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Boatos sobre coronavírus acabam em agressões e preconceito no DF

Vítimas de fake news, pessoas com outras doenças, como dengue, são atacadas em casa e até no ambiente de trabalho

atualizado

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Com o número de casos de pessoas infectadas por coronavírus aumentando a cada dia, a tensão e o medo de ser o próximo contaminado tem crescido. Uma tosse mais forte ou uma visita ao médico muitas vezes são interpretadas por leigos como sendo alguém com a Covid-19, que fez a primeira vítima fatal no DF nesse fim de semana.

Dessa forma, em vez de contribuir para o entendimento da pandemia, muitas pessoas espalham notícias falsas.

A autônoma Lídia Alves de Lima, 40 anos, foi vítima de fake news no sábado (21/03), em Águas Lindas (GO). Ela teve sintomas que se assemelham aos da nova doença e procurou ajuda no Hospital Municipal Bom Jesus, onde foi atendida e levada para Goiânia. Na unidade, o teste deu negativo para Covid-19. “Como estou grávida, me mandaram logo de volta para casa, pois ali era um ambiente perigoso”, lembra.

O que ela não imaginava, entretanto, era que, após o atendimento, uma enfermeira mandaria um áudio que se espalharia por toda a cidade. “Eu não tinha ideia daquilo. Como fiquei em casa desde que voltei, não tive contato com as pessoas da vizinhança”, comenta.

No áudio, a mulher dizia que Lídia deveria “ter contaminado tudo em volta dela”.

Confira o áudio

Uma semana depois de a gravação circular por grupos de WhatsApp e outras redes sociais, a casa de Lídia foi atacada. Conforme conta, ela não sofreu danos físicos ou materiais, uma vez que jogaram apenas brita. No entanto, ficou o trauma psicológico. “Fiquei nervosa. A mulher não sabe nada da minha vida e veio prejudicar a minha família. Eu estou é com pneumonia”, explica.

As pedras foram jogadas e os xingamentos proferidos do lado de fora do portão em dois momentos. “Achei que fosse uma briga, depois que vi a relação”, explica.

Com medo, ela espera que os ataques tenham acabado depois da repercussão do caso. Mesmo assim, ela desconfia que outra ação parecida possa ocorrer. “O ser humano é um bicho cruel. Temo não por mim, mas pelos meus quatro filhos”, relata. Para ajudar a superar o trauma, o marido, que é entregador, passou a ficar em casa.

Procurada, a Prefeitura de Águas Lindas, responsável pelo Hospital Municipal Bom Jesus, informou, por meio de nota, que a enfermeira citada “é servidora efetiva do Estado e que ela  estava emprestada ao município”. Segundo o texto, ela já foi devolvida e um processo administrativo para apurar sua conduta foi aberto.

Caso de dengue virou coronavírus no Paranoá

Também na última semana, o neto da merendeira Antônia Maciel, 69 anos, apresentou sinais de piora na saúde. Com dores no corpo e febre, a família decidiu levar o garoto de 14 anos ao hospital. “O médico disse que era caso suspeito e mandou ficar em casa. Falaram que iriam mandar uma equipe fazer o teste, mas não mandaram. Daí, depois, diagnosticaram como dengue”, conta.

A suspeita de coronavírus foi o suficiente para que a fofoca tomasse conta da vizinhança, no Paranoá. “Falaram que mãe dele estava também, a tia. Até o tio dele, que trabalha na administração regional, sofreu com isso”, relata Antônia.

Uma troca de áudios entre servidores da RA alimentou ainda mais a fake news. “Foi muita coisa feia que falaram, horrível. Deixou a gente sem palavras”, relembra a idosa.

Entre as gravações que chegaram ao conhecimento da família, um dos funcionários se mostrava revoltado com a possibilidade de o tio do garoto ter participado de uma reunião.  “O filho da puta foi para uma reunião hoje. Não foi nem convocado e apareceu lá pegando na mão de todo mundo. Aí tá esse boato de que o sobrinho dele tá [com coronavírus], a mãe do menino tá e que ele teve contato com o menino. Posso até bater as botas por causa desse vírus, mas mato ele antes”, disparou.

Um outro homem, que também esteve na reunião, alertou ao grupo para tomar cuidado. Segundo ele, o possível infectado iria iniciar a quarentena. “Tive uma reunião na administração e tinha um cara nessa reunião que o sobrinho dele estava. Ele tem suspeita, vai para o hospital fazer o teste e ficar de quarentena”.

Ouça as gravações

Segundo Antônia, a mãe do garoto foi ao mercado e várias pessoas olharam feio para ela. “Todo mundo ficou observando. Falaram que ela tinha pegado coronavírus”.

Após ter sido procurada, a Administração Regional do Paranoá não respondeu ao e-mail enviado à assessoria de comunicação.

Dano psicológico

Para a psicóloga clínica Raquel Estrela, as situações vividas por Lídia e o neto de Antônia podem acarretar em traumas. “É importante que a pessoa seja assistida por um profissional para evitar uma depressão ou ansiedade”.

A psicóloga especializada em teoria cognitiva e comportamental Anacelia Grangeiro vê, pelo lado de quem acredita nesses boatos, uma grande carga de ansiedade. “As pessoas estão muito alarmadas e cansadas emocionalmente”.

Para ela, a grande quantidade de informação recebida – muitas mentirosas – aliada ao fato de as pessoas passarem muito tempo em casa, provoca uma sensação de insegurança e qualquer sinal de perigo é tratado como real. “Onde há o mínimo de fumaça já é considerado fogo. É necessário desenvolver alguma atividade para se acalmar, como ler um livro ou assistir a um filme”, opina.

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