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Apesar de “fazer barulho”, movimento a favor do voto impresso não tem força

Especialistas avaliam que impressão do voto seria “retrocesso” e que movimentos defensores da medida são pequenos

atualizado

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JP Rodrigues/Especial Metrópoles
Manifestação a favor do voto impresso
1 de 1 Manifestação a favor do voto impresso - Foto: JP Rodrigues/Especial Metrópoles

“Quem decide somos nós, o presidente do Executivo e o Parlamento, tá ok? E ponto final”, disse o chefe do Executivo federal, Jair Bolsonaro (sem partido), a apoiadores, no começo desta semana, sobre uma discussão espinhosa: a implementação do voto impresso no sistema eleitoral brasileiro.

A declaração de Bolsonaro foi dada na segunda-feira (7/12). No dia anterior, domingo (6/12), apoiadores do presidente se reuniram na Esplanada dos Ministérios em manifestação a favor da medida.

O grupo pede mais segurança no processo eleitoral. Para eles, o ideal é que, após o voto, um recibo seja impresso e vá direto para outra urna, para que haja a possibilidade de auditoria, se for necessário.

Além do presidente da República, que já defendeu o voto impresso em outras ocasiões, diversos parlamentares apoiam o movimento. Grande parte deles é filiada ao Partido Social Liberal (PSL) – do qual Bolsonaro fazia parte até novembro de 2019. Filipe Barros (PSL-PR), Daniel Silveira (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) são alguns dos nomes da lista.

Especialistas avaliam que, apesar de “fazer barulho”, os movimentos que pedem a impressão do voto não têm força. Para o advogado e mestre em direito constitucional Daniel Lamounier, o grupo que defende o modelo é “pequeno”.

“É um grupo pequeno, mas barulhento. A maior parte da população não comenta sobre o assunto, mas como a outra parte faz barulho, fica parecendo que o Brasil passa por um momento de crise, e isso não ocorre”, afirma Daniel.

Segurança

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a urna eletrônica possui dois principais sistemas de segurança: assinatura e resumo digital. De acordo com o órgão, a segurança é feita “em camadas”,  ou seja, existem diversas barreiras que impedem violações no aparelho. “Qualquer ataque ao sistema causa um efeito dominó e a urna eletrônica trava, não sendo possível gerar resultados válidos”, afirma o Tribunal.

O presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, afirmou, no segundo turno das eleições municipais de 2020, em 29 de novembro, que a impressão do voto causaria “grande tumulto”, porque “todo candidato derrotado ia pedir recontagem e ia haver impugnações, alegações de nulidade e judicialização do processo eleitoral”.

Para o especialista Daniel Lamounier, a implementação do modelo seria um “retrocesso dos direitos fundamentais” dos cidadãos.

“O voto na urna eletrônica traz segurança porque nunca foi detectado nenhum tipo de fraude. Há rapidez, tem menos filas, atrai o cidadão para poder votar. Quando a gente passa para o voto impresso é um retrocesso nos direitos fundamentais. O processo para votar é mais lento, há mais chances de fraude, troca e rasura de votos. Para a gente geraria uma situação de mais vulnerabilidade”, avalia.

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No entanto, não é assim que pensa a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF). Ela é uma das principais defensoras do movimento a favor do voto impresso e autora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019. A PEC propõe “que, na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.

Em dezembro do ano passado, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados e agora aguarda formação de comissão especial para seguir em frente. Bia Kicis defende que o modelo de votação atual tem “fragilidades”. Para a parlamentar, o sistema eleitoral vigente “não deixa rastros”, o que gera, segundo ela, desconfiança do eleitor.

“Em um ambiente de tecnologia é impossível você afirmar que não tem fraudes. Não tem transparência na contagem dos votos. Você pode ter programas que deixam um mecanismo para desviar votos, e depois ele mesmo se autodestrói. O boletim de urna mostra o resultado final, mas ninguém viu aquela contagem. A gente tem que confiar que a máquina fez aquela contagem direitinho. Fica tudo na base da confiança, da fé, do dogma”, afirma a parlamentar.

Impasse legal

Ao contrário de Bia Kicis, o advogado e especialista em direito eleitoral Savio Chalita acredita que questionar a segurança das urnas eletrônicas brasileiras sem provas de fraudes pode enfraquecer a Justiça Eleitoral.

“Por mais que existam críticas, não há evidências de desvios nas nossas urnas. Poucos conhecem o processo, o passo a passo de como funciona. Dizer que um hacker entrou na urna é inviável, porque a urna não está conectada à internet”, argumenta.

Ele afirma que, por não haver provas de fraudes, é pouco provável que os parlamentares consigam aprovação da medida. O advogado explica que as características do voto estão descritas no Art.60 da Constituição, e se enquadram nas cláusulas pétreas, dispositivo constitucional que não pode ser alterado por PEC.

“No artigo 60, que trata sobre a emenda constitucional, a Constituição fala quais são as características do voto: direto, secreto, universal e periódico. Elas são indicadas nas cláusulas pétreas e, por isso, não podem ser alteradas por medida que vá desprotegê-las. Só poderiam ser alteradas por uma medida que fosse aumentar sua proteção”, explica o especialista.

Em 2015, na minirreforma eleitoral, o Congresso Nacional chegou a aprovar a impressão do voto. No entanto, em julho de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou ação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que defendeu que o formato sugerido tiraria o sigilo do voto. O STF barrou provisoriamente a mudança e, em setembro deste ano, declarou a impressão do voto eletrônico inconstitucional, confirmando a medida liminar de 2018.

Sávio avalia que, na próxima reforma eleitoral, em 2021, o assunto deve estar em pauta. No entanto, ele alerta para o perigo das notícias falsas e do fanatismo político que cercam os movimentos favoráveis à impressão do voto.

“É sedutor o discurso de que o nosso processo é fraudulento. Esses movimentos vêm desde 2013, quando nós tivemos as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que influenciou bastante a opinião pública e trouxe mais o cidadão, de modo geral, para a discussão política. No entanto, são muitos os discursos baseados em nada, sem provas: as fake news atrapalham e muito a credibilidade do nosso processo eleitoral.”

Para o especialista, ao invés de adotar a impressão do voto – que teria custo estimado de R$ 2,5 bilhões em 10 anos, segundo análise do TSE, feita em 2017 –  o ideal seria investir na segurança do modelo já existente. Dessa forma, toda a população sairia beneficiada.

“É muito mais inteligente investirmos em segurança. Todo o custo que teríamos com impressora, tinta e papel poderia ser investido em tecnologia para criptografia, para assegurar essas transações em ambiente eletrônico”, defende.

 

 

 

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