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Lula na China: a viagem que desagrada o Joe Biden (por Marcos Magalhães) 

Caberá a Lula encontrar o tom adequado para reposicionar o Brasil

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Lula é diagnosticado com pneumonia e adia viagem à China
1 de 1 Lula é diagnosticado com pneumonia e adia viagem à China - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Uma inoportuna pneumonia retirou de Luís Inácio Lula da Silva a chance de se tornar o primeiro líder estrangeiro a ser recebido pelo presidente Xi Jinping após sua eleição para um inédito terceiro mandato. Mas pode dar ao presidente brasileiro tempo para respirar fundo antes de reposicionar o país em tempo de crescentes rivalidades.

A visita de Lula seria em grande estilo. Uma oportunidade para relançar as relações bilaterais depois de quatro anos de hostilidades no governo de Jair Bolsonaro. E um momento simbólico para reaproximação com o maior parceiro comercial do Brasil.

Muitos dos empresários que integrariam a comitiva já estavam em Pequim e mantiveram seus encontros de negócios. O diálogo político, porém, agora vai depender de uma nova data a ser proposta pelo governo chinês – que vai indicar a importância do Brasil na sua agenda externa.

O tempo que Lula ganhou vai ser inicialmente dedicado à complicada montagem política de sua terceira administração. A começar pelo anúncio do novo arcabouço fiscal tão esperado pelos agentes econômicos para a definição de investimentos.

Enquanto lida com as urgências domésticas e aguarda a nova data para a viagem de Lula à China, o governo brasileiro poderá acompanhar de perto os desdobramentos de uma agenda que inclui a guerra na Ucrânia e os frequentes sinais da nascente guerra fria entre Washington e Pequim.

Durante o encontro que teria nesta semana com Xi Jinping, Lula poderia vir a anunciar sua intenção de criação de um clube de amigos da paz, destinado a buscar uma solução pacífica para a guerra na Ucrânia.

A intenção, que por enquanto vai ficar guardada, parece carregada de boas intenções. No entanto, ela é vista com desconfiança por lideranças políticas nos Estados Unidos e na Europa, para as quais Brasília parece cada vez mais sintonizada com Moscou e Pequim.

Essa desconfiança pode alimentar, nos próximos meses, algum tipo de pressão para que o Brasil opte por um dos lados do conflito na Ucrânia. E para que esclareça até onde pode chegar sua parceria estratégica com a China.

Um dos documentos que estariam prontos para a assinatura de Lula e Xi Jinping estabeleceria, por exemplo, a adesão brasileira à Belt and Road Initiative, uma espécie de nova Rota da Seda, que inclui financiamentos chineses a investimentos de infraestrutura ao redor do mundo.

A chegada dessa iniciativa ao Hemisfério Ocidental preocupa de perto o governo dos Estados Unidos, para o qual a crescente aproximação econômica pode vir a aumentar a influência da China sobre governos da América Latina.

No início de março, a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos Estados Unidos, lançou um alerta aos integrantes da Comissão das Forças Armadas do Senado norte-americano sobre a crescente presença chinesa no Hemisfério.

“A República Popular da China expandiu sua habilidade de extrair recursos, estabelecer portos, manipular governos por meio de práticas predatórias de investimentos e construir instalações espaciais de potencial duplo uso”, disse Richardson, referindo-se, no último caso, a uma estação da Agência Espacial Chinesa na Argentina para investigar o lado escuro da lua.

Para a comandante, a China encontra-se, nesse momento, em uma “marcha implacável” para substituir a liderança dos Estados Unidos na região.

Ainda em março, as relações dos Estados Unidos com o Brasil foram tema de uma audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano. Ali também foram apresentadas preocupações de senadores com a crescente presença econômica chinesa no Hemisfério.

Presente à audiência, o subsecretário de Estado para assuntos do continente, Brian Nichols, manifestou a intenção de seu governo de reduzir a influência chinesa na região e acusou o governo de Pequim de promessas “boas demais para serem verdade” e de levarem a grande endividamento dos países da região.

Diversas intervenções de senadores demonstraram ainda preocupação com a falta de apoio mais claro do Brasil à Ucrânia e a autorização do governo brasileiro à atracação de dois navios de guerra do Irã em portos do país.

Nichols recordou que o Brasil votou pela retirada das tropas russas da Ucrânia na Assembleia Geral das Nações Unidas e informou que seu governo manifestou sua preocupação com a presença dos navios iranianos. Mas não pareceu convincente aos senadores.

Na abertura da audiência, o presidente da comissão, senador democrata Robert Menendez, lembrou que os dois países têm uma pauta comum pela frente.

“Os Estados Unidos e o Brasil dispõem de uma oportunidade única para uma cooperação renovada”, opinou Menendez, que visitará Brasília em abril. “É hora de uma parceria entre os dois países que lidere em temas como meio ambiente, economia e democracia”.

Ao ressaltar a importância da defesa da democracia, o senador lembrou as semelhanças entre os ataques à Casa Branca, em janeiro de 2021, e às sedes dos três Poderes, em Brasília, em janeiro de 2023.

O imediato apoio do presidente Joe Biden ao seu colega brasileiro, que havia tomado posse uma semana antes, demonstrou, de fato, como o tema democrático aproxima os dois países.

A visita de Lula a Washington, em fevereiro, tornou mais concreta a aproximação bilateral, que, a partir da posse do novo presidente brasileiro, também tem entre seus principais temas a cooperação sobre o tema da mudança climática.

Assim como a adiada visita a Pequim poderia vir a descongelar as relações com a China e a promover maior cooperação econômica com o maior parceiro comercial brasileiro, além de novos acordos em ciência e tecnologia – como o que prevê o lançamento de uma sexta geração de satélites de observação da terra.

As duas iniciativas não são excludentes, apesar das crescentes preocupações dos Estados Unidos e de países europeus com a dimensão das relações do Brasil com Rússia e China.

Caberá a Lula encontrar o tom adequado para reposicionar o Brasil em momento tão delicado das relações internacionais.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

 

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