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“Linn no BBB naturaliza travestis”, diz 1ª professora trans da UFRJ

Hoje roteirista, a doutora Danieli Balbi fala da necessidade de naturalização da imagem de transexuais e travestis em espaços públicos

atualizado

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Foto: Aline Massuca/Metrópoles
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1 de 1 Dani_Balbi_3 - Foto: Foto: Aline Massuca/Metrópoles

Rio de Janeiro – A presença de Linn da Quebrada no BBB22 levantou, dentro e fora da casa do reality show, diversos debates sobre identidade de gênero e oportunidades para pessoas transexuais e travestis. Com isso, a reportagem do Metrópoles conversou com a roteirista Danieli Balbi, 33, a primeira professora transexual negra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre a importância da representatividade em programas de grande visibilidade.

Doutora em Ciências da Literatura e ex-professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Dani, como é conhecida, fala sobre a necessidade de naturalização da imagem de transexuais e travestis.

“Colocar uma transexual ou travesti em um programa, no horário nobre da televisão, faz a gente naturalizar a presença desses corpos, a existências sociais dessas pessoas, que foram sempre invisibilizadas e marginalizadas, que eram condenadas a existir na calada da noite, vítimas de toda a vulnerabilidade e expostas a violências”, declara.

Segundo a roteirista, é por meio do constrangimento, que a maior parte dos brasileiros sentem ao ver a presença transexual na televisão, que começamos a naturalizar a existência dessa parcela da população no espaço público.

“Isso ocasiona debates sobre, por exemplo, o uso correto do pronome, autodeterminação, ingresso no mercado de trabalho, valorização de produção de transexuais e de travestis, relações afetivas, entre outros. O saldo é muito positivo”, relata.

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Uso do pronome certo 

Mesmo com um “ela” tatuado em sua testa, Linn da Quebrada foi diversas vezes chamada pelo pronome masculino na atração. A situação chegou a ser repercutida pelo apresentador do programa, Tadeu Schmidt, que pediu para Linn explicar como gostaria de ser chamada.

Balbi explica que o erro no pronome afeta diretamente a autoestima. “Em primeiro plano, é a autoestima que é afetada, nosso reconhecimento enquanto mulheres ou homens transexuais.”

Em sua visão, entende isso como uma estratégia: “As pessoas que desafiam ou que não reconhecem o nosso direito de autodeterminação de gênero utilizam isso com a finalidade de minar o nosso empoderamento, nossa capacidade de afirmação”, reflete.

Mercado de trabalho

Um dos debates levantados por Linn da Quebrada no programa foi a falta de oportunidades no mercado de trabalho.

Em um diálogo com a cantora Naiara Azevedo, Linn explicou que não é uma questão de falta de capacidade para a população transexual e travesti não chegar a um lugar de destaque na carreira, mas sim uma falta de oportunidade.

“As oportunidades são realmente muito escassas. É muito difícil encontrar pessoas travestis ocupando espaços em carreiras médias e altas – que vão desde um atendente de loja ou balconista, até um advogado ou outras profissionais mais visadas. Isso acontece por uma série de razões, dentre elas, o medo do empregador de constranger seus clientes ou funcionários com pessoas transexuais e travestis, além de ter um estigma sobre a capacidade dessas pessoas se desenvolverem no trabalho”, avalia Balbi.

Sistema educacional

De acordo com Balbi, um dos grandes problemas para o desenvolvimento e a aceitação da população trans é a falta de políticas de inclusão, tanto no ensino médio quanto em universidades.

Formada em letras pela UFRJ, doutora em Ciências da Literatura e atual graduanda em economia, ela já sofreu com diversas situações discriminatórias no meio acadêmico, e afirma: “O sistema educacional é um ambiente muito inóspito, fechado e extremamente hostil. O poder público não constrói uma campanha que convide profissionais da educação a, de fato, criar uma escola diversa, comprometida com essa questão”.

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Para ela, uma das consequências disso é a alta taxa de evasão escolar da população transexual e travesti, que chega a 82% – de acordo com levantamento feito pela Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) .

“Todos esses problemas estruturais ajudam a nos vulnerabilizar, no sentido do ingresso no mercado de trabalho formal e na ideia de capacidade, uma ideia estereotipada”, assegura.

Balbi relata dificuldades com colegas de classe e professores durante toda a sua formação: “Acham que não tenho competência. As pessoas ainda se estendem o direito de me silenciar, me desprestigiar, de colocar em cheque a minha capacidade no exercício da profissão”.

Metas

“Em 15 anos já avançamos muito, mas ainda temos muito para avançar. Acho que as pessoas precisam entender que transexuais e travestis podem, sim, ter orientações sexuais diversas. Do ponto de vista mais político, precisam entender que você está lidando com um contingente da população extremamente vulnerável, e que pode enxergar gatilhos de dor em diversos lugares. É importante que tenham algum cuidado e entendam que não somos corpos à disposição para qualquer forma de atravessamento”, declara Dani Balbi.  

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