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O limite ao abuso (por João Bosco Rabello)

No universo militar, a defesa da honra é um ativo valioso e a nota de Barra Torres tem esse caráter

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Almirante Barra Torres, presidente da Anvisa chega ao Palácio do Planalto 7
1 de 1 Almirante Barra Torres, presidente da Anvisa chega ao Palácio do Planalto 7 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Se já é um sinal da mão amiga mostrando o braço forte a Bolsonaro, talvez seja cedo para dizer. Mas, possivelmente, na nota em que cobra ao presidente da República compostura e o desafia no plano da moralidade, o almirante Barra Torres, presidente da Anvisa, resgate a insatisfação de uma maioria silenciosa de militares.

A altivez reprimida pela hierarquia explica a escassez de manifestações críticas de militares às provocações diretas do presidente à tropa, embora, em muitos casos, não justifique a ausência da atitude que faltou em Eduardo Pazuello e sobrou no almirante. Beneficiado pela autonomia do cargo, Torres não hesitou em dar um passa-moleque no presidente da República.

Pelo teor indignado da reação, é provável que a fizesse mesmo sem a estabilidade do cargo e com o risco de uma demissão, como ocorreu com os comandantes militares pré-Braga Netto, por recusarem submissão a ordens estranhas ao universo militar, ditadas na forma humilhante e incivilizada que caracteriza o comportamento presidencial.

No universo militar, a defesa da honra é um ativo valioso e a nota de Barra Torres tem esse caráter. Ela não é uma nota institucional, mas de homem para homem, olho no olho, se admitida a licença para essa expressão em texto. É na guerra – e vivemos uma contra a pandemia –, em que mais o militar se impregna desse valor, pois é quando o espírito coletivo de equipe, um por todos e todos por um, é testado ao limite.

Se tiver o que denunciar, o faça; senão, retrate-se – é a síntese da declaração de Torres. Sublinhar esse aspecto é importante para reforçar as informações que dão como forte e positiva a reação à nota do almirante nas Forças Armadas. Seguramente, sem dimensão de ruptura, a insistência de Bolsonaro no comportamento hostil ampliou a fissura já constatada na sua relação com os quartéis.

Por hostil entendam-se as intervenções públicas desnecessárias, com o intuito exclusivo de exibir o poder que o cargo lhe confere, na condição de comandante em chefe das Forças Armadas, para sugerir uma liderança política sobre a caserna.

Esse método se verifica não apenas na cobrança ao comandante do Exército já mencionada, mas também em outra recente tentativa de criar um conflito atribuindo ao ministro da Defesa, Braga Netto, uma tomada de satisfações junto ao Tribunal Superior Eleitoral.

Netto apenas dava retorno a convite do ministro Luís Roberto Barroso, para que participasse das iniciativas e providências em curso para ampliar a segurança da votação – não só na questão tecnológica, mas também do próprio pleito. Estima-se que as eleições deste ano serão as que mais vão demandar ações militares, em todas as esferas, dado o clima acirrado da disputa e a polarização ideológica.

Em nova desistência, Bolsonaro deixou para lá a cobrança pública que fizera ao comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, para explicar nota interna em que autoriza o retorno das tropas ao trabalho presencial, impõe a vacinação e uso da máscara e proíbe a disseminação de fake news. Sua reprimenda já não surte o efeito de antes. Deu-se, então, por satisfeito, mesmo sem o esclarecimento formal que exigira. Ficou o dito pelo não dito.

As diretrizes do general Paulo Sérgio Nogueira visam a preparar o retorno pleno das tropas às suas atividades, para que estejam prontas na campanha e nas eleições, quando se prevê uma nova onda de pedidos de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) por parte de governos estaduais.

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