A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), por meio da II Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam II), investiga uma série de assédios supostamente ocorridos no Centro de Ensino Médio 9 (CEM9), em Ceilândia, Distrito Federal. Segundo estudantes, o orientador da escola seria responsável por cometer abuso sexual contra alunas dentro da instituição de ensino e por meio das redes sociais. Ao menos 20 meninas disseram ter sido vítimas do educador. A maioria das vítimas cursa o 1º ano do ensino médio e tem, em média, 15 anos.
Uma aluna, que pediu para não ser identificada, contou à reportagem que o servidor “aproveitava” o momento em que as estudantes procuravam a secretaria para cometer os abusos disfarçados de “brincadeiras”. Segundo ela, o comportamento do orientador começava com frases sutis e, com o tempo, evoluía para comentários absolutamente constrangedores.
“Precisei procurar a coordenação para resolver um problema e ele estava lá. Conversamos e, na hora que virei para voltar para a minha sala, ele disse ‘nossa, você tá com um corpão. Está gostosa, com todo respeito’. Eu me senti muito desconfortável. Eu estava uniformizada, e na escola. Não esperava ouvir isso. O pior é que não parou por aí. Os comentários inconvenientes continuaram em minhas fotos e em mensagens nas redes sociais”, declarou a jovem.

Alunos do Centro de Ensino Médio 9 do Setor O (CEM9) acusam o orientador da instituição de cometer série de abusos sexuaisReprodução

Segundo estudantes, o homem cometia os supostos assédios pessoalmente e proferia "comentários inapropriados" nas redes sociaisReprodução

O homem, segundo estudantes, "aproveitava" o momento em que as estudantes procuravam a secretária para resolver pendências para cometer os abusos Reprodução

Após registro de boletim de ocorrência, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), por meio da II Delegacia Especial da Mulher, investiga o casoReprodução
Uma outra estudante ouvida pelo Metrópoles contou que o professor fazia comentários “maliciosos” sobre o corpo dela, inclusive para outras pessoas. “Certo dia, uma amiga minha foi até a sala do orientador pegar uma calculadora e eu fiquei esperando a alguns metros da porta. Nessa hora, ele virou para essa minha colega é disse ‘nossa, como aquela sua amiga tem uma bunda grande e bonita’. Assustada, obviamente minha amiga me falou’”, detalhou a jovem.
“Eu fiquei irritada e passei a olhar para ele com muita indignação. Um tempo depois, ainda no mesmo dia, ele me chamou em sua sala, perguntou se minha amiga tinha falado algo e então soltou: ‘Falei porque, olha, eu nunca tinha visto algo assim antes’, se referindo às minhas nádegas. Me senti desrespeitada, coagida e com medo”, finalizou.
Outras denúncias
Uma terceira aluna, cansada do que estava acontecendo, juntou um grupo de estudantes que se sentiam vítimas do servidor e procurou a direção da escola. “Eu fiquei com medo de acontecer alguma coisa mais séria, por isso incentivei a denúncia. No dia em que procuramos a direção, ficamos uns 40 minutos relatando tudo o que tinha acontecido e o que testemunhamos”, disse a adolescente.
“Depois que detalhamos tudo, a nossa diretora perguntou porque demoramos para falar sobre o assunto. Respondemos, então, que tínhamos medo de não acreditarem na gente. Por fim, contamos o que aconteceu com outras meninas, a diretora as chamou e todas passaram a narrar o que o orientador havia feito. Foi aí que viram o tamanho do problema. Ao menos 20 meninas disseram ter passado pelo mesmo”, detalhou a jovem.
Apesar do que inicialmente declarou às estudantes, a escola, posteriormente, disse que o assunto não deveria mais ser comentado, pois, segundo eles, “fofocas deveriam ser evitadas”. A posição da instituição causou ainda mais tristeza e ansiedades nas alunas.
“É muito triste ver que nós mulheres não podemos confiar em ninguém para falar sobre assuntos como este. A escola deveria ser um lugar de exemplo. O pior é saber que a direção se preocupa mais em tentar deixar o colégio com o nome limpo do que ajudar as alunas”, desabafou uma estudante.
Após serem coagidas pela escola a não falarem mais sobre o ocorrido, uma quarta aluna procurou a II Delegacia Especial da Mulher (Ceilândia), e registou boletim de ocorrência. “Apenas queremos justiça”, disse a estudante.

