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Como explicar a dinamarqueses a luta para nomear o novo PGR

Lula quer um PGR para chamar de seu. O PT, o clube do charuto e do vinho e juízes também. O negócio é recorrer a Shakespeare

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1 de 1 Imagem colorida mostra William Shakespeare - Metrópoles - Foto: Reprodução/redes sociais

Lula quer um Procurador-Geral da República (PGR) para chamar de seu, assim como Jair Bolsonaro. Em mais esse aspecto, ambos são a face da mesma moeda patrimonialista. A novidade é que não há mais nenhum pudor em expressar a falta de convicções que não sejam as estritamente pessoais. O que era inconfessável agora é explícito.

Um PGR que tem patrão está em desacordo com a Constituição, que garante à instituição que ele chefia, o Ministério Público da União, a função de defender com total independência a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais inegociáveis. Mas a Constituição, ao que parece, passou a ser aquela Bíblia que se deixa aberta sobre um suporte: os salmos são belos e edificantes, mas ninguém lê.

A bela letra institucional ganha concretude quando se desce ao fato de que é o Ministério Público (ou era, até uns quatro anos atrás) o titular exclusivo das ações penais e civis públicas. Ou seja, é quem processa, em nome da União, o presidente da República e outras autoridades. Como ninguém processa patrão enquanto quer se manter no emprego, está explicado por que Lula quer nomear um procurador que aja como seu funcionário.

Pelo que se ouve e o que se lê, o PT e aquele clube do vinho e do charuto composto por advogados milionários acham que o PGR ideal seria Antonio Carlos Bigonha. Eles travam uma disputa nos outrora bastidores — bons tempos, os dos bastidores — com um ministro do Supremo, que prefere o nome de Paulo Gonet. Cada lado diz a Lula que o seu candidato será mais obediente ao inquilino do Planalto do que o do outro, e a luta intestina — expressão que uso sem qualquer significado fisiológico, juro — teria atingido até mesmo o nível do pugilato verbal, segundo relata a jornalista Malu Gaspar.

Dinamarqueses, por exemplo, que já tenham assimilado o tropicalismo de um presidente da República e o seu partido nomearem um PGR domesticado poderiam perguntar se não é estranho que advogados queiram ajudar a escolher quem lhes pode ser oponente em tribunais (escolho dinamarqueses, porque brasileiros já não questionam mais nada)

De forma idêntica, dinamarqueses poderiam questionar se não é esdrúxulo juízes se baterem para apontar quem será o acusador em processos que ocorrerão na sua corte — ou que não ocorrerão porque o acusador pode não acusar ninguém ou coisa nenhuma.

Eu explicaria tudo aos dinamarqueses (confesso que a escolha da nacionalidade não foi casual) por meio de frases que Shakespeare colocou na boca de personagens de Hamlet, a peça que tem como protagonista o atormentado príncipe da Dinamarca que quer vingar a morte do seu pai em um contexto de corrupção. Como Shakespeare inventou o humano, ele também antecipou o Brasil, como se verá: 

“Oh, se esta carne tão sólida derretesse e se fundisse em orvalho… Ó Deus! Ó Deus! Como me parecem fastidiosas, fúteis e vãs as coisas deste mundo! Que horror! Jardim inculto em que só crescem ervas daninhas, cheio apenas das coisas mais rudes e grosseiras.”
(Hamlet, Ato 1, Cena 2)

“Há algo de podre no reino da Dinamarca.”(Marcellus, Ato 1, Cena 4)

…é um desses hábitos cuja quebra honra mais do que a observância.” (Hamlet, Ato 1, Cena 4)

“Alguém pode sorrir e sorrir e ser um vilão.” (Hamlet, Ato 1, Cena 5)

“Há mais coisas entre o céu e a terra, Horatio, do que sonhamos na nossa filosofia.” (Hamlet, Ato 1, Cena 5)

“A brevidade é a alma da inteligência.” (Polonius, Ato 2 , Cena 2)

“Embora seja loucura, há método nela.”(Polonius, Ato 2, Cena 2)

“Não há nada bom ou mau, mas o pensamento é que o faz assim.” (Hamlet, Ato 2, Cena 2)

“Ser ou não ser, eis a questão.” (Hamlet, Ato 3, Cena 1)

“Parece-me que a dama faz protestos demasiados.” (Gertrude, Ato 3, Cena 2)

“O resto é silêncio.” (Hamlet, Ato 5, Cena 2)

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