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Pioneira de Brasília está há 46 anos na fila por uma casa do GDF

Zeferina da Silva se inscreveu em 1973. Na Codhab, os registros são de 1999. Conheça a história da costureira que viu a capital nascer

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Andre Borges/Esp. Metrópoles
Uma candanga, Dona Zefi, que há 46 anos está inscrita para ser beneficiada com imóvel do GDF e nunca conseguiu
1 de 1 Uma candanga, Dona Zefi, que há 46 anos está inscrita para ser beneficiada com imóvel do GDF e nunca conseguiu - Foto: Andre Borges/Esp. Metrópoles

Costureira de mão cheia e mãe solteira, Zeferina Maria da Silva, 78 anos, é uma senhora de muitos amigos. Nenhum com influência política ou acesso aos trâmites dos programas sociais do Governo do Distrito Federal (GDF). Se tivesse, ela gostaria de entender o motivo pelo qual espera há 46 anos para conseguir ser beneficiada com uma moradia por meio dos programas habitacionais do DF.

À época em que se inscreveu pela primeira vez para tentar ganhar uma residência, dona Zefi, como gosta de ser chamada, lembra que a responsável pelos procedimentos era a extinta Sociedade de Habitação de Interesse Social (Shis). Os trâmites foram remanejados para o Instituto de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Idhab) e, posteriormente, para a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab).

“Já achei que ia morar no Guará, Brazlândia, Paranoá Parque, Paranoá, Recanto das Emas, Riacho Fundo I e II, e agora em São Sebastião. Pode ser que eu me esqueci de algum lugar no meio do caminho”, brinca.

O primeiro registro dela na lista do GDF a fim de conseguir moradia com auxílio do Estado data de 1973, época em que a filha tinha 2 anos. “Eu bem que queria saber se eles sabem disso e guardaram os documentos. Teve época que eu tive de refazer a papelada toda porque deu uma tempestade e molhou um bocado de pastas. Quando não tinha computador, era assim”, conta.

Se os antigos registros se perderam ou não, o fato é que, no sistema vigente de habitação, a inscrição da costureira consta como feita em 1999. Os outros 26 anos de espera podem ter sido levados pela chuva ou esquecidos entre arquivos físicos nunca atualizados pelas antigas responsáveis. Em nota, a Codhab garante ter feito três chamadas para recadastramento ao longo dos últimos oito anos. Atualmente, segundo a companhia, Zeferina está habilitada para receber uma residência no Condomínio Crixá, em São Sebastião, “restando apenas as tratativas com o agente financeiro”. No entanto, conforme a relação, há 423 idosos na frente dela.

No quadradinho

Enquanto espera, a aposentada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com um salário mínimo usa a renda para pagar o aluguel de uma quitinete de menos de 30 m² na 505 Sul. Ela está no local há mais de 20 anos e precisou abrir mão de atividades simples, como cozinhar, por causa do espaço reduzido.

Ela divide o espaço com a filha, a administradora Ana Luisa Silva de Carvalho, 48 anos, atualmente desempregada. “O que eu ganhava era pouco, mas suficiente para pagar as contas e não passar necessidade. Até eu conseguir um novo emprego, minha mãe vai precisar se virar com a aposentadoria e com o que ganha com as costuras que ainda faz. Amigos e vizinhos sempre acabam ajudando”, conta Ana Luisa.

Apesar da demora, quatro apresentações de nada-consta e vários “quases”, o sonho de conquistar a casa própria está mais vivo do que nunca. Nesse meio-tempo, ou melhor, mais que meia vida, Zefi cuida da saúde física, mental e espiritual, a fim de garantir que terá bastante disposição para desfrutar do primeiro imóvel próprio.

Ela faz musculação e nada mais de 1 mil metros, duas vezes por semana. Nos outros dias, caminha até sete quilômetros no Parque da Cidade. Apesar de não ter religião, é voluntária em uma igreja católica e numa presbiteriana. E não perde a fé em Deus. “Eu amo a vida e agradeço a Deus pelo que sou. Estou fazendo a minha parte e vou continuar firme e forte, esperando o governo fazer a parte dele”, diz Zefi.

Trajetória

Dona Zefi desembarcou em Brasília aos 19 anos, para tecer o próprio destino. Largou tudo o que tinha em Carolina (MA) e, sem lenço nem documento, pegou carona em um avião com destino ao que seria a nova capital do país. Chegou em 1959, mas só se registrou três anos mais tarde. “Naquela época era cheio de gente que não tinha uma certidão. Eu era só mais uma”, justifica.

A falta de documentação não foi obstáculo para conseguir emprego. Tão logo pisou nas terras vermelhas do Planalto Central do Brasil, foi trabalhar em um ateliê como costureira, ofício que até hoje garante o sustento dela e da filha.

Agulha, linha e tecidos sempre foram pano de fundo na trajetória de Zefi. Inclusive, oportunizaram tempos de fartura e comodidade. Com uma clientela fiel e endinheirada, a costureira conseguiu abrir o próprio ateliê e chegou a ter cinco funcionárias trabalhando para ela. Com o dinheiro, garantiu uma boa educação para a filha, que criou praticamente sozinha após se separar do marido, que conheceu em Brasília e com quem ficou casada por seis anos.

 

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Investir os recursos na casa própria, no entanto, foi algo deixado de lado por anos. E quanto mais o tempo passava e ia consumindo o dinheiro, mais difícil e distante se tornava a meta. Zefi não se preocupou em poupar. Até tentou, mas outras prioridades foram surgindo. Ajudar a família que seguiu os passos da aventureira e também se mudou para a capital e não deixar nada faltar para a filha estavam no topo da lista.

“Eu tinha dinheiro e podia fazer a diferença para quem estava precisando. Ajudei várias pessoas que vieram de Carolina para cá, até minhas antigas costureiras, gente que eu fui conhecendo na vida. Foi muita casa que eu ajudei a colocar de pé, que eu acabei esquecendo da minha”, diz a maranhense. As escolhas de forma alguma são um arrependimento. “Tá todo mundo bem, e é isso que me faz feliz. Eu sou feliz demais.”

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