“Toca o carro pra Lapinha”. É un dito soteropolitano típico dos desfiles cívicos ao 2 de Julho, da Independência do Brasil em campos baianos. A festa termina e, dias depois, é hora de empurrar de volta, pelas ruas do corredor da história, o carro do Caboclo e da Cabocla, heróis simbólicos das lutas de Independência , até o casarão na Lapinha, onde são cultuados pelo resto do ano. Trata-se de um dos momentos mais belos e simbólicos dos desfiles populares (cobria pessoalmente quando trabalhava na sucursal do Jornal do Brasil) que empolgaram o país no começo da campanha presidencial deste ano, com a presença dos quatro principais candidatos nas ruas em festa – Lula , Bolsonaro, Simone e Ciro .

Tudo isso ganha novo sentido neste fim do Ano de 2022, da visita do ministro Luiz Roberto Barroso ( STF e TSE) à capital baiana; enquanto saudosistas da ditadura ainda pedem golpe, bloqueando rodovias ou nas proximidades dos quartéis das forças armadas, o filho número 3 do emudecido mandatário, deputado Eduardo Bolsonaro, se diverte na base do “Tô nem aí” ,de camarote no Catar, no jogo Brasil x Suíça.

Diga-se a bem da verdade e dos fatos: o ministro Barroso segue com olhar atento e de longo alcance da sacada de sua janela, na sede do Tribunal Superior Eleitoral, de visão privilegiada de Brasília e seus labirintos, sem perder o foco ou se desguiar. Esta semana ele foi direto ao ponto, na palestra que fez na sede do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, ao pedir que o resultado das urnas seja respeitado, sem mais delongas, a bem da vontade do povo brasileiro e da democracia: “Eles têm repetido que Supremo é o povo. E é isso mesmo. Soberania popular significa a supremacia da vontade do povo, que se manifesta nas eleições. (…) O resultado tem que ser respeitado. Não adianta apelar para quartéis e não adianta apelar para seres extraterrestres. Isso é antidemocrático”, disse o magistrado, na fala para estudantes.

A Tribuna da Bahia destacou, em seu noticiário: o ministro do Supremo frisou que, como todas as pessoas, ele também tem o maior respeito e consideração pelas 58 milhões de pessoas que votaram em um candidato (o caso de Bolsonaro). “Porque a democracia não é um modelo de ‘alguns’, é o governo de todos e, portanto, todos merecem respeito e consideração, mas os humanos têm o direito de perder a paciência em alguns momentos da vida”, disse.

Era uma explicação pública para o episódio recente em que respondeu “perdeu, mané, não amola” a um bolsonarista que o questionou sobre as urnas eletrônicas brasileiras. O caso aconteceu em Nova Iorque, nos Estados Unidos, onde ele participou do Lide Brazil Conference, evento organizado pelo Grupo de Líderes Empresariais, liderado pelo ex-governador de São Paulo, João Dória Jr. “Eu, humanamente, perdi a paciência. Mas quero deixar claro que só perdi a paciência depois de três dias, em que uma horda de selvagens andava atrás de mim, me xingando de todos os nomes que alguém possa imaginar”, contou na palestra em Salvador. Antes dos aplausos finais do público, Barroso condenou os ataques aos ministros e à Corte. “A civilidade e a integridade vêm antes da ideologia. Nós não podemos naturalizar a barbárie ou à selvageria”, concluiu. Aliás, a propósito da citação do começo deste artigo, na tradição baiana do 2 de Julho há um ditado que cai como luva em perdedores renitentes do tipo que rondam quartéis ou esperam uma solução de ETs: “Lugar de chorar é no pé do Caboclo”.

 

Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br