O assédio sexual é caracterizado por avanços ou exigência de favores sexuais não requeridos e não aceitáveis, que inclui também contatos físicos ou verbais com conotações sexuais. É visto como uma forma de violência contra a mulher, ou homens, e é um crime previsto no Código Penal brasileiro (CP)Malte Mueller / Getty Images

De acordo com o artigo 216 – A, do CP, caracteriza-se como assédio sexual “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (incluído pela Lei 10.224)Prot Tachapanit / EyeEm/ Getty Images

A pena prevista é de um a dois anos de detenção, sendo aumentada em até um terço se a vítima for menor de 18 anosTinnakorn Jorruang / EyeEm/ Getty Images

O assédio sexual também é considerado discriminatório, uma vez que ocorre em virtude do sexo da vítima. De acordo com um estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), “o crime está ligado com o poder. Na maioria das vezes acontece em sociedades em que a mulher, por exemplo, é tratada como cidadã de segunda classe ou objeto sexual”Peter Dazeley/ Getty Images

“Exemplo clássico é quando favores sexuais são solicitados em troca de trabalho, promoção ou aumento salarial. Outro exemplo é o assédio sexual de rua, que pode ir desde sons e assobios a palavras ofensivas ou até abuso e violação sexual”, indica o estudoLaylaBird/ Getty Images

Caracteriza-se como assédio sexual: tocar, beijar, abraçar ou encostar em alguém com segundas intenções e sem permissão; contar piadas obscenas; compartilhar imagens com conteúdo pornográfico e enviar mensagens, cartas ou e-mails de natureza sexualPeter Dazeley/ Getty Images

Também é considerado assédio sexual avaliar pessoas por seus atributos físicos, proferir comentários com conotação sexual sobre a roupa de terminada pessoa, assobiar ou fazer sons inapropriados, oferecer cargos, dinheiro ou aumento em troca de relação sexual, perseguir alguém, apelidar de forma inapropriada, entre outrosTomas Rodriguez/ Getty Images

Apesar de o que possa parecer, o assédio sexual não acontece apenas com mulheres. Homens também podem ser vítimas do crime. Na verdade, não existe um padrão de gênero. Já o assediador pode ser qualquer pessoa, desde um chefe, um familiar a um desconhecido ou alguém entrevistando para um trabalho, por exemploRick Gomez/ Getty Images

Para combater o crime, o primeiro passo é quebrar o silêncio. Além disso, segundo um guia elaborado pelo Senado Federal, é importante registrar detalhadamente todas as invertidas criminosas, bem como a data, hora, local, nomes do perpetrador e das testemunhas e descrições dos eventos para ajudar na coleta de evidênciasCarol Yepes/ Getty Images

Em seguida, reporte os casos às autoridades competentes, ao órgão ou empresa onde trabalha ou onde a situação ocorreu. Ainda segundo o guia, a denúncia é a única forma de fazer com que o agressor seja punido Pyrosky/ Getty Images
Ao Metrópoles a mãe de um aluno, que também terá a identidade preservada, disse estar indignada e preocupada com o que aconteceu com as menores dentro da instituição de ensino. “É um absurdo. O caso precisa ser investigado, sim. Isso não pode passar em branco. Esse homem é um tirano. Certa vez precisei ir à escola após ele bater no peito do meu filho e quase rasgando a blusa de frio que ele usava para ver o uniforme”, disse a mulher.
“Isso é muito sério. Em breve minha filha será encaminhada ao CEM 9 e eu fico com medo de algo do tipo acontecer com ela também. É grave demais o que está acontecendo nesse colégio. Um absurdo que não pode ser normalizado”, declarou a mulher.
Secretaria de Educação
Procurada pela reportagem, a direção do CEM 9 informou que o investigado foi “imediatamente afastado” das atividades após as denúncias. “O episódio de assédio envolvendo o orientador educacional chegou à direção na semana passada. Alunas e pais foram ouvidos e orientados a procurar os órgãos competentes. O servidor foi imediatamente afastado”, enfatizou a vice-diretora do colégio, Maria José.
A gestora acrescentou que a direção se encontra à disposição de todos para “qualquer esclarecimento”. “Reforçamos que a escola está acompanhando o caso com a devida atenção. A preocupação maior e final é com as alunas, no intuito de as poupar de quaisquer outros problemas”, finalizou.
O Metrópoles também procurou a Secretaria de Educação, mas a pasta não havia emitido nenhum parecer quanto às graves denúncias. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.