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Alzheimer: familiares contam a rotina com pessoas que têm a doença

Para especialistas, o melhor para paciente e familiares é ter acompanhamento psicológico e investir numa cuidadora profissional

atualizado

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Cuidadora de idosos
1 de 1 Cuidadora de idosos - Foto: istock

Há nove anos Ricardo Santos*, 69, recebeu o diagnóstico da doença de Alzheimer. O quadro clínico do ex vendedor de carros é raríssimo, já que adquiriu a demência antes dos 65 anos, idade considerada muito precoce. Desde então, a esposa de Ricardo vem travando uma batalha contra o tempo para aproveitar ao máximo as memórias dele, lutando contra uma doença que evolui rápido.

Desde o diagnóstico, o aposentado é cuidado pela esposa Elis Dias*, 62, que teve que se aposentar para cuidar do marido. “Chegou um momento da doença que ficou insustentável trabalhar, ele não podia ficar sozinho em casa. Em 2019 me aposentei para cuidar dele. Os filhos se revezam para cuidar do pai, mas cada um tem sua vida e sua família, é difícil para todo mundo”, contou Elis ao Metrópoles. 

Os primeiros sintomas começaram a aparecer em janeiro de 2012, quando em uma viagem de férias, Ricardo esqueceu as malas no aeroporto. “Ele não conseguia fazer mais nada sem minha orientação. Já estava perigoso para dirigir”, relembra a mulher.

O Alzheimer é uma doença que provoca a degeneração progressiva e irreversível no cérebro. De acordo com o geriatra Einstein de Camargos, do Hospital Universitário de Brasília (HUB), o Alzheimer precoce é o mais grave e se desenvolve mais rápido que o normal. “É raríssimo aparecer antes dos 65 anos, então quando o paciente adquire a doença na casa dos 60, ele chega na fase final mais rápido. O normal da doença é aparecer ali entre os 80 e 90 anos de idade”, alertou o geriatra.

O Alzheimer tem quatro fases principais: leve, moderada, grave e terminal. De acordo com Camargos, a primeira fase pode passar despercebida pelos familiares mais próximos, que é uma etapa de esquecimentos esporádicos e abandono de ciclos sociais. Geralmente, o diagnóstico é dado na fase moderada, que é quando o paciente não consegue mais trabalhar, se esquece dos filhos, netos e cônjuge.

“Na fase moderada, o paciente se perde dentro de casa, não consegue encontrar uma roupa para vestir, começa a ter alguns delírios e perde a capacidade de realizar atividades cotidianas sozinho, como tomar banho ou escovar os dentes. Quando chega na mais grave, o paciente já está acamado, perde a capacidade de falar e chega até a fase terminal sem se reconhecer”, explica.

Dependência

Para realizar as atividades diárias, Ricardo precisa da ajuda da esposa em quase tudo. Hoje, Elis diz se sentir cansada com a rotina da doença. “Me sinto exausta, porque tudo que ele vai fazer eu preciso estar ao lado. Se vai ao banheiro, eu preciso limpar, lavar e secar. Tenho que mostrar onde é o vaso e a lixeira. Então, dia e noite eu preciso estar com ele o tempo todo”.

Elis tenta aproveitar o máximo enquanto o marido ainda se lembra dela, mas se sente anulada pela doença de Ricardo. Agora, não tem mais tempo de fazer as atividades que gostaria, como uma aula de paisagismo ou decoração. Segundo ela, seus dias são todos dedicados ao Ricardo.

É uma escolha que a assistente social Zoraide dos Santos Viana, 82, também teve que fazer para cuidar do falecido marido com Alzheimer. O ex-comunicador da Petrobras foi diagnosticado com a demência aos 81 anos e, desde o primeiro momento, a esposa virou também a cuidadora. “Eu tive que fazer uma escolha. Já estava aposentada, mas, mesmo assim, a palavra certa para o que fiz é renúncia. Renunciei minha vida para cuidar dele. Todos os meus desejos e vontades ficaram totalmente anulados”, ressaltou Zoraide.

Para a Terapeuta Ocupacional, Arali Pereira, 50, especialista em pacientes com Alzheimer, o tratamento familiar é essencial. Todos os familiares mais próximos devem buscar um acompanhamento psicológico. “No caso, quando o cuidador ainda é o cônjuge, os filhos se voltam para a pessoa que está com Alzheimer e esquecem do cuidador. Essa pessoa fica sobrecarregada, sem tempo pra ela e com uma carga muito grande, porque cuidar de uma pessoa que está perdendo não só as memórias, mas também a capacidade física e cognitiva, é muito difícil. Isso gera um adoecimento significativo no parceiro”, explica a especialista.

Mesmo sobrecarregadas e vendo os parceiros esquecendo uma vida inteira pouco a pouco, as duas esposas compartilham do mesmo sentimento: amor. Elis diz que só imagina a separação com o marido depois da morte. Zoraide, ficou até o fim dos dias de seu amado ao lado dele e dizendo, “estou com você e não abro mão”.

Tratamento

Apesar de haver tratamentos que o paciente com Alzheimer pode seguir, o geriatra Eisten Camargos considera os medicamentos pouco eficazes, pois não impedem a evolução da doença.

“São medicamentos com muito efeito colateral e pouco eficazes. Apenas 20% dos pacientes responde bem aos medicamentos de memória e o tratamento para o comportamento do paciente ainda é um desafio. Eles continuam tendo alucinações e sendo agressivos em alguns casos”, ressalta o geriatra.

Para a terapeuta, o melhor para o paciente e os familiares é um acompanhamento psicológico e o investimento em uma cuidadora profissional, que não seja da família. “As vezes as famílias demoram muito a aceitar que o paciente precisa de um cuidador profissional e não um cuidador familiar. Investir no cuidador profissional é fundamental, principalmente, quando o cônjuge também é um idoso”, alerta Arali.

A terapia ocupacional trabalha com o paciente para ajudar a manter algumas capacidades como, estimulação cognitiva, atenção, concentração e raciocínio lógico. Além disso, atua na reeducação familiar para ensinar a lidar com o parente doente.

* Escolhido um nome fictício a pedido do personagem. 

 

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