadas, a especialista afirma que a prova aprofundará, ainda mais, a barreira dos mais pobres nas universidades.

“O ensino superior, que já é excludente no país, fica ainda mais. Este vai ser um Enem elitista”, conclui.

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