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Ursula Tautz e o reencontro com suas memórias

A partir das memórias alheias, e também de suas recentes memórias pessoais, a artista levantou o projeto O Som do Tempo

atualizado

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Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre15 - Foto: Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles

Oldrzychowice Klodzkie pertencia à antiga Tchecoslováquia. Em seguida, se tornou território da Alemanha. Atualmente é uma cidade polonesa. Ursula Tautz, artista brasileira, nascida e criada no Rio de Janeiro, esteve lá quatro anos atrás.

Obrigado a tomar parte do exército alemão, seu avô tinha sido preso pelos russos na Primeira Guerra Mundial. Depois de solto, ele foi trabalhar como capataz na fazenda da família da avó, em Oldrzychowice Klodzkie. Como a irmã dela já morava no Brasil, eles acabaram vindo para cá, para refazer suas vidas.

Ursula entende sua viagem à Europa, então, como uma espécie de retorno. “Voltar a uma casa que estava em minha memória, mas que não conhecia. Minha avó criou essa memória para mim, de tanto que falava sobre ela.”

A partir das memórias alheias, e também de suas recentes memórias pessoais, Ursula Tautz tem passado os últimos meses levantando o projeto O Som do Tempo.

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Sua ideia é erguer uma baita instalação dentro do Paço Imperial, centro do Rio de Janeiro. Para poder viabilizar a empreitada, criou objetos de mesa que simbolicamente reúnem as questões que a têm movido nesse projeto. Por isso, Ursula passa esta semana em Brasília, a falar de sua obra, a receber interessados na Referência Galeria de Arte e a vender os múltiplos de O Som do Tempo (R$ 2.200,00). Ela estará aqui até este sábado 9 de fevereiro.

“Todos meus trabalhos partem da arquitetura do lugar em que eu vou fazer a instalação e, a partir desses trabalhos, derivo outros, crio objetos”, diz Ursula Tautz, recebendo a coluna Plástica dentro da Referência, na tarde de terça-feira. “Esta exposição vai ser muito grande e, infelizmente, não teve recurso por parte da instituição. Então pensei numa forma de financiamento, cara a cara, encontrando as pessoas e falando de minhas obras. A partir desta peça, as pessoas podem contribuir e financiar a exposição.”

Em Oldrzychowice Klodzkie, Ursula reencontrou a antiga casa de sua família. Ainda de pé. Ainda muito parecida com o lugar do qual tanto ouvira falar. Tirou fotos. Gravou vídeos. Na intenção de usar – ainda não sabia exatamente como – em sua obra.

Ursula conta que ficara hospedada num convento. Seu tio tinha sido teólogo em Munique e sua família sempre esteve envolvida com o convento de Oldrzychowice Klodzkie. Uma freira lhe serviu de intérprete, falando inglês. E era justamente a semana do feriado de Corpus Christi.

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De volta ao Rio de Janeiro, o badalar de sinos era o som que imediatamente trazia à sua memória tudo o que ela vivera naquela viagem. Daí o Paço Imperial se apresentou para Ursula Tautz como o lugar ideal para receber O Som do Tempo.

O Paço Imperial foi a casa da coroa portuguesa no Rio. Em função disso, existem ainda hoje meia-dúzia de igrejas nos quarteirões ao redor. Quando os sinos se põem a bater as horas, o som ecoa dentro do Paço Imperial.

“O Som do Tempo fala sobre a memória e como o badalar dos sinos desperta essa memória. Dizem que o badalo dos sinos suspende o tempo, junta o passado e o presente. Este trabalho envolve todos os sinos ao redor do Paço Imperial, interage com a cidade.”

O objeto que Ursula Tautz trouxe para a Referência serve como uma pequena escala simbólica. Temos cá uma redoma de vidro, contendo um badalo de sino quebrado, que já não pode tocar mais, e um montinho de areia a reelaborar a ideia de uma ampulheta, como um tempo pregresso. O badalo está preso, amarrado por fios dourados. E a redoma que abriga o conjunto tanto serve como prisão quanto remonta a um relicário.

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No Paço Imperial, tudo isso se apresentará um tanto maior. Ursula pretende mover nove toneladas de terra e cem quilos de areia. A ideia é soterrar uma cadeira de espaldar alto, à guisa de trono. Com badalos de sino pendurados sobre o conjunto.

“Quero ocupar a Sala do Terreirinho, onde havia o beija-mão do rei. Trago a falência dessa colonização e o que criamos a partir disso.”

As memórias pessoais aparecem em projeções de vídeos. São as imagens que ela gravou na Polônia – a procissão de Corpus Christi, a antiga casa da família, um estábulo que hoje está sendo usado como depósito de lenha para o inverno. Ursula também se apropria de filmes alheios, criando uma colagem de trabalhos de artistas como a carioca Bel Lobo. Fez também um empréstimo da obra do documentarista Silvino Santos, um dos primeiros a filmar as ruas da cidade de Manaus. Porque a outra avó de Ursula, e essa é outra descoberta recente nesse momento de reinvenções, era manauara.

De hora em hora, quando os sinos ecoarem no Paço Imperial, as projeções de vídeos entrarão em pausa, suas imagens se congelando no ar – a memória em suspensão.

Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
Múltiplos do objeto O Som do Tempo na Referência

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