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Os esquecidos das cotas (por Cristovam Buarque) 

Felizmente, o Brasil adotou as cotas para o ensino superior, mas esqueceu dos nossos compatriotas analfabetos

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1 de 1 morte-dentro-de-escola-joão-pessoa - Foto: Reprodução / Carlos Augusto / RTC

No mesmo dia em que um jornal noticia os 10 anos da lei das cotas raciais para ingresso no ensino superior é publicada também a notícia de que o Brasil tem dez milhões de analfabetos adultos, esquecidos das cotas. Há razões para comemorar o sucesso da Lei de Cotas, que em parte mudou a cor da cara da elite universitária, mas não devemos ignorar a falta de um esforço para eliminar a tragédia e vergonha nacional do imenso contingente de brasileiros incapazes de ler. As cotas ajudam a ingressar no ensino superior alunos que concluíram o ensino médio com dificuldades. Mas em nada ajuda a diminuir o número dos que são deixados para trás, sem conclusão da educação se base: ficam analfabetos plenos, não terminam ensino fundamental e ficam analfabetos funcionais, ou terminam um ensino médio tão sem qualidade que sabem ler mas estão são analfabetos para a contemporaneidade: não adquirem o mapa para caminhar no mundo em busca da própria felicidade e sabendo como participar para fazer o mundo melhor e mais belo.

Felizmente, o Brasil adotou as cotas para o ensino superior, mas esqueceu dos nossos compatriotas analfabetos, incapazes de reconhecer a própria bandeira. Faz 45 anos que foi proclamado o fim da tortura contra presos políticos, mas se mantém a tortura do analfabetismo. No mundo atual, uma pessoa que não sabe ler carrega um chicote dentro do cérebro: a cada vez que aparece um texto escrito em frente, o chicote é acionado e tortura a pessoa mentalmente.

É surpreendente que os defensores das cotas não percebam ou não se importem que pelo menos 8 dos 10 milhões de analfabetos são afrodescendentes e continuam  esquecidos, porque todos eles são pobres.

Desprezam o fato que as cotas esquecem dos que precisam ser alfabetizados para o mundo contemporâneo, com um ensino médio de qualidade para todos, que ofereça negros e brancos, pobres e ricos, com uma escola de qualidade que lhes permita saber o que é necessário para se orientar no mundo moderno, com emprego e renda, participação social e política, usufruindo o que este mundo oferece.

As cotas são necessárias e seus dez anos mostram que são positivas, mas não bastam. Elas funcionam como espécie de alforria para alguns, mas não como a Abolição para todos escravos. A abolição exige um esforço nacional por educação de base com a máxima e igual qualidade para todos, independente da renda, do endereço e da raça. Apesar de positivas, as cotas raciais incorporam alguns nos privilégios de poucos, mas não elimina com o privilégio que ainda oferece educação de base com qualidade para poucos.

As cotas não eliminaram o privilégio de que apenas uma parte dos brasileiros pode se beneficiar delas, os que terminaram um bom ensino médio, que deveria ser para todos.

 

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador 

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