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O Corcel de Raul, a saída da Ford e o liberalismo brasileiro

A saída da Ford é resultado de um modelo de desenvolvimento que estimulou indústrias via subsídios. Esse modelo está esgotado

Autor Valdir Oliveira

atualizado

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A esquizofrenia mostrada na arte de Raul Seixas assustou uma geração, mas a cada dia percebemos quão atuais são as suas composições. O que era cantado como uma alucinação é tão real nos dias de hoje, como se fosse a descrição do que estamos vivendo. Uma dessas ricas alucinações surgiu em 1973: a canção Ouro de Tolo, que foi a forma encontrada por Raulzito para balançar a sociedade, mostrar que a mediocridade da satisfação não pode ser a solução para a vida das pessoas.

Precisamos buscar a felicidade e ela não para no tempo, muito menos pode ser encontrada em padrões construídos ao longo da nossa história. Como eternizou Raul em outra canção, “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. O mundo muda a todo instante, precisamos mudar com ele.

A pauta dos últimos dias foi o anúncio do fechamento das fábricas de automóveis da Ford e a consequente saída desse conglomerado do Brasil. Esse debate foi permeado de impressões políticas e ideológicas, que são a realidade brasileira nos dias de hoje. Se no Brasil tudo acabava em pizza, hoje acaba em política, em uma briga binária na qual só impera o nós contra eles.

Mas o que vejo por trás da saída da Ford é a economia ou o resultado de um modelo de desenvolvimento que estimulou indústrias por meio de subsídios e parou no tempo. O subsídio foi transformado em muleta empresarial, que estimulou a fixação de empresas que, ao longo do tempo, se desconectaram da necessidade do cliente.

Com a tese liberal anunciada pelo novo governo, o subsídio não é mais o instrumento de estímulo à produção e, ao que parece, não será a prioridade do governo para oportunidades empresariais no país. Por isso, a indústria precisa estar conectada com o mercado. Sem o interesse do consumidor, o projeto empresarial tende a ser inviável.

O que faz uma indústria prosperar não é apenas um ambiente empreendedor saudável, desburocratizado e tributariamente viável, é também a conectividade entre o que a indústria produz e o que o consumidor precisa. Se o mundo muda, a necessidade do cliente muda e a indústria deve adaptar seu produto à nova realidade.

O sonho da sociedade nas décadas de 1960 e 1970 era ter um emprego, uma casa e um carro. Essa era a tradução da felicidade que Raul Seixas cantava indignado em Ouro de Tolo. O que inquietava o artista era como a sociedade poderia ser feliz com tão pouco. Era a senha para compreender que o mundo tinha muito mais a ser conquistado e que não poderíamos nos resumir ao padrão traçado por aquela geração.

Hoje, a nova geração mudou os sonhos e a cada dia muda suas necessidades e, por consequência, o consumo. A nova geração tem mais interesse no consumo de serviços do que de produtos, de bens. Não é mais tão relevante o consumo de automóveis, mas o acesso à mobilidade.

A economia mudou, a matriz de desenvolvimento, que era pontuada por grandes parques industriais fabris, hoje tem na ponta empresas inovadoras e de base tecnológica. Por isso, a tendência atual é o conhecimento como principal vetor da matriz de desenvolvimento, e não a máquina. Isso mostra que a indústria automobilística tem no mercado uma situação bem diferente do que tinha na metade do século passado.

Por isso, não prospera mais o modelo de incentivos a fábricas de automóveis com subsídios públicos tão elevados. Raulzito, em outra alucinação artística, disse que a solução para o povo era alugar o Brasil, não era dar. Independentemente de outras interpretações dessa música, Raul já trazia em forma de sátira a oportunidade de transformar o Brasil em uma fonte prestadora de serviços e não de bens.

Não acredito que o Brasil adote o liberalismo econômico como modelo de Estado. Nossa cultura não permite isso. Somos um povo que vê o Estado como fonte de benefícios e temos uma formação empresarial que busca em seus projetos o subsídio como forma de viabilizar as alternativas empresariais. Não somos um povo liberal na essência, por isso acredito que esse discurso liberal não logrará êxito em um pleito eleitoral.

Mas precisamos refletir sobre avanços necessários para mudar, e um deles é reduzir a dependência do subsídio para a viabilidade de empresas e empregos. Por isso, não vejo a saída da Ford ou de outros conglomerados que vivem de subsídio como o grande problema. O prejuízo maior está na ausência de soluções alternativas.

Esse sinal de esgotamento já vem de muito tempo, mas o Brasil não construiu soluções que pudessem substituir o modelo então implantado. E, agora, estamos chegando ao fim do ciclo desse modelo, sem alternativas para desenvolvermos o país.

Desde o início da década de 1970, Raulzito pede que não fiquemos paralisados com a falsa sensação de satisfação. Naquela época, ele já cantava aos quatro cantos que deveria estar feliz porque conseguiu comprar um Corcel 73. Mas Raul já nos mostrava que isso era tão pouco e que ele tinha grandes coisas para conquistar e não poderia ficar parado.

Façamos como Raulzito, não vamos parar no debate da manutenção de fábricas que não são viáveis, precisamos encontrar caminhos que minimizem a mazela do desemprego, um mal que afeta nossas famílias e traz problemas sociais graves. Em outra canção, Raul Seixas diz que “você será capaz de sacudir o mundo”; tente outra vez. Que assim seja, vamos tentar outra vez e empurrar o Brasil para a frente!

* Valdir Oliveira é superintendente do Sebrae no DF
Twitter: @antoniovaldir
Instagram: @antonio_valdir_oliveira_filho
Facebook: Valdir Oliveira

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