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Projeto que altera a Lei do Silêncio voltará a fazer barulho na CLDF

Distrital Ricardo Vale pedirá que proposta tramite em regime de urgência. Enquanto isso, casos controversos vão parar na Justiça

atualizado

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Renato Araújo/Agência Brasília
poluição sonora decibeis
1 de 1 poluição sonora decibeis - Foto: Renato Araújo/Agência Brasília

As horas canônicas do “Ofício Divino” ditavam o badalar dos sinos na Paróquia São Pedro, em Taguatinga. Todos os dias, em um dos pontos mais altos da igreja, o maquinário era acionado como parte do ritual católico. Entre o nascer e o pôr do sol, o processo se repetia de quatro a cinco vezes e durava cerca de cinco minutos. A rotina era mantida desde 1977, respeitados os horários de repouso ou descanso.

A tradição dos religiosos que fazem parte da paróquia ficou ameaçada quando o som dos sinos do campanário se chocou com o sossego de um vizinho da igreja. Implacável com barulhos que excedem o patamar estabelecido na Lei do Silêncio, a Justiça tratou com o mesmo rigor o caso. Para assegurar a convivência harmônica, o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) condenou a instituição religiosa a respeitar o limite máximo de 50 decibéis ao badalar os sinos, sob pena de multa diária de R$ 100.

Igrejas, bares, baladas e vizinhos. O que eles têm em comum? Em casos levados ao Judiciário da capital federal, todos foram obrigados a diminuir o volume do barulho e até condenados a pagar indenização devido ao excesso de som. O parâmetro, atualmente, é a Lei Distrital nº 4.092/2008, que fixa os decibéis,  em período diurno e noturno, a que podem chegar os ruídos em diferentes áreas do DF.

Após quase 10 anos em vigor na capital da República, uma mudança para flexibilizar as regras da polêmica lei está prestes a ser analisada. Autor de um projeto de lei que altera a tolerância de volume e cria regras específicas para festas carnavalescas e centros religiosos, o deputado Ricardo Vale (PT) vai protocolar, no começo desta semana, pedido para que a proposta tramite em regime de urgência na Câmara Legislativa (CLDF).

O projeto de lei foi apresentado à Casa há dois anos, mas, até o momento, está parado no primeiro colegiado previsto; o de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Ciência, Tecnologia, Meio Ambiente e Turismo. “A comissão, infelizmente, está muito lenta para realizar essa análise. Por isso, vamos pedir regime de urgência para que a proposta possa, inclusive, já ir para o plenário da Câmara”, afirmou Ricardo Vale.

Se não alterarmos a lei, esses conflitos vão se perpetuar. A norma atual é inexequível. A consequência é que o Ibram multa esses estabelecimentos e, em alguns casos, bares precisam até fechar as portas por conta da Lei do Silêncio. Além de trazer um enorme prejuízo do ponto de vista cultural, prejudica a sociedade com relação à questão do emprego.

Ricardo Vale, deputado distrital

Revisão de parâmetros
Em vigor desde 2008, a Lei do Silêncio estabelece que o volume máximo em área mista com vocação recreativa — caso dos bares de Brasília — é de 65 decibéis em período diurno e 55 decibéis nas horas noturnas. Em área estritamente residencial urbana ou de hospitais, escolas e bibliotecas, por outro lado, os limites ficam em 50 (dia) e 45 decibéis (noite).

Com base na norma, só no ano passado o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) lavrou 433 autos de infração por poluição sonora. A maioria dos atos — 72,06% — teve como alvo bares e restaurantes, seguidos pelo “comércio em geral” — 26,33%. Pelas estatísticas do instituto, 341 casos acabaram em advertência, 59 em multa simples, 16 em interdição parcial com multa e 17 sofreram interdição total com multa.

Para o deputado Ricardo Vale, a questão do sistema de medição precisa ser modificada. Atualmente, segundo o distrital, a avaliação do Ibram é feita no estabelecimento. “Com isso, evidentemente o instituto vai pegar o ruído do som, somado ao ruído da rua e das pessoas. É preciso que essa medição seja feita próximo à residência de quem denunciou”, avaliou.

Ainda de acordo com o deputado, os limites de decibéis também devem ser flexibilizados. “Os níveis da lei atual equivalem ao choro de criança ou à conversa entre quatro pessoas em uma mesa. É impossível ter música em níveis de 55 decibéis, seja ao vivo, eletrônica ou shows”, ponderou.

Pelo texto da proposta do distrital, o nível máximo de tolerância de sons e ruídos “de qualquer fonte emissora e natureza, em empreendimentos ou atividades residenciais, comerciais, de serviços, institucionais, industriais ou especiais, públicas ou privadas” passaria a ser 75 decibéis pela manhã e 70 decibéis à noite.

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Controvérsia
Apesar da sinalização de que o projeto deve começar a caminhar, a mudança efetiva pode demorar. E, enquanto isso, quando não há consenso e a legislação é posta em xeque, o Judiciário é chamado a intervir. Foi o que aconteceu na semana passada, quando uma determinação da Justiça reavivou a discussão a respeito dos limites de barulho por quase impedir a realização dos shows do evento Na Praia.

Uma liminar do juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, determinou que as apresentações não poderiam ultrapassar 55 decibéis, no período diurno, e 50db, à noite, sob pena de multa no valor de R$ 2 milhões e interdição do evento. O limite é bem abaixo do índice que costuma ser alcançado — 100 decibéis.

No dia seguinte, no entanto, o TJDFT suspendeu a liminar. Na decisão, a desembargadora Sandra Reves Vasques Tonussi afirmou que o Na Praia já havia sido devidamente habilitado pelos órgãos públicos de controle e fiscalização. “É possível concluir que, quando autorizada a prática do reportado evento, todas as exigências legais tenham sido observadas, inclusive no que se refere à questão sonora”, declarou.

Segundo o advogado Mike Chenut, o direito ambiental não preserva apenas a fauna e a flora, mas também o direito das pessoas de usufruirem de um ambiente adequado — “e isso esbarra na questão dos limites de intensidade de emissão de sons e ruídos”.

Adaptação à realidade
De acordo com o artigo 27 da lei de 2008, os padrões adotados devem ser revistos a cada dois anos, “a fim de incorporar novos conhecimentos nacionais e internacionais, quando necessário”. A iniciativa, porém, só veio em 2015, quando Ricardo Vale protocolou a primeira versão do projeto que pode ser analisado em breve pela CLDF.

Nesse ínterim, o distrital chegou a apresentar um substitutivo à proposta com novas regras. “A rotina do Distrito Federal é integrada por necessidades culturais, econômicas, sociais e religiosas, as quais são capazes de gerar potencial poluidor sonoro, mas que, na reserva do possível, não podem ser retirados do seio da sociedade”, destacou, na justificação do substitutivo.

Segundo o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Antônio da Silva, o substitutivo foi feito “a quatro mãos”, com a colaboração de diversos setores, o que gera um maior consenso e expectativa de breve aprovação da proposta.

“A lei de 2008 é inexequível nos moldes como prevista. De acordo com os parâmetros, se penaliza uma pessoa que estiver em qualquer lugar apenas conversando. Da forma como está, é impossível de ser aplicada. Por isso é necessário que se faça esses ajustes. A cidade cresce, evolui, e agora chegou a hora de levarmos a questão ao plenário da Câmara”, avaliou Jael Silva.

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