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Associação em nome de laranja dá golpe da contribuição em aposentados

Associação ligada a empresário com contrato no INSS, Ambec desconta, direto na folha, mensalidade de R$ 45, sem autorização dos aposentados

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
INSS previdencial Social
1 de 1 INSS previdencial Social - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

São Paulo — Uma associação em nome de uma auxiliar de dentista que mora no extremo leste de São Paulo está cobrando, sem o consentimento dos aposentados, uma contribuição mensal de R$ 45,00 sobre o valor das aposentadorias, descontada diretamente da folha de pagamento do INSS.

Por trás da Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), nome que aparece nos extratos do INSS ao lado do valor descontado sobre o benefício, estão empresários ligados ao Centrão no Congresso que tiveram contratos milionários em Brasília. Quem abriu a porta para a entidade no INSS foi um ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (PL).

O valor mensal cobrado compulsoriamente de aposentados de diversas regiões do país parece pequeno, mas recai, principalmente, sobre quem recebe um salário mínimo de benefício do INSS. O Metrópoles constatou milhares de processos na Justiça contestando a contribuição da Ambec, além de queixas em órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, e reclamações na internet.

São aposentados que nunca ouviram falar sobre a Ambec e que foram surpreendidos, de uma hora para a outra, com a dedução automática de R$ 45,00 no pagamento de suas aposentadorias, como contribuição para a associação. Quando vão questionar o desconto na agência do INSS, escutam de funcionários que não são as únicas vítimas do golpe da contribuição.

Descontos continuam mesmo após queixa

Há casos em que a Ambec tem devolvido o dinheiro após a primeira reclamação. Em muitos, contudo, a associação e o INSS resistem, e a contribuição de R$ 45,00 continua sendo descontada das aposentadorias.

Foi assim com Josefa Brito, de 74 anos, moradora do Grajaú, no extremo sul de São Paulo. Ela estranhou o desconto em seu benefício, foi ao INSS e descobriu que parte de sua aposentadoria estava sendo destinada à entidade.

“Eu procurei a Justiça porque eu fui ao INSS e me mostraram lá que a Ambec estava descontando. É pouco, mas me faz falta. E eu não autorizei desconto nenhum. Como que pode descontar na sua aposentadoria uma coisa que você não autoriza? O aposentado ganha pouco, não dá nem para comprar medicamento”, diz Josefa.

Josefa entrou com processo na Justiça, ganhou e, mesmo assim, não recebeu o dinheiro de volta. Em uma mensagem, o gerente da agência do INSS afirma que, como o órgão não é citado no processo, não “cabe atuação no momento”. Ainda diz que é “facultado” à própria autora da ação o pedido para excluir os descontos. A Justiça, então, impôs ao órgão uma multa diária até que ocorra o cancelamento do desconto.

Outras duas aposentadas que conversaram com o Metrópoles passaram pelo mesmo calvário. Moradora da zona oeste de São Paulo, Nilcea dos Santos, de 69 anos, também moveu uma ação contra o desconto na folha de pagamento da aposentadoria para a Ambec. No processo, a entidade apareceu para se defender e diz ter relação com ela, mas não apresentou qualquer documentação para comprovar que ela tenha assinado para se filiar à associação.

“Eu nem conheço essa entidade! Como eles chegaram até mim e como foram permitidas entradas dessa forma, descontando valores?”, indaga Nilcea.

Josefa e Nilcea são parte das mais de 600 pessoas que processaram a Ambec apenas na Justiça de São Paulo. Um levantamento feito pelo Metrópoles nos Diários Oficiais de Justiça constatou que existem 2,3 mil ações contra a associação espalhadas em 12 tribunais em diversas regiões do país. Em sites de reclamações, há 5,5 mil notificações. A cada dia entram mais e mais processos e queixas.

Como a Ambec entrou no INSS

Para uma associação representativa conseguir descontar sua contribuição mensal diretamente na folha de pagamento das aposentadorias, é necessária a autorização do Ministério do Trabalho. No caso da Ambec, a entidade foi agraciada com um termo de cooperação com a pasta, assinado em 2021.

No extrato do acordo, consta que ele foi firmado para a “realização de desconto de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários dos seus associados” no valor de R$ 45,00.

