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Por trás das câmeras: a luta das mulheres no cinema brasileiro

Dados do mercado mostram a discussão de gênero, que avança a passos tímidos com movimentos sociais e coletivos femininos

atualizado

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Stela Woo/Metrópoles
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1 de 1 Abre_mulheres-no-cinema - Foto: Stela Woo/Metrópoles

Enquanto o debate sobre inclusão e respeito às mulheres no cinema segue forte em outros países, o Brasil tem se mostrado pouco aberto a mudanças na área. Dados do informe de Diversidade de Gênero e Raça nos Longa-Metragens Brasileiros, realizado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), mostram que, dos filmes lançados em 2016, a direção liderada por elas beira a 20%.

Em outros cargos, como direção de arte e roteiro, a presença feminina também é pequena. Nas equipes mistas, as profissionais conseguem um pouco mais de espaço e a presença de movimentos e coletivos dedicados às mulheres do audiovisual prometem trazer diversidade para o mercado com dominação masculina.

“Há o desafio geral de atuar em uma área na qual somos minoria e dificuldades específicas relacionadas a questões regionais, econômicas e raciais, aliadas ao gênero, tornam ainda mais difícil trabalhar no setor audiovisual. Mas os maiores obstáculos são conseguir entrar no mercado de trabalho e depois permanecer nele”, afirma o Coletivo Vermelha, formado por diretoras e roteiristas. A missão do grupo é pensar no espaço e na representatividade das mulheres na indústria.

 

A diretora e roteirista Carol Rodrigues, que participou do desenvolvimento da terceira temporada de 3% e realizou o Criadas, diz se sentir mais tranquila em sets femininos. “Nos dois últimos anos, essas questões de gênero têm mudado bastante, os homens se abriram e estão tomando cuidado. Antes, o assédio era a linguagem dominante no cinema”, conta.

Outros desafios para as mulheres ocuparem cargos de direção e roteiro é a falta de abertura do próprio mercado, o preço de equipamentos, como câmeras, e dificuldade para ter um edital de financiamento aprovado. “As empresas produtoras precisam entender que quem não tem toda a extensa formação tradicional para escrever traz uma renovação interessante. O mercado brasileiro está despreparado para trazer vozes diferentes”, critica Carol.

A falta de incentivo e reconhecimento histórico das mulheres no audiovisual é mais um obstáculo ressaltado pela doutora em cinema pela UnB, professora de cinema do Iesb e escritora Patrícia Colmenero. “Existe um estímulo social para a mulher não ocupar esses cargos. Quando você entra no set e sofre preconceito, assédio — seja moral ou sexual, tudo colabora para você desistir dessas funções, que são muito desafiadoras socialmente, não profissionalmente”.

Carol percebe no Brasil os impactos positivos de mobilizações das mulheres, especialmente as da área, e movimentos internacionais, como o #metoo. Apesar disso, ela aponta que o machismo dos sets não é apenas assédio. “Sendo do sexo feminino, você tem de fazer tudo três vezes melhor e nunca falhar. Deve ser firme, competente, mostrar mais serviço e ainda assim corre o risco de não conseguir engatar em um trabalho depois do fim de outro”.

 

Problema histórico
Os Anuários Estatísticos do Cinema Brasileiro de 20142015 e o informe de diversidade de 2016 mostram que, apesar dos desafios, as mulheres têm conseguido cada vez mais espaço na cadeira de direção. Como esse cargo é o foco das pesquisas, não é possível afirmar se o cenário também melhorou para as profissionais em outras funções, como roteiristas, produtoras e diretoras de arte e fotografia.

De todas as atividades investigadas no relatório de diversidade de gênero e raça, a única com maioria feminina é produção executiva, com a presença delas ocupando quase 37% desses cargos, enquanto os homens compõem 28%.

Entretanto, a explicação para esses números não é muito progressiva. “A produção é meio administrativo e social, características cedidas às mulheres. Os homens preferem ocupar locais autoritários e de forma ditatorial, como muitos diretores se colocam. Não é uma função de tanta liderança, é mais de serviço do que de autoridade”, argumenta a doutora em cinema Patrícia Colmenero.

“Obviamente, existe uma disputa pelo poder aí, né?”, diz a crítica de cinema Cecília Barroso a respeito dos cargos de direção e roteirista. “Essa competição explica também os diversos apagamentos feitos para não mostrar realidades diferentes”. Patrícia afirma que, na antiga Hollywood, os roteiros eram escritos majoritariamente por mulheres, mas sem o devido crédito.

“Muitos filmes da Alice Guy Blanché foram creditados, a princípio, no nome dos assistentes de direção, não no dela. Tem toda a presença apagada das mulheres nesses cargos. Hoje, a dificuldade é vencer um rastro histórico”, explica Patrícia.

Falta diversidade
Os problemas de gênero não ficam só nos sets. A diretora e roteirista Carol Rodrigues aponta a necessidade de ter júris e avaliadores de editais mais diversos. “Mandei para o Prodav (Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro) um projeto e teve um aval extremamente negativo. Alegaram não ter nenhum tipo de verossimilhança, sentido ou relevância”, lembra.

O projeto era o Criadas. Quando a diretora o levou para o BrLab — iniciativa de desenvolvimento de audiovisual no Brasil integrado com a América Latina e a Península Ibérica — a resposta foi completamente diferente. O longa ganhou prêmios e teve boa repercussão on-line. “Uma das principais reivindicações é que essas políticas públicas sejam avaliadas também por mulheres, negros e indígenas”, comenta.

Para Carol, incluir e dar chance para pessoas diferentes da hegemonia de chefes homens e brancos traria renovação para o cinema brasileiro e resultaria em produtos melhores. “Queremos uma produção diversa, múltipla, rica e com democracia de vozes. Quanto maior a diversidade e o conflito de posições sobre o mundo, mais interessante vai ser o nosso resultado. Queremos uma produção audiovisual incrível e para isso precisamos garantir a igualdade de acesso e espaço”, afirma.

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