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Chile diz sim ao centro (Por Hubert Alquéres)

A conferir se o presidente Boric acompanhará o sim ao centro dado pelos chilenos. Os primeiro sinais são positivos

atualizado

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Marcelo Hernandez/Getty Images
Gabriel Boric é o presidente mais novo do Chile
1 de 1 Gabriel Boric é o presidente mais novo do Chile - Foto: Marcelo Hernandez/Getty Images

A esquerda chilena entrou na fase de cuidar de suas feridas, após o rotundo rechazo à proposta de Constituição, quando 62% dos eleitores disseram não ao texto elaborado pela Convenção Constituinte. Desde 2019 os ventos andinos sopravam para a esquerda no país de Pablo Neruda e Salvador Allende. Na esteira do “estalido social” daquele ano vieram a vitória com 78% dos votos no plebiscito sobre a abertura de um processo constitucional, a conquista de 75% das cadeiras da Assembleia Constituinte e, por fim, a eleição de Gabriel Boric para presidir o Chile.

Havia um país profundo que não participou do “progressismo identitário”, da qual a proposta de Constituição rejeitada pela imensa maioria dos chilenos é sua filha legítima. Como o voto não era obrigatório, apenas 50% dos chilenos votaram no plebiscito da entrada e tão somente 43% na eleição para a Assembleia Constituinte. A esquerda embriagou-se com a vitória de Boric, fazendo uma leitura errada da correlação de forças.

O novo presidente derrotou no segundo turno o populista de direita José Antonio Kast tomando emprestado os votos dos partidos da “Concertacion Democrática”, de centro-esquerda. No primeiro turno, Gabriel Boric ficou em segundo lugar. Para sair vitorioso na batalha final, modelou seu discurso em direção ao centro, abrindo entendimento com os partidos tradicionais, especialmente com o Partido Socialista.

Um componente novo fez toda a diferença no plebiscito da vitória do rechazo: o voto foi obrigatório. Foi por meio dele que a maioria silenciosa deu um não estridente. Dos 15 milhões de chilenos aptos a votar quase 13 milhões foram às urnas. Só para se ter ideia da dimensão do seu pronunciamento. Gabriel Boric foi eleito com 4,5 milhões de votos e no último domingo o Não teve mais de 7,8 milhões de votos.

É um grande equívoco entender o pronunciamento da maioria silenciosa como uma reação à tentativa do “progressismo refundante” de assaltar os céus.  A direita, assim como a extrema-direita, se opuseram ao texto da Convenção Constituinte, mas também se opuseram a maioria da Democracia Cristã e do Partido Socialista. Lideranças expressivas da antiga Concertacion Democrática, como os ex-presidentes Eduardo Frei e Ricardo Lagos, também votaram pela rejeição do projeto de Constituição.

Deve-se buscar outras causas para derrota da esquerda que, como disse  o  historiador Alberto Aggio, da UNESP, fracassou na “disjuntiva refundação versus pinochetismo”. Constituintes vitoriosas são aquelas que unem um país, como foi o caso da Constituinte brasileira de 1988, e fazem avançar, de forma consensual, os direitos sociais e políticos. A proposta rechaçada pela ampla maioria dos chilenos em vez de unir, dividiu o país.

A divisão já estava latente no “estallido social” de 2019, assim como o esgarçamento dos partidos tradicionais. A maioria silenciosa ficou fora da onda que fez emergir a ideia de refundar o Chile a partir do zero e por meio de uma proposta de Constituição na qual o país foi definido como um Estado plurinacional e foram abrigadas as agendas identitárias, muitas vezes de forma confusa e exacerbada.

Se o projeto incorporava o anseio dos chilenos por um estado de bem-estar social, traduzido em uma aposentadoria digna, em uma educação superior gratuita, por outro lado enveredou por caminhos que minavam a democracia representativa e o equilíbrio entre os poderes.

O recado do rechazo não é o aval à atual Constituição, uma herança dos tempos de Pinochet. A conquista de uma nova Constituição consagradora dos direitos sociais e políticos e fator de unidade dos chilenos continua na ordem do dia e já se iniciaram negociações para que o processo constituinte tenha continuidade e se dê em outro patamar.

O clamor que sai das urnas é o da unidade nacional, sentimento compartilhado pela imensa maioria dos chilenos. Seu pronunciamento é também o resgate da política, do diálogo, de revalorização dos partidos e do próprio Congresso chileno, por onde, inevitavelmente a negociação passará. A esquerda é parte da unidade a ser construída, mas já não dará as cartas de forma absoluta.

A conferir se o presidente Boric acompanhará o sim ao centro dado pelos chilenos. Os primeiro sinais são positivos e eles devem se refletir tanto em ser um dos protagonistas do entendimento nacional, como na reestruturação do seu governo, abrindo espaço para as forças de centro-esquerda. Seu grande desafio é como ampliar a sua base com as forças concertacionistas e ao mesmo tempo manter unido o núcleo duro de seu governo. Não é uma equação fácil. Seu braço mais à esquerda, leia-se o Partido Comunista do Chile, não aceitará facilmente perder nacos do poder em favor de uma coligação mais ampla.

Gabriel Boric vive uma situação delicada. Em seis meses a aprovação de seu governo caiu de 50% para menos de 30%. Sua imagem vem sendo corroída por uma inflação de 13% – nos tempos da Concertacion ela girava em torno de 3% – e uma escalada da violência, com um crescimento de 30% nos últimos doze meses. Como apoiou, ainda que de forma moderada, o projeto da Convenção Constituinte a derrota do sim é também uma derrota pessoal.

A única maneira de dar a volta por cima é se colocar em sintonia com os ventos que varreram o Chile no último domingo. Mas, ou entende que os chilenos disseram sim ao centro, ou corre o risco de ser um pato manco no palácio La Moneda por mais três anos e seis meses. Em seu favor, já deu demonstrações de ser um político habilidoso e não dogmático, a ponto de não defender ditaduras de esquerda, como as de Cuba, Nicarágua e Venezuela.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação e Secretário de Educação do Estado de São Paulo

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