O “Acordo de Cooperação Técnica” foi assinado pelo então diretor de benefícios, José Carlos Oliveira, que presidiu o INSS em 2021 e, ano seguinte, assumiu o comando do Ministério do Trabalho e da Previdência, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Quando estava na diretoria de benefícios, Oliveira já era visto com preocupação por procuradores do Ministério Público Federal (MPF), que vinham investigando entidades como a Ambec. Quando ele chegou, a pasta pôs freio em uma onda de suspensões de convênios com essas entidades, por irregularidades.

No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Ministério do Trabalho foi assumido por Luiz Marinho (PT), ex-prefeito de São Bernardo do Campo, e a pasta da Previdência, onde está o INSS, ficou sob o comando de Carlos Lupi (PDT). A Ambec permaneceu intocada dentro da pasta.

O que diz o INSS

O Metrópoles questionou o INSS sobre os descontos indevidos feitos pela Ambec diretamente nos pagamentos das aposentadorias e quais medidas adotou a respeito. Em nota, o órgão afirmou apenas que “mantém acordos de cooperação técnica com entidades de classe para desconto de mensalidade associativa com algumas instituições”, com base na Lei nº 8.213/1992 e no Decreto nº 3.048/1999.

“Desde que autorizada pelos filiados, a mensalidade associativa pode ser descontada diretamente do benefício. Cabe destacar que o desconto não é do INSS, mas sim da entidade”, diz o órgão.

Ainda segundo o INSS, “o beneficiário que for descontado indevidamente deve entrar em contato com a entidade por meio do SAC que consta na própria rubrica de desconto no extrato de pagamento, ou pode pedir o serviço de excluir mensalidade associativa pelo Meu INSS ou Central 135”.

Presidente laranja e assinaturas falsas

A Ambec diz, em seu site, fornecer, pelo valor de R$ 45,00 mensais, planos odontológicos e descontos em atendimentos médicos. A associação tem sede na Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo. Seu escritório, de fato, funciona em um prédio comercial no bairro cujo metro quadrado é um dos mais caros da cidade.

Sua presidente formal, contudo, é a auxiliar de dentista Maria Inês Batista de Almeida, de 63 anos, moradora do Jardim Robru, no extremo leste de São Paulo. É o nome dela que aparece como presidente da Ambec na Receita Federal.

A Ambec vive uma guerra interna. Ex-conselheiros e diretores acusam atuais dirigentes de terem lavrado a ata de eleição que levou Maira Ines à presidência, com assinaturas falsas. A briga se arrasta há um ano na Justiça e está recheada de trocas de acusações de falsidade de ambas as alas da entidade.

O Metrópoles apurou que a entidade está sob controle de empresários que conquistaram contratos milionários em Brasília, em uma autarquia dominada pelo Centrão. Um deles é Jose Hermicesar Brilhante Palmeira, empresário do ramo de planos odontológicos, que aparece como secretário da Ambec em registro no cartório.

Ele tem passado político em São Paulo. Missionário de igreja evangélica, foi homenageado por um ex-vereador malufista no início dos anos 1990. Em Brasília, seu plano de saúde conseguiu um contrato com o Geap, plano de saúde dos servidores públicos federais, que era de domínio de políticos do Progressistas.

Em 2020, o general Ricardo Figueiredo, nomeado pelo governo Bolsonaro, tirou a empresa de José Hermicesar do Geap e travou uma guerra judicial contra ela. Ele disse à época que milhões de reais estavam sendo economizados sem o contrato. O Geap estava sob o guarda-chuva do INSS.

Presidente silencia e Ambec nega irregularidades

O Metrópoles perguntou diretamente a Maria Inês Batista de Almeida se ela exerce, de fato, a presidência da Ambec, ou se emprestou seu nome a terceiros. Ela não se pronunciou. Em contato com a reportagem, um atendente disse que a presidente não se pronunciaria e que a entidade enviaria uma nota de manifestação por meio de sua defesa.

O advogado Fernando Araneo, que defende a Ambec, afirmou apenas que a associação “foi fundada há 17 anos, sem fins lucrativos, regularmente constituída para cumprir sua função social de auxílio a todos aqueles aposentados que voluntariamente se associaram, não possuindo nenhuma irregularidade”.

Araneo não falou sobre os descontos indevidos nas aposentadorias, contestados na Justiça, e nem sobre a atuação da auxiliar de dentista no comando da Ambec. Disse apenas que “sua diretoria é regularmente composta por aposentados”.

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