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Sabatina dupla piora o que já é ruim (por Mary Zaidan) 

Processo torto para “análise” dos indicados ao STF e PGR depõe contra os senadores e premia a nefasta política da fulanização

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Imagem colorida de Flávio Dino em visita ao senado
1 de 1 Imagem colorida de Flávio Dino em visita ao senado - Foto: Reprodução

Na quarta-feira, 13, o Brasil vai assistir a mais uma invencionice política: uma sabatina conjunta dos indicados pelo presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, e para a Procuradoria-Geral da República, Paulo Gonet. O formato surreal, dizem, teria sido decidido pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para auxiliar o governo, atenuando a pressão da oposição bolsonarista que gosta de Gonet e odeia Dino. Sob todos os aspectos, é mais um absurdo – e não são poucos os absurdos – que subverte o dever e a responsabilidade do Senado.

Sem entrar no mérito da qualificação e do notório saber dos indicados – Dino foi juiz por quase uma década, governador do Maranhão e é ministro da Justiça; Gonet é subprocurador, vice-procurador-geral eleitoral -, ambos têm sido alvo de campanhas difamatórias de um lado e de outro da rinha entre extremos.

O PT, que preferia Jorge Messias, da AGU, se viu forçado a aceitar Dino, favorito de Lula, e também Gonet, apoiado pelos supremo-togados Alexandre Moraes e Gilmar Mendes.

Passado o dissabor pelas indicações, o partido e parte expressiva da esquerda se concentraram em criticar Gonet. Conservador, o indicado aliviou ações da ditadura, incluindo torturas, é contra o aborto e as cotas e esteve no radar de Jair Bolsonaro para ocupar o lugar que acabou sendo de Augusto Aras. Mas, como na Corte eleitoral defendeu a inelegibilidade do ex, conseguiu abrandar seus pecados passados.

Do outro lado, bolsonaristas ativaram suas armas contra Dino nas redes e para além delas. O ministro virou um comunista feroz, daqueles que comem criancinhas. O pastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, chegou a propor um jejum com orações para afastar Dino do Supremo, como se ele fosse a encarnação do capeta. O esforço envolveu até a mulher do ex, Michelle Bolsonaro, que perdeu a pose de santa para “pregar” que “não existe comunista cristão”. E neste domingo, em Brasília, São Paulo e outras capitais, bolsonaristas prometem ir às ruas contra Dino.

A rasura do debate não surpreende e é até compreensível – embora lamentável – entre correntes que disputam audiência nas ondas digitais. A questão é o reflexo disso no Senado, cuja responsabilidade é analisar a competência dos indicados para cargos fundamentais na estrutura e no funcionamento do Estado brasileiro.

Tudo é errático, para dizer o mínimo. Repetitiva em todas as indicações que têm de passar pela aprovação do Senado, a romaria nos gabinetes, almoços e jantares para “aliciar” votos já seria uma deturpação do processo, normalizado pelo hábito. Como o sufrágio é secreto, o período pré-aprovação vale ouro para as suas excelências, que tentam tirar o máximo de vantagens sem ter de apresentar resultado preto-no-branco. Ainda assim, desde o presidente Floriano Peixoto, há 129 anos, nenhum indicado ao Supremo foi rejeitado.

No geral, as sabatinas passam longe do que deveriam ser. Servem para agradar o governo de plantão, com loas ao indicado que nem sempre as merecem, ou para pirraçá-lo. E a ideia do “gênio” Alcolumbre de juntá-las só piora o que já é ruim. Mistura defensor/acusador com o julgador, bugalhos e alhos.

Alcolumbre e também o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se comprometeu a votar em plenário o nome dos aprovados na mesma quarta-feira, sabem que estão forçando a barra com a inédita sabatina dupla. Na prática, o arranjo pode até ter o efeito contrário ao pretendido, com a artilharia pesada sobre Dino aliviando Gonet. O ministro também carrega um ineditismo: um caso raro em que o voto da oposição a um indicado não tem como mira principal o presidente da República. É Dino quem mais atrai a ira do bolsonarismo, desde o 8 de janeiro, quando o golpismo foi às ruas. O grupo acha difícil derrotá-lo, mas a intenção é destilar cada gota desse ódio na sabatina.

O Senado, que, assim como a Câmara de Arthur Lira (PP-AL), preferiu ajambrar o regimento de acordo com as conveniências, possivelmente vai entregar o resultado esperado, com a aprovação dos dois nomes. Ainda que os indicados cumpram os requisitos exigidos para os cargos, o processo torto depõe contra os senadores, turva o mérito de ambos e premia a nefasta política da fulanização.

Mary Zaidan é jornalista 

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