INSS paga R$ 3,3 bi por ano a beneficiários “fora da lei”, diz CGU
Instituto diz que Controladoria não considerou ações civis públicas e que, portanto, prejuízos seriam de no máximo R$ 600 milhões por ano
atualizado
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Auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) paga, por mês, cerca de 265,7 mil benefícios de prestação continuada (BPC) a segurados que, segundo registros em outras bases de dados, não se enquadrariam nas regras para receber o dinheiro.
As potenciais irregularidades equivalem a um montante de R$ 277,6 milhões mensais (R$ 3,3 bilhões anuais), de acordo com a folha de pagamento do INSS de maio do ano passado. O instituto, contudo, afirma que a Controladoria não considerou as ações civis públicas (ACPs) sobre o limite da renda do BPC e estima que, “no pior caso”, as inconsistências resultam em uma perda de menos que R$ 50 milhões por mês (R$ 600 milhões por ano).
O BPC é um benefício pago no valor de um salário mínimo (hoje em R$ 1,1 mil) por mês para as pessoas com deficiência ou idosas que comprovem ser de baixa renda.
De acordo com a legislação que rege o benefício, é preciso ter uma renda familiar de até um quarto (25%) do salário mínimo vigente por pessoa. Além disso, o beneficiário precisa ter 65 anos ou mais, e a pessoa deficiente não pode exercer outra atividade remunerada durante o recebimento do BPC.
Porém a CGU encontrou 265.731 benefícios concedidos para além desses critérios, o que pode indicar possível irregularidade. Desses, 214.270 foram pagos a segurados que têm renda per capita familiar acima do limite legal; 3.006 a “idosos” com menos de 65 anos; e 2.292 a deficientes com vínculo empregatício remunerado.
Há ainda outras 40.732 concessões pagas a segurados que apresentaram inconsistência cadastral relacionada ao CPF; 6.286 a beneficiários fora do Cadastro Único (CadÚnico); e 9.987 a quem recebe, cumulativamente, benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RPPS), como aposentadorias – o que também é irregular.
“Os fatos descritos demonstram que existem fragilidades na gestão e na operacionalização do Benefício de Prestação Continuada, especialmente em relação à concessão, manutenção e revisão dos benefício”, afirma a Controladoria, no relatório de auditoria.
Cerca de 17,3% desses benefícios achados pela Controladoria, no entanto, foram concedidos a partir de decisões judiciais, o que ultrapassa, portanto, as competências do INSS, que se vê obrigado a pagar o benefício após perder o caso na Justiça.
Se for considerar apenas os benefícios pagos a idosos que não cumprem o critério de idade mínima, por exemplo, cerca de 91,9% foram concedidos após decisão judicial. No caso dos BPCs pagos a segurados que ganham mais do que um quarto do salário mínimo, 17,6% são frutos de judicializações.
Apesar disso, a CGU conclui verificar uma oportunidade de aprimoramento de controles e, principalmente, do processo de manutenção e revisão do BPC, “haja vista as dificuldades enfrentadas pelo INSS para dar tratamento tempestivo aos benefícios com indicativo de irregularidade”.
“Em que pese a importância de os gestores avaliarem a oportunidade de correções nos controles relacionados a todas as situações apresentadas neste relatório, há que se destacar a aparente baixa efetividade da sistemática atualmente adotada para a revisão periódica da situação da renda familiar dos beneficiários, haja vista a intempestividade observada, no âmbito do INSS, no tratamento dos indicativos de irregularidade apontados pela SNAS”, ressalta.
Ao Metrópoles, o INSS esclareceu que, conforme a auditoria, 214.270 podem possuir renda acima de um quarto do salário mínimo (limite legal), mas “a CGU não analisou segundo as Ações Civis Públicas (ACPs) relacionadas à Renda do BPC”.
Em abril de 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, que estabelece o limite de um quarto do salário mínimo. A Suprema Corte entendeu que o critério econômico presente na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) não pode ser tomado como absoluto.
“Esse critério objetivo é injusto em diversos casos. Às vezes, a pessoa tinha uma renda de R$ 5 ou R$ 10 a mais que esse limite, e o INSS negava. Ou talvez a pessoa ganhava, por exemplo, mais de um salário mínimo por mês, mas gastava basicamente para sustentar outras pessoas”, explica o advogado Arthur Barreto, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Segundo o INSS, existem mais de 28 Ações Civis Públicas (ACPs) ativas no país, sendo algumas com abrangência nacional, que flexibilizam o critério de renda. Uma delas, por exemplo, que permite a dedução de alguns valores para calcular a renda bruta familiar mensal, foi regulamentada em portaria no Diário Oficial da União (DOU) em setembro do ano passado.
De acordo com o texto, “será deduzido da renda mensal bruta familiar o valor gasto, por mês, com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis e consultas na área da saúde”. Fruto de uma ACP movida no Rio Grande do Sul, alteração na forma de calcular a renda bruta abre espaço para mais pessoas acessarem o benefício.
“O apontamento da CGU vem de encontro ao que verificamos na operação do INSS de que as diversas ACPs no Brasil descaracterizaram o critério renda, pois alteraram o conceito de miserabilidade para um critério de vulnerabilidade. Ainda, saliente-se os benefícios que já se encontram cessados e aqueles que foram concedidos por decisão judicial”, diz o INSS.
Para os casos com indicativos de possíveis problemas administrativos, o INSS informou que vem atuando em desenvolver um painel de controle das trilhas analisadas pelos órgãos e priorizando a análise de irregularidade destes benefícios. Só em 2020, a autarquia enviou mais de 100 mil correspondências a beneficiários de BPC com possíveis indícios de irregularidade na manutenção dos benefícios.
“O montante de R$ 277 milhões é estimado. Considerando que 214.270 provavelmente se enquadrem em alguma regra de Ação Civil Pública, e mais de 17% são decisões judiciais, pode-se estimar que, no pior caso, seriam menos de R$ 50 milhões mensais, e o INSS vem atuando para recuperar todos os valores pagos irregularmente”, complementou.