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DF: 76% dos servidores no Iges pediram para voltar à Secretaria

Governo nega perda de qualidade no tratamento dos pacientes, mas trabalhadores dizem haver prejuízo. Questão é analisada pelo TCDF

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Hospital de Base
1 de 1 Hospital de Base - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Por vontade própria, 76,7% dos servidores públicos lotados no Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) voltaram para a Secretaria de Saúde do DF.

Criado em 2018, o Iges-DF arregimentou, inicialmente, 5.191 servidores. Desse total, segundo a pasta, 3.983 regressaram voluntariamente à Secretaria de Saúde. Os retornos, a pedido, ocorreram de 2018 até essa segunda-feira (5/4).

Veja os números: 

  • 2018 – 1.234 retornos voluntários
  • 2019 – 1.896
  • 2020 – 659
  • 2021 (até 5/4) – 194

O movimento dos servidores antecipa medida administrativa adotada pela pasta local. Em novembro do ano passado, as promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), recomendaram que os servidores da pasta cedidos ao Iges-DF se reapresentassem ao órgão de origem de forma gradual.

No entendimento do MPDFT, a medida minimizaria o déficit de funcionários na rede pública local, visto que, por lei, a secretaria está impedida de realizar concurso público até dezembro de 2021. Frente à recomendação, a Saúde passou a pedir aos profissionais da rede indicassem o local onde desejariam trabalhar após o retorno à pasta; do contrário, a administração pública indicaria o novo posto de trabalho. Assim, vários os servidores têm se manifestado voluntariamente.

Frustração e retorno

A enfermeira Marcela Vilarim trabalhou por 13 anos no Hospital de Base. Dedicou-se ao cuidado de pacientes neurológicos críticos, como pacientes em unidades de terapia intensiva (UTIs) para tratamento de sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), tumor cerebral ou trauma craniano. A intensivista tornou-se especialista nesses casos.

Vilarim se sentia realizada no trabalho; admirava a história e o papel do Base, e nunca quis deixar o hospital. Mas, segundo conta, desde a criação do Iges-DF, vivenciou ameaças “sutis e explícitas” de devolução compulsória para a Secretaria de Saúde. “Eu estava me sentindo ameaçada desde sempre”, desabafou. Em 2020, o debate sobre a devolução compulsória ganhou força e, em novembro, as chefias das unidades administradas pelo instituto enviaram notas informando sobre a devolução. Foi a gota d’água para Marcela.

“Não vou ficar em um lugar aonde não sou bem-vinda, que não valoriza a minha expertise. E tem vários servidores com outras especialidades, como tratamento de queimados, cardíacos. Tínhamos no Base servidores trabalhando a vida inteira com isso. Não vou ficar implorando para trabalhar em um lugar que não me quer”, concluiu. Em dezembro de 2020, Vilarim voltou para a Secretaria de Saúde.

Vilarim decidiu se antecipar para ter a chance de escolher um novo local de trabalho onde pudesse ajudar com o seu conhecimento profissional. Conseguiu uma vaga na UTI do Hospital Regional do Paranoá. A unidade trata de pacientes com trauma medular.

O diagnóstico de Vilarim sobre o Base é preocupante. “O que eu percebo, cada vez mais. É que o Base não está conseguindo manter a qualidade da assistência”, alertou. Antes da criação do Iges-DF, havia o problema da falta crônica de insumos. O instituto sanou, temporariamente, esse problema. Mas não consegue manter o quadro de pessoal.

“O começo dos processos seletivos eram muito rigorosos, entravam funcionários mais qualificados. Com o tempo, esse processo foi se perdendo”, relatou. “A qualidade da assistência é de chorar. Vemos o serviço que a gente construiu, deu o sangue, ruindo. É lógico, tem ainda alguns servidores, muitos médicos, que são muitos bons e tem muita gente da primeira leva dos celetistas que foi muito bem treinada”, completou.

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Prejuízos e rotatividade

Contudo, pelo diagnóstico dos profissionais de saúde, a onda de regressos gera prejuízos para o instituto e para os pacientes. Segundo a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal (SindEnfermeiro-DF), Dayse Amarílio, o regime de trabalho do Iges é confuso, com conflitos entre profissionais estatutários e celetistas.

