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Bebês russos, passaportes do Mercosul (por Marcos Magalhães)

Nos últimos meses, mais de cinco mil mulheres russas decidiram dar à luz seus bebês nas maternidades de Buenos Aires

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Argentina Buenos Aires
1 de 1 Argentina Buenos Aires - Foto: Getty Images

No ano de 2041, quando completarem 18 anos e decidirem sair pelo mundo, Aleksandr Ivanov e Elena Volkov poderão deixar rapidamente para trás os guichês de imigração dos aeroportos de Buenos Aires ou São Paulo. Eles terão nas mãos seus passaportes do Mercosul.

Os nomes são fictícios, mas o cenário é bastante verossímil. Nos últimos meses, mais de cinco mil mulheres russas decidiram dar à luz seus bebês nas maternidades de Buenos Aires. Elas entram no país vizinho sem necessidade de visto e saem com os filhos no colo e documentos argentinos.

A decisão de viajar, segundo reportagem da rede britânica BBC, muitas vezes ocorre depois que as futuras mamães – em seus últimos meses de gravidez – compram em um website de língua russa um dos vários tipos de pacotes de viagem para o distante país da América do Sul.

Elas podem escolher serviços personalizados, que incluem acolhida especial no aeroporto de Ezeiza, aulas de espanhol e descontos nos melhores hospitais de Buenos Aires. O pacote mais simples sai por US$ 5 mil, enquanto o de primeira classe custa três vezes mais.

E o que as faz gastar tanto dinheiro para ter seus bebês a 13 mil quilômetros de casa? Principalmente a possibilidade de dar aos pequenos russos um passaporte que lhes permita, no futuro, viajar sem problemas pelo mundo.

Além disso, ter filhos argentinos pode facilitar ao papai e à mamãe russos, se assim quiserem, obter nacionalidade argentina.

Um passaporte argentino permite que o viajante entre em 171 países sem necessidade de visto. Um documento russo abre as portas de apenas 87 nações sem visto.

O turismo das mulheres russas diz muito sobre a atual situação dos dois países. Elas parecem perceber que, após a guerra na Ucrânia, as portas nem sempre estarão abertas a quem possui um documento emitido pelas autoridades de Moscou.

As maternidades de Buenos Aires, por sua vez, não são mais do que pequenas paradas técnicas para as grávidas russas. Elas muitas vezes deixam o país rapidamente depois de obter os documentos de seus filhos.

Um tipo de imigração bem diferente do que a Argentina experimentou há pouco mais de um século – o que também é eloquente sobre a realidade atual do país vizinho.

No ano de 1914, a população argentina era de aproximadamente 7,9 milhões de habitantes. Na década anterior haviam entrado no país cerca de dois milhões de estrangeiros – principalmente italianos e espanhóis, mas também franceses, ingleses e… russos.

A Argentina era uma promessa de felicidade, e eles vinham para ficar. Se, no começo do século 20, os imigrantes eram quase 30% da população, hoje são apenas 5%. E o país, que já foi um eldorado para quem deixava a Europa, hoje parece um retrato desbotado de si mesmo.

Os pequenos russos terão direito a passaportes argentinos – que, assim como os brasileiros, contêm na capa a palavra Mercosul. Pelas leis atuais poderiam, inclusive, solicitar residência permanente em uma cidade como Montevidéu ou Rio de Janeiro. Mas eles gostariam?

Se a Rússia hoje parece isolada por causa da política, os países do Mercosul não constam no topo da lista de candidatos a imigrantes, tanto pela distância quanto pela economia. E não parecem empenhados em atrair talentos de outras partes do mundo.

A imigração não é garantia de sucesso. Mesmo depois de atrair milhões de trabalhadores qualificados entre o fim do século 19 e o início do século 20, a Argentina patinou em suas opções políticas e não conseguiu manter as promessas de se tornar uma das maiores potências do mundo.

Mas países como os Estados Unidos, por exemplo, devem muito à chegada de novos talentos. Basta observar os sobrenomes de importantes pesquisadores de suas universidades e de trabalhadores de suas empresas de alta tecnologia.

Nas ruas e nos cafés próximos à Universidade de Stanford, na Califórnia, ouve-se frequentemente o mandarim. Milhares de estudantes chineses voltarão a suas cidades depois de concluir os estudos, mas manterão redes de contato com estudantes e professores dos Estados Unidos e de outras partes do mundo.

O Brasil tem atualmente 208 milhões de habitantes, segundo as projeções oficiais. Desse total, apenas 1,3 milhão são imigrantes. Isso porque o número aumentou 24% nos últimos 10 anos, principalmente por causa da chegada de venezuelanos e haitianos.

O país deve manter abertas as portas para quem procura fugir de crises econômicas e políticas, especialmente da América Latina. Mas poderia ampliar também as possibilidades de atrair talentos que lhe permitam ampliar conquistas de inovação e produtividade.

O Brasil e o Mercosul ainda têm a fama de serem pouco conectados ao resto do mundo. Para mudar isso, precisarão promover acordos comerciais e reduzir gradualmente as altas muralhas que erigiram para proteger suas economias.

Outra boa iniciativa poderia ser a de se abrir também para novos imigrantes, capazes de ampliar a conexão do país e do bloco com centros globais de inovação.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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