“Há diversos problemas com as chefias, inclusive suspeitas de assédio. Muitas desrespeitam os protocolos de atendimento e os estatutários batem o pé contra essas situações. Eles têm estabilidade e, por isso, podem denunciar. Mas depois são perseguidos. Os celetistas podem ser demitidos”, contou a representante dos enfermeiros. “Esse regime ainda abre portas para apadrinhamentos. Então, os servidores pedem para voltar [para a secretaria] com medo de não ter para onde ir”, emendou.

Para Dayse Amarílio, o resultado final gera prejuízo para todos. O instituto perde a expertise de profissionais responsáveis pela fundação de diversos serviços. E os pacientes deixam de contar com a garantia desses tratamentos.

“E não se sabe bem como são feitas as contratações no Iges e nem as capacitações desses novos trabalhadores. E a rotatividade dos celetistas é muita alta, muito mesmo”, arrematou a representante dos enfermeiros.

TCDF acompanha

Para o presidente do presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho, a maior preocupação é com a perda da qualidade do serviço e o assédio moral contra os servidores. O sindicato faz severas ressalvas ao risco de regressos compulsórios, à revelia da vontade dos profissionais.

Segundo Fialho, faltam transparência e organização. O SindMédico, inclusive, acionou o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) para acompanhar o processo.

O conselheiro do TCDF Renato Rainha foi relator de um caso relacionado ao regresso de servidores lotados no Iges-DF para a Secretaria de Saúde. Ele lembra que o instituto é custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“O Iges é parceiro [do Estado] para executar Saúde Pública. Então, todo ato que o instituto fizer de devolver qualquer servidor tem que ser motivado. Se devolver, deve demonstrar que o profissional está saindo de determinado setor e não está causando nenhum prejuízo para o Iges. Da mesma forma, quando chegar na Secretaria de Saúde, o secretário precisa demonstrar ao tribunal que o servidor está sendo útil para implementar algum tipo de serviço ou está agregando algo necessário na Secretaria de Saúde. Isso para evitar o deslocamento pelo deslocamento, as trocas desnecessárias”, explicou Renato Rainha.

Segundo o TCDF,  a Secretaria de Saúde do Iges-DF precisam comprovar com documentos que eventuais trocas não vão acarretar prejuízos nos serviços de ambas as partes. “Como a Saúde é uma área extremamente sensível, afinal ela lida com vidas, você só movimenta servidores com motivação que gere eficiência para a Saúde”, complementou.

O Tribunal de Contas inclusive pediu o posicionamento formal da pasta e do instituto sobre o tema. E ainda aguarda respostas. Para Rainha, não basta apenas o desejo do servidor de mudar de local de trabalho. O intuito do profissional de saúde precisa ser “casado” com os objetivos e necessidades da Saúde Pública.

“Os médicos terciários que desenvolvem atividades de alta complexidade e aqueles servidores que são professores não podem sair do Iges. Porque não há para onde eles irem na Secretária de Saúde. A atividade terciaria é de alta complexidade, cuja substituição é muito difícil. Não basta só buscar um profissional no mercado, existe a experiência e a harmonia da equipe. É da mais elevada complexidade da medicina”, afirmou o conselheiro.

Outro lado

De acordo com a Secretaria de Saúde, profissionais  de todas as especialidades das carreiras médica, de enfermagem, especialistas e administrativos decidiram voltar à pasta. “A exceção é para os cargos onde só existe o serviço no Hospital de Base, como por exemplo, cirurgia cardíaca”, explicou.

De acordo com a pasta, após o regresso, os servidores foram lotados em todas as superintendências e unidades de referência distrital, além da própria Administração Central.

Do ponto de vista do Iges-DF, o retorno dos servidores está previsto no contrato de gestão celebrado com a secretaria. Pode ocorrer voluntariamente, quando o próprio profissional solicita, ou a pedido da pasta.

“A devolução não gera impactos no atendimento, já que os profissionais devolvidos são imediatamente substituídos quando necessário”, argumentou o instituto.

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